Amor à última Vista escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 8
Capítulo 7




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          Raiva era tudo que norteava Siberian naquele momento, naquela missão. Desde as ameaças que claramente haviam vindo do grupo assassino rival, Ken não conseguia parar de se sentir daquele jeito, odiando a tudo e todos pelo que estava acontecendo. Na verdade, o alvo de toda a sua ira era ninguém mais do que ele mesmo, e esse se exteriorizava no jeito que o moreno matava: rápida e eficientemente, executando coreografias mortais com uma perfeição assombrosa, mas derramando muito mais sangue do que era preciso. Inclusive o seu sangue.
          Ken começara a agir de um jeito que quase beirava o suicida, inconformado com a sua falta de cuidado e também com Schuldig, que o havia usado tão descaradamente. Na verdade, desde que aquele estranho relacionamento havia começado entre eles, nem ele nem o alemão haviam combinado um cessar-fogo ou qualquer tipo de trégua, portanto aquela raiva toda não tinha muita razão de ser.
          Mas isso não impedia Ken de senti-la mesmo assim.
          Estraçalhando mais um dos guardas que se colocaram na sua frente naquele prédio, o assassino parou por um momento, arqueando-se para a frente e ofegando. De repente, a sensação tão familiar de estar sendo assistido voltou, uma que ele não experimentava há algum tempo. Virando-se repentinamente, ele divisou Schuldig parado, a poucos metros dele. A expressão no rosto do assassino mais velho era séria.
          - Crawford organizou as mensagens.
          - O quê? - Siberian rebateu, ainda meio atordoado pela súbita presença do alemão ali. Fazia mais de uma semana desde que haviam se visto pessoalmente pela última vez.
          - Crawford orquestrou tudo. - o outro repetiu - Não tive qualquer envolvimento. Mas talvez goste de saber que ele e o resto estão preparando uma ofensiva contra vocês. Da próxima vez que nos encontramos, um dos grupos vai perder, Ken.
          - Vocês.
          Schuldig se permitiu um sorriso:
          - Veremos.
          - Sim, veremos.
          Ken deu as costas para o alemão, sentindo-se com ainda mais raiva, mas também com uma estranha tristeza dentro dele. Aquilo simbolizava o fim da relação deles, e a perspectiva de terminar com tudo que havia se construído daquele jeito peculiar até então não o agradava.
          - A mim também não, Kätzchen.
          - Schuldig?
          De repente, o assassino mais velho estava do seu lado, observando-o de um jeito tão diferente que Ken nem se lembrava de ter visto antes. Era quase como se houvesse ternura nos olhos sempre ácidos do alemão, quase como se ele fosse sentir falta de tudo. De verdade. Quase como se ele não estivesse mentindo sobre não ter participado das ameaças...
          - E não participei.
          Os dois assassinos se beijaram novamente, Ken sujando a roupa do alemão com o sangue que impregnava sua camisa, calça e casaco. Quando se separaram, o mais novo dos dois homens ali presentes tinha a certeza de que Schuldig não mentira.
          - Eu acredito.
          Ouvindo barulho no comunicador perto da sua orelha, o moreno apenas beijou o outro homem mais uma vez rapidamente, disparando na direção para onde era requisitado. Ele não gostou nada do pressentimento ruim que estava se formando e se alojando dentro do seu coração a respeito de tudo.

          - Ken?
          Silêncio.
          - Ken-kun?
          Ainda sem resposta com os seus chamados e batidas na porta, Omi adentrou o quarto do seu colega, completamente escuro àquela hora da noite. Nenhum barulho vinha do banheiro, embora a porta estivesse fechada. Preocupado, o mais jovem dos Weiß caminhou pé ante pé até a porta do banheiro da suíte de Ken, rezando para que seu colega não estivesse fazendo nada estúpido. Já fazia alguns dias que Omi notara uma mudança brusca no seu colega, e estava honestamente preocupado com ele.
          Quando Omi ergueu a mão para bater na porta mais uma vez, foi surpreendido pela mesma abrindo, o moreno com uma toalha jogada no pescoço parado do outro lado da porta, quase trombando na figura menor do hacker. Equilibrando-se a tempo, o ex-jogador de futebol exclamou sua surpresa baixinho:
          - Hey, Omi. Posso ajudar?
          - Hai, Ken-kun. Eu queria conversar um pouco, podemos?
          Erguendo uma sobrancelha e logo depois descendo a mesma, o mais velho dos dois homens presentes concordou. Silenciosamente, a dupla se dirigiu para a cama ligeiramente mal-arrumada de Ken, sentando ali. Os olhos azuis do loirinho se demoraram na janela e no escuro céu noturno antes de se grudarem nas turquesas do amigo.
          - Ken-kun, eu ando preocupado com você. Está tudo bem?
          - Está.
          Omi não engoliu a resposta de Ken; sua pergunta havia sido respondida muito prontamente, o corpo do outro homem havia se tensionado ligeiramente quando o questionamento fora lançado. Suspirando pesadamente, o menor dos Weiß tentou de novo:
          - Ken-kun, eu sei que tem algo errado. Por que não me diz o que é, simplesmente?
          - Mas, Omi. Não tem nada errado.
          O olhar que Ken recebeu em retorno foi o suficiente para que ele se declarasse derrotado. Omi deveria estar tendo aulas com Aya, porque aquele tipo de coisa até então só surtia efeito quando vinha do espadachim. Ou então sua mente estava realmente muito pesada com a culpa.
          - Está certo... Bom. Eu... Sei o que os envelopes significam.
          - Sabe? - o outro perguntou, curiosidade evidente na sua face em segundos. Omi até se inclinou ligeiramente para a frente ao ouvir isso - Mas como? Kritiker ficou de nos dar retorno, mas até agora não consegui nada com eles e...
          - Não foi com a Kritiker.
          O outro se calou.
          - Não?
          - Não. Foi com outra pessoa.
          - Mas, Ken-kun... - Omi começou, olhando para a escrivaninha onde o envelope de Ken fora depositado dias antes - Se não é ninguém da Kritiker e você não contou para ninguém dos envelopes, isso... Não.
          Um curto silêncio se deu entre eles enquanto a mente do jovem hacker entendia tudo que havia acontecido. Piscando, Omi se voltou para Ken:
          - Diga que não é o que eu estou pensando, Ken-kun.
          Uma risada baixa, amarga se seguiu. Ela combinava tanto com Ken quanto chuva em dia de passeios ao ar livre, o que espantou definitivamente o já surpreso Omi.
          - Isso mesmo que você deve estar pensando, Omi. E olha que eu nem leio sua mente.
          Mais um pouco da estranha risada se seguiu até o mais novo dos Weiß manifestar alguma reação, ainda atordoado com as novidades. Inclinando-se agora para trás, como se tivesse um medo instintivo de Ken, ele balançou a cabeça negativamente:
          - Como, Ken? Como você encontrou Schuldig?
          - Honestamente, Omi, isso não é mais importante. Nós vamos ser atacados. O próximo embate entre nós e eles vai ser mortal. Alguém vai morrer. - Ken olhou sério para o homem ao seu lado - Não temos escolha. Resta apenas lutar.
          O mais novo dos dois se levantou da cama, ainda sem saber o que fazer direito. Suspirando pesadamente, ele entrelaçou os dedos da mão, falando com surpreendente calma depois de revelações tão surpreendentes:
          - Ken-kun, eu poderia tê-lo denunciado para a Kritiker; esse tipo de comportamento coloca toda uma equipe em risco, mas eu não tenho coragem de fazer isso com você. E também parece que você tirou uma informação valiosa no fim das contas, embora eu não ache que contato com ninguém do Schwarz seja algo seguro ou vantajoso...
          O moreno controlou-se para não sorrir sarcasticamente.
          - Eu vou avisar os outros como se tudo isso fosse uma interpretação das ameaças da Kritiker, mas por favor, Ken-kun. Você, acima de todas as outras pessoas: tome cuidado.
          - Hai, Omi. Pode deixar.
          Um sorriso tímido porém sincero iluminou o rosto do pequeno hacker antes que ele se retirasse do quarto. Quando Ken se viu sozinho dentro do mesmo, ele deixou seu corpo cair para trás, deitando-se de qualquer jeito na cama e fitando o teto.
          Imagens de Schuldig voltavam à sua mente toda hora, por mais que ele não as desejasse. Tudo que restava para ele agora eram aquelas memórias, no fim das contas. E esperar pela hora do confronto derradeiro.

          Ken tirava espinhos de rosas quando Manx entrou no Koneko, um olhar mais sério que o de costume paralisando seus movimentos. Mecanicamente, o ex-jogador de futebol largou o que estava fazendo e seguiu com os outros para a sala das missões, não sem antes certificarem-se de que a floricultura estava fechada direito.
          Tudo, a partir do momento que a secretária ruiva da Kritiker colocou a fita sobre a próxima missão, passando pelos dias que antecederam a ação e a chegada ao local onde teriam de sabotar planos de uma empresa que trabalhava com energia nuclear, foi como um borrão aos olhos de Ken. O tempo tinha corrido tanto que era quase como se agora ele estivesse cansado, cada segundo se arrastando e demorando mais e mais para passar. Parado no seu posto, o moreno checou as lâminas das suas garras, pouco vermelhas. Ele ainda não tinha tido muito trabalho ali dentro, e aguardava as orientações do cérebro do time naquela operação: Bombay.
          No entanto, seus olhos se arregalaram quando uma inconfundível massa de cabelo laranja apareceu no fundo do corredor. Ken jamais soube como Schuldig chegou ali, mas era certo que não se movimentava em velocidade normal. Uma onde de alívio preencheu o corpo do assassino ao ver que o telepata estava são e salvo, e foi rapidamente ao encontro do outro.
          Os dois se beijaram intensamente, o corpo de Ken rapidamente pressionado e preso contra uma das paredes. De repente, o par se separou, ouvindo barulho no andar de cima. Schuldig fechou os olhos, e parecia se concentrar em alguma coisa; talvez algo que envolvesse telepatia, Ken não tinha certeza. Quando ele reabriu os olhos, o moreno sentiu que teria caído para trás tamanha a força das emoções que ele viu ali.
          Sem aviso, Ken foi jogado para o chão, enquanto três guardas desciam por uma escada que ele nem havia notado quando correu de encontro ao outro homem, escapando por muito pouco dos primeiros tiros. O alemão lidou com os dois primeiros guardas que haviam aparecido tão abruptamente, os olhos azuis de Ken acompanhando tudo e tentando encontrar o último que faltava ser eliminado.
          Ele ouviu uma arma sendo engatilhada, e se voltou na direção do barulho em questão de segundos, feliz por seus sentidos estarem cooperando. No entanto, quando ele percebeu quem estava na mira de tiro, sua voz sumiu, seus olhos se arregalaram e seu corpo congelou, e tudo passou a acontecer como se fosse um filme do qual ele não pudesse participar nem mudar o enredo.

          O silêncio que se seguiu ao disparo foi ensurdecedor.
          Na cabeça de Ken, o silêncio se convertia em um longo e ininterrupto silvo, agudo e que incomodava-o ao ponto de tentar bater com o seu crânio contra uma parede ou algo do gênero, se isso fizesse aquela sensação estranha passar.
          Momentos depois, o assassino percebeu por que aquilo era tão desconfortável, tão ruim: era o barulho que as máquinas de um hospital faziam quando o paciente morria.
          Sem pestanejar, o moreno se levantou do chão e se lançou com violência contra o guarda que havia acabado de disparar a arma, rasgando-lhe o peito da altura do pescoço até a cintura com um único movimento.
          O outro homem caiu ao chão, morto. A sua arma se desprendeu da sua mão e saiu rodando pelo piso mal encerado, parando aos pés de Ken. Um sorriso sinistro tomou conta do bonito rosto do ex-jogador de futebol, que se abaixou e tomou o revólver na sua mão direita, retraindo as afiadas lâminas da suas luvas.
          Ken caminhou de volta até onde ele estava, caindo de joelhos ao lado do corpo ferido a bala poucos segundos antes. Olhos azuis pareciam ligeiramente desfocados, mas ainda estavam lúcidos; o moreno sabia que a outra pessoa ainda vivia, embora na sua cabeça, o alarme que indicava que ela havia morrido já estava soando há muito.
          Ele ergueu devagar a arma do guarda, e viu o outro homem tentar esboçar um sorriso, não completando a tarefa em função da tosse que se seguiu. No entanto, ele tentou de novo e foi bem sucedido, conseguindo um reflexo dele no rosto de Ken.
          Mas não era a mesma coisa; o moreno sabia que a sua versão do sorriso estava carregada de tristeza, dor e sofrimento por antecipação. O mesmo não acontecia no rosto sereno do outro homem.
          O ex-jogador de futebol fez menção de levantar a arma e apontá-la contra a própria cabeça, mas um aviso claro e enérgico brilhou nos olhos azuis da figura estendida. Ken rapidamente jogou a arma para longe, concedendo ao homem caído um último desejo.
          O silvo continuava na sua cabeça, mais alto que tudo, superando o barulho que vinha do seu comunicador, um misto de estática com alguns diálogos cortados pela mesma. Em uma ação que nem ele entendeu direito, Ken desceu a cabeça e pressionou seus lábios contra os do outro homem, as duas bocas se abrindo num gesto automático, reagindo à presença uma da outra com sincronia perfeita.
          Aquela era uma dança que havia sido praticada até a exaustão pelos dois. Ken sentia o sangue, sentia o cansaço do outro homem na sua boca; acima de tudo, sentia algo dentro de si, que misturado ao longo silvo que não parava, começava a feri-lo e machucá-lo de um jeito que ele não imaginava possível.
          De repente, o beijo foi quebrado. Os dois homens se separaram, os lábios do assassino moreno manchados de vermelho. Manchados com o sangue daquele que estava partindo aos poucos e escapando das suas mãos, sem que ele pudesse fechar os dedos para impedir aquela fuga.
          - Alles... Schwarz. [1]
          Um último lampejo de consciência passou pelos olhos azuis-claro antes deles se focarem no teto, encarando o que havia em cima de ambos para sempre. Mordendo o lábio inferior, Ken sentiu seus olhos queimarem; lágrimas logo cairiam dos seus olhos para aliviar aquela sensação.
          - E quando é que foi diferente?
           A voz de Ken soou fraca, baixa, mas não havia necessidade alguma de ser ouvido.
          O silvo havia parado.


          Schuldig havia morrido naquele dia, depois de salvar sua própria vida. Andando sem rumo pela cidade na mesma noite em que tudo se desenrolara, o moreno tentava entender o que tinha acontecido. Por que o telepata não havia conseguido escapar.
          A morte do alemão fora a única da noite. Aquilo significava que Schuldig havia dado um alarme falso sobre um confronto final entre as equipes? Ken acreditava que o telepata não tinha participado da confecção das ameaças em forma de envelopes, e talvez, aquilo significasse que Schuldig havia sido traído.
          Traído.
          Talvez se ele não tivesse corrido aquela hora no prédio, interrompendo Schuldig, na disso teria acontecido. Talvez se ele jamais tivesse cedido às investidas do homem de cabelos laranja, isso também não teria acontecido. Talvez se ele tivesse realmente matado o alemão quando teve oportunidade, ele não estaria se sentindo tão miserável como agora.
          Sem perceber, Ken estava de volta ao parque onde, numa longínqua manhã, encontrara o telepata durante seus exercícios matinais. Apoiando-se no mesmo lugar onde o outro homem havia se apoiado para irritá-lo então, era como se o moreno conseguisse reviver cada momento que havia passado ao lado do outro, o que só aumentava a incrível tristeza e angústia que tinha no seu peito. Era um aperto enorme, terrível; uma sensação de perda de algo que ele nunca teve na realidade, e agora desejava ter lutado por um final diferente com todas as suas forças.
          De repente, Hidaka Ken percebeu o que tinha acontecido com seu coração: ele havia se apaixonado por Schuldig, em um verdadeiro caso de amor à última vista.
          A relação estranhamente construída por ambos tinha sido o motor de propulsão da sua vida em dias já passados, e agora à sua frente descortinava-se algo negro, incerto e desconhecido. Ele simplesmente não sabia como prosseguir, e a realização de que ele tinha percebido o amor somente após perder para sempre quem amava era cruel. O amor estivera implícito nos seus gestos quando ele pretendeu se suicidar; estivera nos de Schuldig quando ele proibiu essa resolução.
          Só agora racionalmente interpretando seu coração, Ken começou a chorar, praticamente sem fazer ruído algum no parque, naquela hora da noite. Como uma criança com medo do escuro, o moreno não sabia como continuar em meio as trevas densas que haviam surgido na sua frente, e agora, ele não contava com a ajuda de Schuldig para atravessá-las.
          No fim, as últimas palavras de Schuldig haviam sido verdadeiras. Tudo era preto, e Ken tinha certeza de que a luz jamais voltaria a incidir sobre sua vida novamente.


[1] Tudo é... Preto.

FIM

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Notas finais do capítulo

Muito obrigada a todos que leram e/ou comentaram aqui! Espero que tenham gostado sinceramente da história.

Obrigada pela atenção, Mari-chan.



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