Parte 2 - Sentimentos

“Se apaixonar é a sensação mais doce e prazerosa que existe, só há amor, distração e devaneio.”

Fiquei apoiada pelos meus cotovelos sob a carteira, enquanto olhava fixamente para a janela do lado de fora, nem fazia ideia do que a professora de literatura estava dizendo. Minha cabeça estava ocupada com um outro pensamento. Era meio difícil de acreditar que aquele garoto que falou comigo era o mesmo Li Syaoran de dois anos atrás. Ele parecia altivo e muito maduro, talvez ainda um pouco convencido, mas não como aquele moleque do ginásio, ao contrário, havia sido muito cortês comigo.

- Fico feliz em saber que ainda lembra de mim!

- Quando foi que você voltou?- - eu perguntei ainda surpresa.

- Sábado. Fiquei dormindo durante o domingo inteiro. Foi uma viagem cansativa.

- Imagino – eu falei enquanto nós dois caminhávamos, aí pude repará-lo de perto, os cabelos continuavam os mesmos, porem o rosto estava sem aquele ar de menino infante, as sobrancelhas eram cheias, e fisicamente ele parecia mais forte. Em poucas palavras, a puberdade havia sido bem generosa com ele, porque comigo, não foi bem assim.

- Como é a Inglaterra? – eu perguntei novamente.

- É muito bonita, conheci Londres – ele olhou para o horizonte – é cinzenta, tem belos jardins e aquelas casas em estilo vitoriano. O colégio então, era enorme!

- Fez muitos amigos?

- Sim. Cheguei até a ter uma namorada.

- Namorada? – eu indaguei surpresa, não sei o porquê, mas internamente aquilo me pareceu estranho.

- É, a gente namorou por quase um ano, se vocês se conhecessem, se dariam muito bem. Madison era uma garota muito legal e doce – ele falava dela de um jeito que eu nunca havia visto antes. Li-kun parecia outro garoto.

- Ela me ensinou varias coisas – ele disse olhando para mim – mas agora, somos apenas bons amigos. E você Sakura-chan, como tem passado?

- Bem. Eu ganhei dois torneios escolares nos cem metros rasos, consegui melhorar em matemática e minha família vai indo bem.

- Cem metros rasos, que legal. Sempre imaginei que cedo ou tarde você seria uma ótima corredora.

- Mesmo? 

- Claro – ele falou – lembra de quando corria atrás de mim? Você era super rápida.

- Hum, parece que já chegamos.

E nós dois paramos na frente da entrada do colégio Tsubasa.

- Não sei se estamos na mesma sala – ele falou tirando um papel de dentro da mochila – Eu sou do 2º ano A. E você?

- 2 ano B.

- Parece que desta vez eu não vou estar por perto – ele falou divertido – de qualquer forma a gente se vê. Ate mais! Preciso ir até a secretaria.

- Até – eu disse enquanto o via seguir para dentro do prédio da escola.        

E de repente me perguntei o porquê de estar pensando nele, talvez porque haviam se passado dois anos desde que ele fora para a Europa. Talvez seja por isso. 

-

Que aula chata, ainda bem que eu já conheço o assunto. Aquela aula estava entediante e mórbida, pelo menos não até a parte em que eu era apresentado para a turma.

- Este é Li Syaoran. Estará conosco a partir de agora, ele voltou da Inglaterra – o professor disse, e enquanto ele falava alguns burburinhos iam surgindo pela sala.

- Você pode se sentar ali atrás da Harada-san – ele apontou para a carteira atrás de uma garota que olhava para mim com um meio sorriso. 

Eu caminhei pela sala, observando cada rosto, alguns conhecidos, de colegas que deveriam me odiar profundamente por eu ter me tornado o ichiban* dos resultados escolares de anos atrás. Ri internamente, afinal eu havia voltado para continuar o que eu mais sabia fazer de melhor: infernizar os outros.   

Sentei na cadeira e ignorei os olhares dos caros invejosos rancorosos. “Puxa, quanto ressentimento” arrumei minhas coisas e me acomodei melhor na carteira.

- Olá – disse uma voz feminina por trás de mim – sou Harada Aya.

Eu olhei para atrás e me deparei com uma bela garota de olhos escuros e um cabelo preto que ia na altura dos seios. 

 - Li Syaoran. Prazer em conhecê-la Harada-san.

- O prazer é todo meu, gostaria que aceitasse em meu nome as boas vindas da turma.

- Seu nome?

- É que eu sou a representante de classe – ela disse rindo um pouco rosada.

- Ah ta. Que ótimo.

Dei uma breve olhada de esguelha para Harada-san, ela parecia bem atenta à  explicação do professor, ela era exatamente o oposto de mim. Enquanto eu fazia o papel do gênio preguiçoso, ela era a aspirante aquele tipo de pessoa que acha que deve fazer alguma coisa em favor da humanidade. 

Com o passar do tempo, finalmente havia chegado o intervalo, como de costume, eu fui almoçar perto da frondosa arvore cuja era a qual da época de antes. Sentei lá e sozinho. 

- 

Estávamos caminhando até o jardim da escola, eu e minha amiga Mineko-chan.

- Ai! Ele falou comigo – eu me referia ao momento de três minutos atrás em que eu havia trombado com o Daisuke-sempai – e ainda me ajudou com o obento!

- Olha Sakura, eu gosto muito de você... mas quando você fica besta assim, não sabe o quanto me irrita – ela resmungou enquanto abria o seu obento.  

- Itadakimassu! – agradeci pela comida e comecei a comer minha refeição.

- Ta – ela falou enquanto comia – o que você queria me contar?

- Bem. – eu falei dando uma pausa na comida – sabe quem foi que voltou? – ela negou com a cabeça – Pois bem, foi o Li-kun.

- Li-kun? Serio? E agora? Como ele ta?

- Ele cresceu bastante, e está muito diferente. Nós encontramos durante o percurso para escola. Acho que a viagem de estudos para Inglaterra deu uma boa rebobinada na cabeça dele.

- Como assim?

- Tipo, quando ele me viu, a princípio imaginei que ele evitaria falar comigo ou que seria daquele “jeito” dele sabe? Mas, ele se portou com um rapaz muito cortês.

- Puxa! E com relação à aparência?

- Bem, podemos dizer que para um CDF, ele ficou apresentável.

- Você quer dizer bonito?

- É, eu diria que sim.

- Mais bonito que o Daisuke-sempai?

- Mineko-chan! – meu rosto corou de tanta vergonha, tanto que ao mesmo tempo uma sombra passava do outro lado, Li-kun.

Logo Mineko-chan olhou para ele com uma expressão admirada.

- Aquele é o Li-kun! Por Kami! Como ele ficou kawai.

- Nem é pra tanto Mineko-chan!

E ela continuou a me atazanar com aquela ideia absurda, ao mesmo tempo em que, eu e ela observávamos o Li-kun indo lanchar na arvore ao lado, ao nos notar  ele apenas acenou e sorriu. 

Depois do intervalo seguiram-se as aulas, na hora da saída eu me despedi da Mineko, mas antes que eu pudesse ir embora, acabei me lembrando que havia esquecido de devolver um livro que havia pegado emprestado na biblioteca. Dei meia volta e caminhei a passos largos, enquanto olhava para dentro da bolsa procurando o tal livro que eu tinha para devolver. Desatenta, acabei por trombar em algo, ou melhor, em alguém.

- Gome ne – eu falei um pouco desajeitada.

- Você está bem?

Quando eu olhei para frente senti minhas duas bochechas se esquentarem ao ver que era o Daisuke-sempai.

- Sempai... sim...

- Ah, mas é a menina do obento – ele sorriu de tal maneira que tive que fazer um esforço hercúleo para não tremer os joelhos – pode deixar que eu a ajudo.

- Obrigada! Mas não precisa.

- Eu insisto – ele me enviou o seu sorriso mais charmoso.

- Então ta.

Ele me acompanhou até a biblioteca, e de lá até o portão da escola.

- Obrigada por me acompanhar – acho que o tom da minha pele ainda não havia voltado ao normal.

- Não tem de quê. Mas, qual é o seu nome mesmo?

- É Kinomoto Sakura.

- Sakura é um lindo nome. Ops! Quero dizer que possui um lindo nome Kinomoto-san.

- Pode me chamar de Sakura, se quiser – eu respondi.

- Ok. Sakura-san, te vejo amanhã.

- Até amanhã.

E eu fiquei olhando enquanto ele ia embora. Ai! Ele havia falado comigo, há quanto tempo eu queria que isso acontecesse, desde que o vi no ano passado. Eu queria de alguma forma que ele me notasse, e finalmente hoje, nós tivemos um contato mais profundo. E ele disse que o meu nome era lindo!

- 

Fim de aula, eu estava saindo da escola quando vi a Sakura conversando com cara, até aí nada demais. No entanto, a forma como ela se comportava é que era completamente estranha, nunca a vi daquele jeito antes. Qualquer um que a visse, veria que ela tinha os quatro pneus mais o estepe completamente caídos pelo sujeito. Hum, e o sujeito,era daqueles típicos Don Juans da vida. Às vezes eu queria entender  por que tantas garotas se deixam levar por esses imbecis de rostinho bonito. Hã? Quê isso Syaoran? Que bicho te mordeu? Nem é da minha conta mesmo. 

Tratei logo de ir embora sem que ela me notasse, o que deu certo, já que ela só tinha olhos pro cara lá. Já no caminho, enquanto pedalava, eu pensava em como ela estava diferente também. Seus olhos eram os mesmos, seus cabelos agora eram compridos nas costas. Continuava magra, mas bonita, do mesmo jeito que eu sempre achei. E mesmo depois desses dois anos longe de Sapporo, eu ainda sinto algo especial por ela. Tal sentimento que pareceu despertar quando eu a vi de novo.

Sinto dizer, que terei de sofrer com isso ainda por algum tempo, mesmo que, como ela disse certa vez, mesmo que eu seja o ultimo homem da face da terra por quem ela se apaixone.