Dossiê Bleach escrita por Pedro_Almada


Capítulo 2
Hanatarou Yamada




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Hanatarou Yamada

            Provavelmente poucos se lembram desse nome, embora, é claro, eu possa estar enganado e essa foi a figura mais bem lembrada entre todos os outros membros da Gotei 13. Hanatarou Yamada não é o tipo de shinigami que marca uma batalha, muito menos o tipo de pessoa com personalidade destacada. Não. Ele é mais do que isso.

            Durante muito tempo me interessei por essa figura aparentemente sem importância. Com sua Hisagomaru, uma zampakutou com um peculiar formato de bisturi, pouco valor foi atribuído ao rapaz. Devo dizer que é um dos mais recentes dos shinigamis, uma das últimas, vejamos, aquisições de Rukongai. Sem mais delongas, sei que devem estar ansiosos.

            Aqui é Notaro Raito, vou contar a vocês a história de Hanatarou Yamada.

            Não se sabe ao certo, os documentos não deixam muitas informações. Mas tudo o que se sabe é que nevava. Era noite de neve.

            O chão coberto por um carpete branco natural reluzia com a luz da varanda da velha cabana. Não havia vento, apesar da tempestade que se mostrava ao horizonte.

            Foi no ano de 1896.

            A família Shiure estava em uma situação delicada. Apenas uma pequena família, composta por uma esposa grávida, um marido ansioso, acompanhados de uma vizinha solidária. A mãe estava em trabalho de parto.

            - Não sai daqui, Hyuu! – a esposa agarrou a mão do marido, que ofegava, em completo desespero – Se você sair daqui, eu juro que furo o seu olho!

            - Ela está nervosa. – disse a vizinha, calmamente, enquanto enchia uma bacia com água quente.

            - Todos estamos, Hisa-chan – disse o pai, já trêmulo, sentindo os seus dedos sendo esmagados pela força brutal de sua esposa grávida.

            - Hisa-chan! – urrou a esposa – faça algo! Essa dor é terrível!

            - Apenas respire, Yumi – pediu a mulher, molhando uma toalha – já fiz isso tantas vezes... Partos, quero dizer... Fiz tantos... Não há com o que se preocupar.

            As contrações ficavam mais intensas, longas veias arroxeadas estavam amostra na barriga nua e saliente. Yumi sentia as dores, mas preservava seus pensamentos na doce criança que lutava para viver. Sim, ela podia sentir. A cada contração, a criança pedia, pedindo pela sua vida, pedindo pelo mundo que o esperava.

            Hisa-chan, estava com as mãos entre as pernas de Yumi. Hyuu sentara-se ao lado da esposa, sentindo náuseas. O suor frio era natural como qualquer outro pai de primeira viagem. Mas havia um brilho nos olhos daquele jovem casal. Era expectativa. Queriam aquela criança, a consolidação de um amor.

            Como os humanos são simplistas! Vi, durante seiscentos anos, grandes guerreiros liberarem forças ocultas inimagináveis, vi a grandeza nos olhos de nobres soldados. Vi espadas de impérios se partirem. Assisti ao nascimento de uma única zampakutou a partir da essência de outras milhares. No entanto, para os Shiure, não havia nada tão grandioso quanto aquele momento. Um simples nascimento. Um milagre comum, devo dizer.

            Então a criança chorou. Um choro vivo, audacioso, crescente. O ar devia lhe queimar os pulmões, e o garoto respondia com o seu berro. Eu poderia até ouvir “Hei, estou vivo, caras! Estou vivo!”. Sim, ele poderia ter dito isso.

            Hisa-chan entregou a criança nos braços da mãe, que afagou-o em seu seio materno, um abraço que poucos teriam o privilégio de presenciar. Era algo tão íntimo, que Hisa-chan se virou para o outro lado. Queria preservar aquele momento apenas para a família. Era sábia, aquela mulher.

            - Maeko... – murmurou Yumi – Maeko Shiure... Esse será o seu nome, pequenino...

            - Maeko? – Hisa-chan sorriu, enxugando a própria testa suada – “Criança Honesta”. Um belo nome, sabem?

            _ Obrigado... – o pai se levantou, indo em direção à parteira. Beijou-a no rosto, como quem beija a um irmão – Obrigado, de coração... Hisa Gomaru.

            Sim. Esse era o nome daquela mulher. A mulher que empenhara suas mãos para trazer à vida aquela criança, e outras que estariam por vir.

            Os anos se passaram, a neve já se secara. Yamada, ou melhor, Maeko, crescera em uma bela casa provinciana, onde seus pais tocavam um negócio altamente lucrativo. Para Maeko, nunca faltava absolutamente nada. O dinheiro de sua família seria suficiente para sustentá-lo por longos anos.

            Mas ele não queria isso. Não queria receber nada de mão beijada. Com apenas seis anos, gostava de ir com o pai ao escritório, ocupar-se com folhas e canetas, procurando por algo em que fosse útil.

            - Pai, posso assinar isso aqui para o senhor?

            O pai soltava uma gargalhada orgulhosa, virando-se par seus associados.

            - Nem tem barbas, e já quer administrar os negócios do pai.

            - É um prodígio, Hyuu – riu um dos sócios – espero que ele tenha essa mesma sede de trabalho quando tiver seus vinte anos.

            - Terá, caro amigo. Ele terá.

            Maeko passava horas recolhendo os papéis caídos debaixo da mesa, organizando-os em três pilhas impecavelmente alinhadas sobre a escrivaninha, apontava os lápis e limpava os tinteiros. Vez ou outra acaba sujando o tapete com nanquim, mas o pai não se importava. Dava gosto ver o esforço do filho. “Maeko”, pensava ele “uma criança honesta”.

            Assim Maeko cresceu. Mas não sozinho. Hisa-chan, depois de quinze anos, ainda trazia consigo a jovialidade. E assim Maeko a via, uma amiga que superava a fronteira da idade. A relação obrigou Hisa Gomaru a se tornar governanta da casa. De alguma forma inexplicável, ela sabia que precisava proteger o rapaz.

            Os dados são imprecisos, mas há quem afirme (digo isso como forma de expressão) que, naquele dia, antes de Hisa se despedir, abraçou o garoto com força e, beijando-lhe a testa, murmurou “adeus, criança honesta”. Ela deixou Maeko na empresa do Sr. Shiure e saiu, sem olhar pra trás.

            O garoto correu as escadas de mármore, pronto para ver o pai e começar o seu primeiro dia como co-ajudante de escritório. Sentiu um frio na barriga, temendo não responder aos anseios do pai. Não queria decepcionar ninguém.

            Se tem algo que Yamada Hanatarou permitiu transcender à morte, foi o seu senso de preocupação. Atender às expectativas, agradar a todos, temer uma lágrima de dor ou mágoa... Um coração, talvez o único, cuja bondade sobreviveu além da própria carne.

            Maeko aproximou-se, pronto para bater à porta, perguntando-se qual seria o seu primeiro trabalho no escritório. Mas sua mão foi impedida por uma voz que veio do outro lado.

            - Não me faça de idiota, Sr. Shiure! – gritou uma voz desconhecida masculina e severa – Não pense que pode se livrar de suas dívidas dessa forma!

            - Por favor, Luki, entenda, eu não... – a voz de seu pai tremia covardemente.

            Conheço a mente desses jovens. Sempre idealizando os pais, vendo-os com superpoderes e uma coragem inabalável. Ouvir a covardia do pai estremeceu uma importante parte de Maeko. Certamente havia perigo naquele momento.

            - Não me faça de idiota! Eu quero o meu dinheiro! Estou farto de cobrir o seu trabalho sujo, homenzinho miserável! Você é o que é hoje por minha causa! Não pense que eu não posso te tirar tudo isso!

            O sangue de Maeko ferveu. As ameaças e as afrontas o deixou irado.

            Folheando aqui os arquivos, percebo que, em algum momento, Maeko chorou. Primeiro, por perceber que seu pai não era o homem honesto que acreditava ser e, segundo, por saber que o próprio pai não tinha poderes. Era fraco e medroso, como o próprio Maeko. Mas não se incomodem com essas lágrimas. Mesmo porque Maeko as enxugou e esmurrou a porta furiosamente, até que ela cedeu, abrindo-se.

            O garoto vislumbrou o rosto lívido do pai e a expressão mafiosa do homem que gritava ameaçadoramente. No mesmo instante ele se lembrou daquele rosto, o sócio que preconizava dizendo que Maeko, um dia, seria igual ao pai, e teria o mesmo talento nos negócios. Maeko não percebeu quando ergueu o dedo e apontou na direção do homem desconhecido, despejando palavrões e desaforos, acusando-o de coisas sujas. No fundo, ele queria dizer aquilo ao próprio pai, mas, pior do que enfrentar um homem de potencial perigo, era enfrentar o próprio pai com aquela expressão de impotência.

            Guardem bem essa imagem. Um jovem, antes visto como um shinigami medroso e incapaz. Visualize-o no temperamento de um filho revoltado e pronto a enfrentar o maior mafioso da cidade. Guardem essa imagem, preservem-na. Essa parte humana de Yamada nunca morreu.

            Dois dias depois os corpos do pai e filho Shiure foram encontrados à margem do rio...

O que? Eu banalizei esse momento? Ou está decepcionado porque sua morte não foi nobre? Estão enganados se pensam que existe alguma nobreza na morte. Essa é uma virtude que se tem em vida. Depois disso, vem a sega. Não se preocupem, vocês sempre poderão se lembrar do quão bom é o nosso querido Yamada Hanatarou.

Mas a história não acaba aqui. Os arquivos deixam um último relato, algo de significativa importância. Hisa Gomaru não foi encontrada depois daquele dia, nenhum rastro dela. Há muitas especulações entre os pesquisadores, mas, na minha humilde opinião, a resposta é simples: Hisa foi procurar por seu pequeno Maeko. 

             

           


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