Ela? Ela só precisava olhar pra ele. Ela só precisava que ele entrasse no trem das oito, e que se sentasse sempre no mesmo acento. Não, ela não precisava de nada... Ela não precisava nem de que ele olhasse para ela. Ela não precisava de que aqueles olhos dourados se disprendessem da janela, muito menos de que ele parasse de admirar a linda viajem do trem turístico todo sábado. Ela só queria que ele ficasse ali, e que ninguém sentasse em sua frente, impedindo a visão da garota.

Ela só precisava de uma única pessoa desse mundo... Ela não precisava que ele fosse sempre pontual, e não se importava se ele faltasse uam ou duas vezes. Ela só precisava saber que ele viria na semana seguinte, e que se sentaria na segunda cadeira da oitava fileira. Ah, também não exigia que ele estivesse vestido bem. Ele vestia-se bem em todas as ocasiões, mas ela não precisava disso. Ela queria ele lá, sem faltar nenhum pedaço, e seria o suficiente. Queria ele ali, olhando pra qualquer lugar e fazendo o que quisesse.

Um passarinho livre, é muito mais encantador que um preso em uma gaiola, chorando triste...

Um passarinho livre, é feliz...

Ele era um passarinho livre... 

E ela era uma dona escrava. Como um fotógrafo que corre e se machuca entre as árvores para achar aquele lindo pássaro feliz, único em toda a sua liberdade. Crona nunca quis ser livre - ela nunca viu muita diferença... Mas ela sempre quis ser uma fotógrafa com uma boa memória. Sua câmera eram seus olhos, que queimavam em sua memória todos os segundos e todos os movimentos do menino desconhecido que sempre traçava o mesmo trajeto. Ele, era um garoto importante.

Um garoto que devia ser cercado de pessoas interesseiras, e, consequentemente, desconfiado e esperto. Crona nunca poderia ter chance nenhuma com ele... Ela era patética. Nunca saiu da entrada daquele trem. Ele nunca falava com ela... Nunca além do semanal e melódico 'Bom-dia'.

– Bom-dia.

Seu coração pulou ao vê-lo chegar, e hoje, ela exibiu um sorriso bobo. Ela nunca exibia sorrisos bobos, pois Medusa poderia ver, mas Medusa não estava ali hoje. Poderia ser ela mesma sem se preocupar...

O garoto se surpreendeu pelo sorriso, e logo deu a entrada. Um sorriso contagiou ele também, o qual foi educado em puxar assunto, pois o vagão estava vazio além dos dois.

– Vejo que deve estar feliz hoje... Te vejo todo o Sábado, aqui... Seu nome?

Crona demorou tempo demais pra responder. Estava ocupada mantendo sua cara de choque.

Ele nunca havia falado realmente com ela...

– E-E-Eh, s-s-sim... Crona.

– Hum, certo. Sou Death The Kid, prazer.

– E-Eu sei...

Murmurou baixinho, mas ele pôde ouvir.

– Sabe? Ah, sim... não deve ser difícil me reconhecer...

Ele riu, apontando as listras que deixavam a garota tão curiosa, no topo de sua cabeça.

– N-Na verdade... Hum, nada.

– Certo. Vou me sentar. Até mais, Crona! Espero falar com você novamente.

Eles não se falaram novamente. Nunca mais. Semana que vem, ele não veio. Na próxima, também não. Ele nunca mais veio. Crona nunca mais pôde ouvir sua voz mais, e nunca mais pôde vê-lo com os olhos brilhando, feliz, por estar na oitava fileira, fileira tão simétrica. Ele não parecia mais ser um pássaro livre... Parecia que toda a sua razão de viver se foi. Depois de nunca mais ver Kid, Crona nunca mais quis ver nada...

Os outros pássaros não tinham cores se o seu favorito havia sido enjaiolado por um caçador.