Lie - The Story Of The 8th Sin escrita por Koneko-chan, Yukari Rockbell


Capítulo 1
A vida às vezes é como um jogo.


Notas iniciais do capítulo

ATENÇÃO: ok, é o ÚLTIMO (last, se você não fala português) aviso: essa fanfic é LOTADA de spoilers, só leia se você já assistiu todo o brotherhood ou leu o mangá.

Agora, pra quem está habilitado a ler: espero que se divirta muito, esse capítulo foi o começo de uma enchente de ideias e ideias que não pararam de vir durante semanas! A fanfic está completa no meu computador, então se houver algum atraso, culpem a beta, Jessica, minha senpai (que não tem conta aqui). Ela não gosta de OCs, mas gostou da minha fic, então se você também não gosta, dê uma chance! -q

Beijos, xx
Koneko-chan =^.^=



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Chapter 1 (Ep. 10 - Brotherhood): A vida às vezes é como um jogo.

 

Tédio...

É a palavra que os humanos usam para descrever a sensação de não ter o que fazer. Ou até ter, mas não conseguir arranjar vontade de fazer graças à monotonia que isso trás para dentro de seu ser. E quando se é imortal então - ou quase - o tédio é uma coisa presente constantemente em nossas vidas.

Mas posso chamar o que tenho de vida? Ser um pecado anônimo, alguém desconhecido e sem nenhuma função exata no mundo? A alquimia me explicou que os humanos são necessários para a existência de um ecossistema, mas não me explicou qual a minha função. Qual a função de um homúnculo?

– Uma existência eterna... – eu ouvi as palavras saírem de meus lábios – Uma existência usada para o mal...

Sim, usada para o mal. Eu mesma tinha ouvido as histórias sobre os homúnculos que andavam atormentando a vida das pessoas na Central. Atormentando, não. Tirando. Sim, é o termo mais correto. Ouvi muitas pessoas dizendo que parentes foram mortos por pessoas estranhas com tatuagens de ouroboros. Olhei para baixo, abrindo a jaqueta e observando a minha própria tatuagem de ouroboros no abdômen, acima do umbigo, deslocada levemente para a direita. O símbolo de um humano criado artificialmente. Um homúnculo. Era o que eu era. E isso despertou o interesse deles.

Deles, os homúnculos de quem eu estava falando acima. Os que tiram a vida das pessoas na Central. Por isso que eu vim para a Central, um deles queria se encontrar comigo em nome de todos. E eu já imaginava o que era.

Olhei para o céu. Estava azul e com poucas nuvens, determinando uma imensidão acima de mim. Toda a vez que eu olhava para o céu, me lembrava do ecossistema ao qual eu não pertencia. Não sei... talvez até pertencesse, mas as explicações que eu encontrei para isso em livros não me convenceram da minha importância (ou não) para o universo.

– Com licença, senhorita – ouvi uma voz masculina me abordar.

Virei apenas meu rosto, sentindo os tijolos atrás de mim, ásperos, rasparem em meu coro cabeludo e ergui uma sobrancelha.

– É você? – perguntei.

– Imagino que sim – ele respondeu.

– Wrath?

– Exato, mas prefiro que me chame de King Bradley. É como os humanos me conhecem – resmungou num tom confidencial.

– Bradley. Pois não.

Uma rápida avaliação do homem me fez ter uma noção de que se tratava de um militar. Seu nome até que me era familiar... Ah! É, claro, o Führer! King Bradley! Mas realmente era improvável que eu me lembrasse, não me meto com assuntos que envolvem o comando do país. Surpreendia-me que ele tivesse vindo sozinho.

– Em nosso breve contato por telefone, creio que a senhorita esqueceu-se de dizer-me seu nome. O verdadeiro.

Fiz uma careta. Eu odiava deixar que os outros soubessem do meu nome. Odiava que qualquer um soubesse qualquer coisa sobre mim. Era perigoso, principalmente para mim. Sou uma pessoa que ao longo da existência conseguiu muitos inimigos graças a problemas simples.

– Lie – murmurei.

– Lie? – um breve sorriso esboçou-se embaixo de seu bigode escuro. – Significa mentira, se meus conhecimentos não estiverem ultrapassados.

– Assim como wrath significa ira – franzi o cenho – Quantos vocês são?

– Alguns. Agora vamos direto ao assunto, afinal, creio ter-lhe explicado nossas intenções e condições.

– Sim, você me explicou todos os “ões” e “aos”... – respondi. – Mas há algo que me intriga...

– O que é?

– Para que querem minha ajuda?

– Quanto mais aliados tivermos melhor. E sendo você quem é – ele me lançou um olhar indicando a palavra "homúnculo". – Seria de grande colaboração.

– Correr risco de morte para acabar com meu tédio e ajudar desconhecidos cujos nomes representam os sete pecados... É. Pode até ser. Não tenho mais o que fazer mesmo.

– Sinto uma ponta de ironia em sua voz.

– Exatamente. Porque é irônico. Se eu não me chamasse mentira, com certeza me chamaria ironia.

Ele hesitou por um minuto.

– Precisarei que dê sua palavra. Não podemos confiar em possíveis traidores. E no que diz respeito a traições, creio que você já cometeu muitas, não é mesmo?

– De fato, mentiras, lorotas, traições... Minhas maiores especialidades. Sou uma ilusionista fantástica – eu soltei uma risada e lhe mandei uma piscadela. – Consigo desaparecer diante dos seus olhos se for preciso.

Ele pareceu interessado. Então caiu na minha armadilha.

– Poderia me dar uma demonstração?

Eu sorri maliciosamente.

– Pois bem. A arte do ilusionismo tem três etapas – desencostei-me da parede. – A primeira, distrair.

– A segunda, agir – disse uma cópia idêntica a mim ao lado dele.

Wrath sobressaltou-se por um minuto. Ou pelo menos pareceu sobressaltar-se. Seu olhar deslizou um pouco para o lado da minha cópia. Imaginei que esse fosse o máximo que eu pudesse fazer com relação a ele, até porque era apenas uma demonstração.

– E a terceira, atacar – disse outra cópia minha do lado oposto a primeira que eu havia criado. Esta apontava uma adaga para o pescoço de Wrath.

Ele pareceu notar, mas não se preocupar. Eu estreitei os olhos, pronta para pegar qualquer movimento que ele fizesse.

– É só isso?

Eu ri.

– É só o começo de uma enchente de pequenos truques. Se eu quiser posso bem colocar uma cópia minha atrás de você já com uma espada atravessada em seu corpo. Foi apenas uma demonstração.

Eu estalei os dedos e as cópias sumiram, deixando para trás a habitual fumacinha preta.

– Parece promissor. E falando em promessas... – ele me olhou sugestivamente.

Eu sorri amigavelmente.

– Sabe que mesmo que eu prometa posso descumprir não é? Você nunca saberá quando eu falo a verdade.

– Posso correr o risco. E só de vir aqui você própria já está correndo um risco.

Eu baixei o olhar, achando toda aquela situação muito engraçada. Ele me convidara para vir à Central e já estava me ameaçando.

– Afinal, o homem mais importante do país poderia espalhar fotos minhas por todo o lugar com a legenda de procurada. Sei que seus soldados também não são nada gentis, não que tenha medo deles.

– Devia.

Eu fiz um biquinho desafiador.

– Tudo bem, eu prometo – soltei um sorriso sacana. – Mas também me prometa diversão.

– Farei o que puder. Não sou eu o chefe.

Isso me surpreendeu. Levantei uma sobrancelha.

– Não? E quem é?

– O Pai.

– Hã, obrigada, bastante esclarecedor. Traduzindo...?

– Ele. Simplesmente o Pai.

Eu suspirei.

– Vou precisar descobrir por mim mesma – sussurrei. – Enfim – disse em uma voz mais alta. – E agora?

– Vou levá-la até onde os outros estão.

Eu assenti.

Caminhamos por um tempo na rua vazia – é, ela estava sim vazia, eu não seria burra de praticar meu ilusionismo na frente de humanos tolos sem motivo – e Wrath me levou até um carro. Levantei uma sobrancelha, mas entrei no banco de trás com ele. Outra coisa que eu odeio é entrar em veículos. Eles são claustrofóbicos, não tem uma válvula de escape rápido e são uma ótima maneira de seqüestrar alguém sem que esse alguém perceba que está sendo seqüestrado. O leitor deve estar pensando que sou paranoica, mas, acredite, se você tivesse vivido tanto quanto eu, com certeza entenderia o motivo de eu ser tão precavida.

Depois de alguns minutos, o carro parou e Wrath desceu. Não esperei que ninguém abrisse a porta para mim, sou uma mulher independente (se você me considerar uma mulher). O carro partiu enquanto ficamos mais uns segundos na calçada. Ele caminhou na direção de um beco e abriu uma grade de ferro velha numa parede de tijolos, começando a descer uma escada.

– Onde diabos isso dá? – perguntei.

– Já lhe disse. No lugar onde os outros homúnculos estão.

Agora que ele tinha certeza absoluta de que não éramos ouvidos, falava a palavra-chave, não é?

– Você é mesmo um homúnculo? – perguntei repentinamente.

– Sim, sou.

– Eu não vi o símbolo de ouroboros em você.

Ele parou quando chegamos ao fim da escada e se virou para mim. Eu dei uma rápida olhada ao redor. Um esgoto? Bem, era o que parecia. Acima de nós havia uma grade e vários olhos brilhantes me fitavam dali... Quimeras, imaginei. Haha, fantástico, quimeras eram os cães de guarda dos homúnculos.

– E então? – perguntei, ainda incitando-o a me mostrar o símbolo.

Ele tirou o tapa-olho de cima do olho esquerdo e eu vi o símbolo vermelho de uma cobra mordendo o próprio rabo. Então eu ri. Ele colocou o tapa-olho de volta no lugar.

– Qual a graça?

– Um lugar bem conveniente para esconder, não acha? – apontei para meu abdômen. – A minha não é tão simples, tenho que usar essa capa maldita mesmo no calor para disfarçar.

Ele sorriu.

– Bem, agora não precisa mais disfarçar. Pelo menos não aqui.

– Qual é a das quimeras? – perguntei repentinamente.

– São uma forma de proteger nosso esconderijo de inimigos. Não vão te atacar.

Eu dei uma risada cética.

– Isso se eu não atacá-las.

Ele me lançou um olhar e continuou a andar.

Enquanto caminhávamos, prestei atenção nos olhos hostis das Quimeras acima. Não gostava delas me observando. Odiava olhares sobre mim. Ok, já deu para perceber que eu tenho aquelas coisas que odeio que aconteçam. E nos cinco minutos nos quais eu conheci Wrath essas coisas aconteceram. Mesmo assim eu resolvi seguir com ele. O que podia fazer? Minha vida era um tédio, ver algo que eu odeio acontecer foi quase... reconfortante. Quase.

Depois de não muito andado, avistei uma porta grande e escura. Wrath hesitou por um instante, mas abriu-a, passando primeiro e indicando para que o seguisse de perto. Eu bufei com a ideia, mas o fiz.

– Ora, ora, ora, Wrath. Onde você esteve? – perguntou uma voz feminina ao fundo. Não identifiquei imediatamente de onde veio, apenas a ouvi como se sua fonte estivesse em todo o lugar.

– Olá, Lust. Gluttony. Onde está o Envy?

– Foi cumprir uma tarefa – a voz feminina respondeu.

Eu estreitei meu olhar e comecei a procurar ao redor de onde ela vinha. Identifiquei um ponto mais escuro na sombra. Eu sou a mestra da ilusão, não posso deixar de reparar nesses truques baratos que usam para fingir não estar num lugar.

– Eu sinto... eu sinto... um cheiro novo! – ouvi outra voz. Masculina dessa vez. Era uma voz débil e sua fonte se mostrou tão débil quanto. Um homúnculo grande e gordo, careca e feio, com uma tatuagem de ouroboros na língua que salivava enquanto ele me olhava de cima abaixo. – Wrath! Posso comê-la? Posso? – perguntou.

– Não. Seu apetite será saciado em outro momento – Wrath se virou para mim. – Estes são Gluttony - ele indicou o gordo – E Lust – a sombra. Ele se voltou para os outros. – Esta é Lie.

Eu senti um rosnado escapar pela minha garganta. Meu nome. Odeio quando divulgam meu nome. Argh!

– Ora, seja muito bem vinda, Lie. – Lust disse, saindo das sombras. Era uma mulher de cabelos escuros, feições finas e um vestido vermelho elegante. Suas luvas iam do antebraço até os dedos que mais pareciam garras. Sua tatuagem ficava embaixo do pescoço, bem entre as clavículas. – É um prazer conhecê-la – disse com sua voz melada de hipocrisia.

Ei, eu sou a mentira em pessoa. Consigo identificar de longe quando alguém mente. Não era um prazer me conhecer, eu percebia. Ela tampouco se importava com minha presença.

– Igualmente – murmurei asperamente.

Depois, mantive meu olhar em Gluttony. Ele murmurou um cumprimento que foi afogado pelas ondas de saliva em sua boca e eu repeti o meu. Esse cara sim parecia potencialmente perigoso. Lust era simplesmente problemática, ao que eu podia ver. Seus dedos eram mais compridos, portanto imaginei que ela tivesse uma elasticidade fora do normal. Sobre Gluttony, entretanto, não consegui distinguir nada.

– Seja bem vinda, Lie – disse uma voz masculina e forte em algum lugar. Dessa vez, não consegui distinguir de onde vinha. – Obrigado por se juntar a nós. Eu sou o Pai.

Então, de repente o ambiente se iluminou. Era um homem muito velho, cabelo ebarba brancos com alguns fios escapando sobre sua testa enrugada. Ele não parecia nem humano nem homúnculo, entretanto.

– Prazer – murmurei. Eu não estava me fazendo de comunicativa. Estava apenas avaliando o local e seus moradores. Precisava saber mais sobre eles para decidir se valia à pena ajudar, ou seja, para mim, ainda era um ambiente hostil.

– Bem – disse Wrath – Eu tenho que subir. Sinto que estão precisando de mim por um motivo qualquer.

O vulgo Bradley começou a seguir por um caminho aberto no meio de vários tubos. Não sabia o que se passava por eles, e imaginei que não quisesse saber.

– Ah – disse antes de prosseguir. – Lust, por acaso a tarefa de Envy era...

– Aquela com o tal de Hughes – ela completou.

– Ah, sim. Eu havia me esquecido. Bem, boa noite para vocês.

Os passos de Wrath desapareceram em questão de minutos. A luz que iluminava o Pai se apagou e ele voltou a fazer o que quer que estivesse fazendo. Eu sabia, podia vê-lo se movimentando na sombra.

Lust e Gluttony, entretanto, ficaram onde estavam. Gluttony se sentou e Lust... ela estava me observando. Pude sentir seu olhar sobre mim enquanto eu não tirava os olhos de seu companheiro gordo. Eu me sentei no chão também, sem baixar a guarda, me encostando a um dos canos que saía do chão para levar alguma coisa a algum lugar. Mais alguns minutos em silêncio. Eu não tirava os olhos de Gluttony. Lust não tirava os olhos de mim. E o Pai continuava fazendo o que quer que fosse. Estava tudo tão entediante quanto se eu estivesse em qualquer outro lugar. Resolvi dar uma chance, não é natural meu desistir rapidamente, afinal de contas.

– De onde você é? – perguntou-me Lust repentinamente.

Meu olhar cruzou com o dela e ficamos nos encarando.

– Lugar nenhum. Se você se refere a onde fui criada, em Dubith.

– Quem é seu criador?

– Você faz perguntas demais – repliquei secamente.

Encaramo-nos por mais alguns minutos, e então, Lust sorriu.

– Você é cautelosa.

– Nesse mundo é a única coisa que um homúnculo tem que ser.

– Há quanto tempo existe?

– Mais do que você, imagino.

– Tenho 250 anos.

Eu sorri.

– 270.

– Não é muito mais velha.

– Ainda sim estava certa.

Ela estreitou seus olhos para mim. Eu sorri novamente.

– O que foi? Não gostou de mim? – perguntei, ironicamente.

– Não.

– Então estamos quites.

– Ei, ei, não briguem – disse Gluttony. – Lust, estou com fome.

– Por mim você pode comer a Lie. Mas como nesse caso isso não depende de mim, você vai ficar com fome por enquanto.

Desviei meus olhos para Gluttony. Eu ainda estava receosa com relação a ele. Minha intuição dizia que ele era perigoso e que era bom que eu não o deixasse me engolir.

– Está com medo dele? – Lust me perguntou, com uma risada.

– Não o conheço. Ele parece mais imprevisível que você.

Senti um movimento vindo da direção a ela e pulei para me esquivar, indo parar atrás do cano no qual me apoiava, mas um pouco mais deslocada para a direita. Olhei para o lado e vi um dedo enluvado atravessando o cano. Eu tinha razão em presumir sua elasticidade. Eu me levantei e olhei para ela, levantando uma sobrancelha.

– Eu disse. Previsível.

Ela pareceu ficar com raiva, mas seu dedo diminuiu e voltou para onde devia estar. Eu passei por cima do cano, sentando-me novamente no chão e postando-me a observar Gluttony novamente. Este, por sua vez, falou:

– Lust, por que atacou nossa nova irmã?

– Argh. Não se refira a ela assim, Gluttony. Ela é uma insolente.

– Se você não se chamasse luxúria se chamaria sinceridade – ironizei.

– E você, impertinência.

Dei de ombros com um sorriso presunçoso estampado na face.

– É uma das minhas melhores qualidades...

– Um homúnculo não é feito para ter qualidades – ela rebateu ríspida.

– Bem, eu considero minha existência um indício de personalidade, de modo que eu tenho, sim, qualidades e defeitos. O negócio é que eu os inverto.

Ela riu.

– Você considera sua existência? Você não é nada mais do que um monstro colocado no mundo por algum humano tolo. Deve nos invejar por termos nascido com um propósito melhor que simplesmente existir, graças ao Pai.

Meus olhos se estreitaram. Ela pegara meu ponto fraco, e eu praticamente dera isso a ela. Lie idiota, precisa aprender a falar menos. Eu desviei o olhar de Lust.

– O propósito de cada um ao nascer não depende de quem o cria e sim do ser criado – murmurei.

– E qual o seu?

Eu fiquei quieta. Não havia o que responder. Se eu tentasse rebater acabaria falando algo idiota e me fazendo de tola. Lust pareceu gostar do meu silêncio e também não disse nada por um longo tempo. Até que ouvi passos.

– É, matar o tal do Hughes foi mais divertido do que eu esperava... – uma voz comentou vinda do lugar por onde eu entrei. Era uma voz brincalhona, mas ao mesmo tempo séria. Desgostosa e invejosa, desconfiada e digna de desconfiança. Eu não gostei daquela voz.

– Para você, matar qualquer um é mais divertido do que se espera – Lust disse com um tom de desdém.

Os passos foram ficando cada vez mais próximos até que eu pude ver a figura que chegava. Era uma mulher de cabelos claros e roupas de dona de casa. Eu mesma estranhei, sabendo que a voz de que dela emanava era masculina.

– Veja só – disse a Lust – Me transformei primeiro numa subordinada, mas ele era um homem inteligente e observador! Eu me esquecera de colocar uma pinta embaixo do olho esquerdo... Então me transformei na esposa dele e ele pensou duas vezes antes de me atacar com uma faca. Pense só! Uma faca!

Aos poucos, a mulher de cabelo claro foi se transformando em um homem. Um cara de cabelos compridos e espetados para todos os lados, uma faixa na testa e uma veste que eu só pude tomar por ridícula. Talvez ele gostasse de fingir que era lutador.

– Eu ainda lhe dei uma força. Só não o matei naquela maldita biblioteca porque ele escapou para o corredor e eu não tenho como me disfarçar como você.

– Eu não precisaria da sua ajuda para matá-lo, Lust. – ele soltou uma risada afetada. – Humanos são extremamente burros. É só eu me disfarçar de alguém conhecido. Eles supervalorizam as relações.

Eu fiquei, por um minuto, abestalhada. A habilidade dele ia além do que eu jamais imaginaria. Minha nossa, ele superava a minha habilidade de criar clones simplesmente se transformando em outra pessoa... Comecei a invejá-lo ao extremo. Eu queria aquele poder de ilusão para mim. E então ele me notou.

– E quem é você, huh?

– Parece que você não é tão observador quanto o homem que acabou de matar – murmurei, recostando-me novamente no cano. Meu cérebro, minha parte ambiciosa, começava a moldar uma maneira de conseguir a habilidade dele para mim.

– Creio ter-lhe feito uma pergunta, e é bom responder, ou vou deixar Gluttony te comer. - Gluttony salivou, o que fez meu olhar disparar para ele. Tinha algo nesse homúnculo gordo que me fazia sentir algo diferente. Um alerta. Ele era mais perigoso que os outros ali e eu só não entendia o motivo. Eu olhei pelo canto do olho para o homúnculo que me ameaçava.

– Sou a nova irmã de vocês, se é que posso dizer isso desse modo – murmurei.

Ele levantou uma sobrancelha.

– Ahh, é mesmo? Interessante. Um novo membro na família – ele se virou para Lust – Quando foi que a criaram?

– Não foi o Pai que a criou – ela respondeu. – Ela estava vagabundeando por ai e Wrath a convidou.

– Oh. É mesmo? – ele me olhou com atenção, chegando com o rosto mais perto de mim. – Que pecado você é?

– O oitavo – respondi, sem tirar o olho dele. Esse cara me incomodava. Qual era o nome dele mesmo?

Sua sobrancelha ergueu-se novamente.

– Qual seu nome? – perguntou começando a ficar irritado.

Eu suspirei.

– Odeio dizer meu nome. Sou Lie, e você?

Ele se afastou com um sorriso sacana no rosto.

– Lie? Não sabia que mentir era algo tão ruim assim para originar um homúnculo, já fiz tanto isso! – ele riu e então me olhou intensamente. – Meu nome é Envy, prazer em conhecê-la.

– Não digo o mesmo.

O sorriso desapareceu de seu rosto e ele me fitou por alguns segundos enquanto ouvíamos a risada estridente de Lust.

– Aparentemente a novata não foi com a sua cara também.

– Também? – os olhos de Envy giraram nas órbitas para vê-la.

Eu esbocei um sorriso e fitei meu próprio colo.

– Se você tivesse chegado alguns minutos antes ainda teria me presenciado argumentando com Lust sobre ela ser ou não previsível.

Eu a vi pelo canto do olho enrijecer.

– E concluímos que é melhor a novata ficar de boca fechada antes que eu perca a paciência.

Eu sorri e levantei os olhos para ela.

– Não, acho que concluímos que eu tenho razão.

Ela trincou os dentes.

– Esse lugar vai ficar mais interessante daqui por diante – ouvi Envy resmungar. – Tomara que vocês se matem, assim eu consigo um pouco de paz e tranquilidade.

– Então prometo que o matarei logo em seguida quando acabar com ela – falei, lançando-lhe um olhar afiado. – Assim terá sua paz e tranquilidade, e o melhor de tudo, longe de mim.

Ele me observou por um tempo, e então se sentou próximo a Gluttony, em cima de um cano.

– Não encontro o motivo de você ter se juntado a nós se não quer cooperar.

Levantei uma sobrancelha.

– Esqueceu meu nome?

Todos enrijeceram, até mesmo Gluttony, e me fitaram pesadamente. O clima ficou tenso por um minuto e eu sorri, vendo que conseguira o que queria.

– Ainda não decidi – continuei – Se vou me juntar a vocês.

– Não se esqueça de que estamos em maior número que você, Lie. – disse Envy.

Lhe lancei um sorriso afetado e impulsivamente comecei a rir. Quando consegui parar, o sorriso ainda estava em meu rosto. Eu maneei a cabeça.

– Isso pode ser mudado com muita facilidade.

Nos minutos seguintes, os olhares deles não estavam apenas em mim. Eu espalhei cópias minhas por toda a sala. Mais cópias do que eu usualmente faço. E mais cópias do que a quantidade deles. Todas as cópias tinham sorrisos sacanas como o meu. Todas riam debochadamente dos homúnculos na sala. Não, não riam dos homúnculos. Riam de Envy. Envy, por sua vez, ficou confuso. Seu sorriso se fora e ele agora olhava com hostilidade para mim. Eu estalei os dedos – não é necessário que eu faça isso, mas na minha opinião, isso é estilo – e as cópias sumiram, deixando para trás a fumaça escura que se dissolveu pálida no ar.

– Acho que não vão me querer como inimiga – murmurei.

Envy e Lust se entreolharam. Aparentemente, concordando.

Eu venci. De novo.

 


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