- Essa casa está vazia. – Murmuro para Kyle.

Ele não diz nada, quando menos se fala, mais temos chances de passar imperceptíveis. Ele apenas balança a cabeça,  e continua a encarar a casa.

Kyle realmente é um idiota, eu sempre falo para ele ter cuidado, mas ele nunca me escuta. Não é a primeira vez que ele sai correndo na minha frente, nem me espera, apenas corre.

Por mais que eu saiba que desse modo é bem mais perigoso, corro atrás dele, sempre atento para as coisas ao lado. Realmente eu sou o cérebro, ele não pensa em nada.

Ele pula a janela, corro pular atrás. Realmente a casa está vazia, pensei bem antes de escolhê-la. Não é fácil ficar andando a pé, mas essa tivemos que procurar muito antes de achá-la.

Tudo está escuro, automaticamente viro as minhas costas para a parede mais próxima. Outra coisa que Kyle não pensa é isso, ele corre direto para a geladeira, mal se importa com suas costas.

Eu corro um pouco mais, enquanto ele enche a mochila de alimentos imperecíveis, eu abro a torneira colocando nossas garrafas de água embaixo.

Certifico-me de deixar pouca água escorrer, para que não faça mais barulho do que o necessário. Abro os armários para recolher um pouco de alimento perecível, vamos precisar deles mais para frente.

Noto que dentro do armário tem alguns pacotes, nem imagino o que é, mas trato de recolhê-los com total silêncio. Minha mochila fica cheia, pesada, quase que eu não consigo levá-la.

- Anda logo Ian! Vamos fugir logo daqui!

Por mais que Kyle tente cochichar, sua voz é muito grossa e estridente. Eu me assusto com aquilo, ele não pensa nenhum pouco? Tem que ficar quieto.

- Cala a boca Kyle! Eu sempre falo para você falar baixo!

- Tá, tá! Só vamos logo!

Pego as garrafas que estão para encher na pia, tenho sorte que elas já estão praticamente cheias. Fui esperto em colocar dois buracos ao mesmo tempo na queda d’água.

Kyle rosna, eu fico ainda mais bravo. Não tem como sobreviver sem água, será possível que ele não entende isso?

Ele sai antes mesmo de eu tampar as garrafas. Jogo-as dentro da mochila e corro atrás do bruto e idiota de meu irmão.

Saio pelo mesmo lugar que entrei, só que Kyle está indo para outra direção, sou obrigado a ir também.

Corremos um bom tempo até que encontramos algo. Um carro estacionado de um lado da pista, completamente vazio.

Meus olhos brilham quando eu o avisto, era o que eu e Kyle sempre desejamos, um carro para facilitar nossos roubos.

- Hey Ian! Um Carro! – Kyle grita, pensando a mesma coisa que eu.

- Espera Kyle, precisamos ver se ele realmente está vazio ou se é uma armadilha. – Murmuro baixo.

- Mas olhe Ian, não tem ninguém ali, vamos cara, vamos roubá-lo!

- Não Kyle isso...

Ele mal espera eu terminar a frase, corre para o carro numa velocidade incrível. Isso está me cheirando armadilha, não é todo dia que encontramos um carro assim, totalmente fácil para roubar.

Ainda mais um carro como esse, perfeito para guardar nossos itens roubados. Uma Van, com muito espaço para guardar mercadoria e poder viajar tranquilamente.

Com Kyle correndo dessa maneira, eu não tenho muitas escolhas, eu tenho que correr atrás. Com sorte, é apenas um parasita inocente que deixou seu carro na rua e não se importou.

Alcanço Kyle, tenho sorte por que sou mais rápido. Ele atinge o carro e não pensa duas vezes em tentar abri-lo. Claro que se fosse um carro de parasita, eles o deixariam aberto.

Kyle abriu  a porta tranquilamente, e entrou, sem mesmo verificar se tinha alguém escondido ou abaixado ali. Passou para o banco passageiro enquanto eu me acomodava no banco do motorista.

Tudo vai dar certo, até que enfim Kyle pensou um pouco e fez algo certo, vamos conseguir roubar esse carro!

Antes de eu procurar a chave para ligá-lo, algo passa na minha garganta, algo gelado... parece metal... uma faca!

Olho desesperado para Kyle, para pedir ajuda, eu não sei como ele foi tão burro e não percebeu que isso tudo é uma emboscada.

Só que Kyle também não pode me ajudar, ele também foi apunhalado, um parasita coloca um facão em torno de seu pescoço, ele está em pior situação que eu. Fica preso entre o banco e a arma.

- Um pio e vocês dois morrem agora! – Um dos Buscadores ameaça.

Eu não acredito como pude ser apanhado dessa maneira, pelas burrices do meu irmão. Se ele tivesse pensado um pouco, se ele tivesse me escutado, poderíamos nos livrar dessa.

Mas agora não adianta, não tem como fugir mais.

Um dos Buscadores segura meu peito e me arrasta para a traseira da van. Eu sabia que isso podia acontecer, ter uma van sem bancos, onde poderiam ter parasitas escondidos.

Kyle também é puxado, pelo menos ele é esperto suficiente para ficar quieto, não dizer nada.

Fico frente a frente com o Buscador que me pegou, é um garoto, bem jovem. Surpreende-me como ele teve força para me apunhalar dessa maneira, eu sou enorme perto dele.

Com certeza ele deve ter técnica, não sei como, mas ele consegue me prender de uma forma que eu não sinto meu corpo.

- O que vamos fazer? – O Buscador que está comigo pergunta ao outro.

- Vamos levá-los para Doc quando os outros voltarem.

Se já não bastava saber que tinha outros, ainda tivemos que saber qual seria o nosso destino. Seriamos possuído, esse nome, Doc, com toda a certeza deveria ser de um médico que inseria as coisas dentro de nós.

- Tem mais de vocês? – O buscador que está com Kyle pergunta.

- Não, somos só nos dois. – Kyle responde um pouco rouco.

- Não minta para mim! – O Buscador grita. – Sabemos que vocês mentem muito bem!

- Estamos falando a verdade, olhe para nós! – Arrisco falar. – Somos irmãos!

O Buscador que me prende, por mais incrível que pareça, não parece ser mau. Bom, ele parece ser apenas mais um que tem que cumprir seu trabalho.

- Temos que deixá-los inconscientes! – O Buscador que me prende diz desesperado.

É, ele é mau sim, só tem a aparência de ser bonzinho.

- O veneno não está com nós, está com eles! – O outro fala, meio calmo.  -  Temos que agüentá-los por enquanto, Wes!

Mas espera, isso soa estranho. O nome do Buscador é Wes? Isso não é nome de parasita! Normalmente nomes de parasitas tem significados... Mas Wes?

Wes é nome de humano!

Não pode ser verdade! Existe outros humanos? Isso é impossível, eu pensei que fosse apenas eu e Kyle!

Antes até existia parasitas que adotavam nomes humanos para manter as aparências... mas agora que tudo foi dominado, isso não ocorrer mais.

Isso é bem estranho... Mas parece que não, parece que há mais... esses dois e os que estão com eles!

Eu preciso avisá-los antes que eles nos matem, antes que eles possam fazer alguma coisa contra nós!

- Hey! Espera! – Falo alarmado. – Somos humanos!

Kyle rosna de reprovação, com toda a certeza a burrice dele não foi capaz de perceber que o nome do que me segura é mais humano do que nunca.

- Sem chance! – Wes diz. – Nós não caímos mais nessa, sabemos claramente que são Buscadores!

Ele não acredita em mim, mas realmente não tem motivo. Até esse minuto eu estava pensando que eles eram os Buscadores, e não ao contrário. Como todos os Buscadores mentem, não tem como acreditar.

Mas eu não posso me render dessa maneira, justo agora que descobrimos mais humanos juntos... Eu tenho que dar um jeito e avisá-lo.

Palavras não são suficientes nesse momento, se tivesse algum jeito de ele apontar a lanterna para os meus olhos... ele veria claramente que ali só tinha azul.

Eu tenho uma lanterna no bolso, mas que droga, por que não pensei nisso antes? Não tem como pegá-la, o peso e a técnica de Wes me impedem...

Mal posso sentir alguns músculos do meu corpo... se eu conseguisse distraí-los... se eu conseguisse fazer algo que me soltasse por breves segundo...

Se Kyle fosse inteligente, ele poderia me ajudar de alguma maneira. Mas tudo o que ele faz é com violência e falta de cérebro, tenho que agir sozinho.

Isso mesmo! Essa é a chave, Kyle age com violência, ele pode me ajudar com isso! Quem sabe com a sua violência eu não consigo despistar Wes?

Por um milagre sinto uma de minhas pernas voltando ao normal, posso sentir os movimentos nela. E se eu conseguisse chutar Kyle ao ponto que ele se desespere de dor?

Na dor liberamos forças que nem sabemos de onde vem... ele poderia se soltar!

Continuo parado esperando meus movimentos voltarem por completo. Tenho ainda mais sorte, posso sentir uma grossa perna do lado dos meus pés. Sim, vai dar para chutá-lo!

Os movimentos voltam por completo, tenho apenas essa chance, preciso acertá-lo com força suficiente para que ele sinta dor.

Dou um impulso, como se fosse um coice de cavalo. Tento usar toda a minha força concentrada nas minhas pernas,  preciso dar um chute certeiro.

Atinjo com toda força a perna de Kyle, o barulho que isso causa é estrondoso. Meu pé dói um pouco, mas sei que o serviço foi bem feito.

No exato momento que o atinjo, ele grita profundamente de dor, e quase involuntariamente age contra o outro Humano.

O humano que não espera sua reação, na hora que toma o baque do corpo imenso de Kyle, cai para trás, deixando Kyle livre.

Kyle, que continua sendo burro, não pensa duas vezes em inverter a situação, apunhalando o outro com o facão que era usado contra ele.

Wes percebe tudo que está acontecendo, mesmo assim não me deixa escapar, ele me segura ainda mais forte para que eu não faça o mesmo por ele.

- Uma vida por uma vida! – Kyle grita, ele deve ter surpreendido o outro humano. – Larga meu irmão, nos deixa escapar e eu salvo a vida imunda desse Buscador!

Wes me vira num golpe de luta, fico frente a frente com Kyle e o outro Humano. Realmente Kyle é um burro, mal imagina que o outro não é Buscador, e sim humano.

- Calminha! – Wes murmura, não nota que Kyle os chama de Buscador.

- Kyle, me escuta. – Tento falar de vagar, Wes não faz nada contra mim. – Eles não são Buscadores.

Wes e o outro humano continuam sem entender, eles trocam olhares significativos. Kyle também fica com olhar de dúvida.

- Calma todos! – Tento acalmá-los. – Preciso que todos aqui me escutem antes de fazer algum movimento brusco! Ninguém aqui é Buscador ou parasita!

- O que você está falando Ian? – Kyle grita comigo. – Ficou louco?

- Não Kyle, você acha que Wes é nome de parasita?

- Isso não significa nada! – Protesta.

Wes e o outro humano se olham, pelo que vejo, eles descobrem antes que Kyle. Com toda a certeza, eles perceberam que aqui só tem humanos.

- Mostra os olhos para ele Kyle!

- Você está louco Ian? E se eles forem Buscadores vão ter a prova!

Kyle realmente é um burro, quantas vezes ele viu parasitas com nomes de humanos? Só na época do segredo! Eles tem nomes de flores, ursos e macacos... nomes esdrúxulos e sem sentido.

- Calma! – Wes fala atrás de mim e eu me assusto. – Vou mostrar meus olhos para vocês, não sei por que, mas acho que posso confiar em vocês, por mais que possam estar mentindo seus nomes!

Eu abro um sorriso, Kyle continua sem entender. O outro Humano parece sorrir, tem uma cara de pôker, indecifrável.

Wes pega uma lanterna que possivelmente está em seu bolso. Não o vi fazendo isso, mas a face de Kyle mostrou claramente que Wes já tinha mostrado que em seus olhos não havia nada.

- Você é humano! – Kyle diz surpreso.

- Eu não disse? – Falei meio zombando de Kyle. – Agora mostre a eles seus olhos!

Kyle assentiu, ainda assustado com o que ocorreu. Ele pega a lanterna que está em seu bolso e aponta para seus olhos. Nada acontece, há somente azul.

Wes me solta no exato momento que isso acontece, e Kyle também solta o outro humano.

Por um longo tempo ninguém diz nada, todos ficam se entre olhando e percebendo o milagre.

Percebo as feições dos nossos irmãos de espécie. Wes tinha o rosto um pouco moreno, cabelos pretos e espetados para o lado, ele era bem jovem. O outro, que ainda eu não sabia o nome, era mais velho, bem mais velho, tinha uma barba branca e cabelos grisalhos.

Acho que ninguém aqui esperava por isso, encontrar dois humanos ladrões... Bem, no nosso caso, ladrão que rouba ladrão, nem precisa de perdão.

O outro Humano de cabelos grisalhos é o primeiro a se apresentar.

- Por essa eu não esperava. – Ele sorri. – Meu nome é Jeb, e este é Wes.

- Prazer Jeb, prazer Wes. – Sorrio também. – Eu sou Ian, e esse é meu irmão, Kyle.

- É inacreditável encontrar vocês. – Kyle diz ainda pasmado. – Achávamos que estávamos sozinhos...

- Bem longe disso, vivemos em uma resistência com mais quinze pessoas, é a minha casa! – Jeb diz e isso me surpreende.

- Uma resistência? – pergunto de boca aberta.

- Sim, uma caverna, vocês vivem como nômades?

- Sim. – Kyle responde. – Nunca encontramos um esconderijo seguro...

- Pois bem rapazes, minha casa está aberta para vocês!

Eu olho para Kyle, isso seria a melhor coisa que poderia acontecer, ter um lugar para ficar. Não é nada fácil ficar fugindo o tempo todo, seria bem bom.

- Kyle, o que você...

- Estamos dentro! – Ele me interrompe. – Vamos morar com vocês!