Sete Chaves I - acima dos Céus escrita por apequenaanta


Capítulo 6
Escorregando direto para a tribo canibal


Notas iniciais do capítulo

Duas horas. Foi esse o tempo que eu demorei para transcrever esse capítulo do papel ao computador. Deveria ser tratada como uma deusa depois dessa -nq
Ficou grande. Estupidamente grande e tosco, como sempre.
Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/89478/chapter/6

CAPÍTULO CINCO

Escorregando direto para a tribo canibal

 

Dessa vez, os pesadelos não me incomodaram durante o sono.

 Para ser sincero, foi um sono tranqüilo, apesar de eu acordar a cada 5 em 5 minutos com as picadas dos mosquitos.

 E cara, como isso coçava.

 Meus braços estavam todo salpicado de pontinhos vermelhos que coçavam pra caramba.

 Chutei um pouco de terra na fogueira e observei sonolento, as fracas chamas alaranjadas trepidantes se apagarem lentamente.

 Descansamos ali mesmo a onde Thalia havia sido jogada e agora, se recuperava rapidamente, graças à controlada quantidade de ambrosia que havia tomado. Falando em Thalia, dirigi meu olhar para ela, me certificando se ela estava bem.

 Ela parecia estar melhor. A palidez doentia não predominava mais em sua pele, as rugas de dor que insistiam em ficar em sua testa suavizaram e ela finalmente conseguira dormir tranquilamente. Durando a noite, em quanto dormíamos às vezes ela soltava um ou dois gemidos de dores, preocupando ainda mais Annabeth.

 O sol começara a aparecer timidamente entre as intermináveis dunas, deixando a tonalidade do céu em um misto de roxo com azul e laranja. Uma brisa gostosa soprava entre nós, levando embora os vestígios de sono que nossos corpos insistiam de carregar.

 Peguei minha garrafa de água e tomei os últimos goles de água potável que tínhamos. Agora estávamos completamente sozinhos no deserto sem água e comida.

 Olhei para Nico e o mesmo estava terminando de guardar seu saco de dormir em sua mochila preta. Um pensamente confuso bombardeou minha mente como um canhão.

– Hei Nico – chamei me aproximando dele. Ele entortou o pescoço para me olhar – Como você ira levar nós cinco ao submundo?

– Com uma nova técnica que alguns filhos de Hades já mortos me ensinaram.

– Mas não é perigoso, certo? – perguntei cauteloso. Ele me olhou confuso – Quer dizer, Thalia não pode fazer muitos movimentos bruscos.

 Ele olhou para ela e pareceu se lembrar algo.

– Thalia! – arfou batendo as mãos na testa – Tinha me esquecido completamente dela.

– Eu posso estar machucada, mas não estou incapacitada! – esbravejou uma voz conhecida fina e sonolenta.

 Eu já tinha me virado para começar uma discussão de como ela estava totalmente errada, quando ela se sentou com dificuldade sobre o saco de dormir improvisado que tínhamos feito para não termos que a mexer muito. O manto grosso que a cobria escorregou deixando seu braço machucado amostra, me fazendo esquecer totalmente do que eu iria discutir.

 Annabeth, Nico, Clarisse eu arfamos assustados ao ver o machucado.

 Não havia mais aquele horrendo corte que ia do ombro até sua mão, mas agora uma enorme e grossa cicatriz avermelhada salpicava no lugar, juntamente com a pele seca e enrugada em volta dela, que havia sido queimada por causa do ácido.

 Olhei para meu braço, que havia sido atingido pelo acido, e aquele vermelhão que antes tinha ficado a noite inteira ali, havia desaparecido.

 Annabeth correu até ela e passou a mão sobre seu braço com leveza.

– Que coisa estranha – murmurou atônica – Dói? – perguntou apertando levemente a cicatriz.

 Thalia contraiu os lábios de dor por poucos seguidos e logo voltou ao normal.

– Não, nem um pouco – mentiu.

 Annabeth rolou os olhos.

– Então dói.

 Thalia bufou alto e endireitou o corpo, tentando mostrar que estava ótima.

– Já disse que... – ela olhou para Annabeth que lhe lançava um olhar frio e mudou o rumo da fala –... Não dói tanto assim.

 Nico soltou um suspiro alto e agarrou sua mochila.

– Não tem problema, sei como viajar com ela. Vocês vão do outro jeito. – ele tirou uma garrafa cheia até o bico de uma substancia estranha de dentro a sua mochila e o fez um circulo em volta de si com o liquido – Se afastem.

 Ajudei Thalia a se levantar, passando seu braço sobre o meu ombro e fizemos exatamente aquilo que Nico pediu.

 Então ele bateu as palmas da mão com força, como se tivesse rezando e fechou os olhos. Uma cantiga sombria e estranhamente familiar, que parecia tão antiga quanto o mundo, saia dos seus lábios, porém eles não se mexiam. Seus olhos estavam fechados de maneira calma e suave. Um calafrio se passou pelo meu corpo.

 De repente, tudo aconteceu tão rápido que eu não tinha muita certeza se foi real.

 Ele abriu os olhos por uma fração de segundos. Seus olhos – antes que sempre exalavam inocência ao mesmo tempo em que exalavam maturidade – se tornaram completamente negros. Uma súbita onda de terror invadiu o meu corpo ao olhá-los. Então, na mesma velocidade que se abriu, se fechou.

 Olhei para os outros, procurando em seus rostos o mesmo assombro que o meu, mas nada achei. Conclui que estava ficando louco ou estava muito cansado para ver as coisas direito. O que não seria mentira, pois eu tinha dormido mal para caramba.

 Aliás, qualquer pessoa teria dormido mal se soubesse que ao fechar os olhos, seu sonho poderia ser pior que qualquer monstro que enfrentou. E olha que eu já enfrentei vários.

 Dirigi meu olhar com mais uma vez para o Nico, hesitante. Sua expressão não estava mais tão suave. Seus olhos estavam apertados, seus lábios contraídos e seus ombros erguidos. Os tendões dos seus braços e mãos saltados para fora, mostrando a enorme força que ele exercia sobre si.

 Então a cantiga parou.

 Ele abriu os olhos e eles estavam normais, como sempre foram. Relaxou os músculos e saltou para fora do circulo.

 De começo, nada aconteceu. Então o liquido que ele havia jogado na terra secou em uma rapidez absurda e tudo começou a tremer. Segurei Thalia pela cintura para dá-la mais equilíbrio. O circulo na terra que ele havia feito com duvidosa substancia liquida da garrafa começou a se desfazer aos poucos, formando um enorme e estreito fosso, que do ângulo que eu podia o ver, parecia não ter fim.

 Ele se arrastou até a borda do fosso e o analisou.

– Está feito! – concluiu com um sorriso enorme no rosto, parecendo orgulhoso de seu trabalho.

 Clarisse o imitou, se arrastando até a borda do fosso e chutou algumas pedrinhas lá. Inclinou o ouvido sobre o buraco, esperando ouviu um “click” da pedra batendo contra o chão da outra extremidade. Porém, nenhum barulho saiu de lá.

– O que você espera exatamente que façamos? – perguntou cautelosa a Nico.

– Que vocês pulem – respondeu como se fosse obvio.

 Ela se afastou do buraco e rolou olhos.

– Ah, claro. Não sei por que não pensei nisso antes – rosnou em agarrando firme sua mochila, em quanto analisava se era seguro ou não.

– Não se preocupem – suavizou Nico percebendo a expressão de todo mundo – É totalmente seguro. Vocês vão sair no jardim de Perséfone, bem a frente do palácio de meu pai. Thalia e eu viajaremos pelas sombras, já que é menos turbulento.

 Clarisse rosnou.

– Porque não podemos todos ir pelas sombras?

 Nico retirou o braço de Thalia de meus ombros e o passou pelo dele.

– É trabalhoso demais viajar pelas sombras. Mal conseguirei levar Thalia. Quando chegar lá, provavelmente desmaiarei na hora – respondeu de mal grado, parecendo já se cansar das reclamações de Clarisse – Andem, pulem! – Convidou a mim, Annabeth e Clarisse.

 Annabeth colocou sua mochila nas costas e prendeu os cachos loiros em um rabo de cavalo mal feito. Ela estava em silencio dês deque acordamos e isso não era um bom sinal.

 Aproximou-se lentamente do buraco e o analisou. Depois de encará-lo por alguns minutos – provavelmente calculando a medida exata do mesmo – levantou os olhos a Nico e pareceu perguntar se era realmente seguro. Nico balançou a cabeça confirmando.

 Confiando em Nico, ela tomou distancia e então pulou.

 Não se ouviu nenhum barulho. Nenhum grito, nem nada parecido com algo sendo esmagado ao se chocar com o chão.

 Olhei para Nico mais uma vez e o fitei. Ele ajeitava Thalia em seus ombros em quanto segurava sua cintura, evitando-a de cair. Ele percebeu que estava sendo observando e seus olhos se encontraram com os meus. Lembrei-me instantaneamente dos dois orbes negras que seus olhos tinham se transformado e o terror que aquilo me deu. Apesar dos seus olhos infantis me disserem que era seguro pular, algo dentro de mim dizia para me manter afastado.

 Balancei a cabeça afastando esses pensamentos e endireitei meu corpo. Eu estava muito cansado e começava a desconfiar de pessoas que tinham salvado minha vida diversas vezes.

– O.k, minha vez agora! – Disse me preparando para pular.

 Apertei mais minha mochila em minhas coisas e suspirei fundo, tomando coragem.

 Corri desajeitado em direção ao buraco e então pulei.

 Foi à melhor sensação a minha vida.

 Não, quer dizer, não a melhor. Talvez a segunda melhor. Isso, definitivamente a segunda melhor sensação da minha vida. Ou talvez seja a terceira?

 Eu não estava pensando claramente. Caia em uma velocidade absurda sobre um buraco que eu não conseguia enxergar um palmo abaixo de mim e nem um palmo acima. Sabe como isso é perturbador e ao mesmo tempo demais? Se qualquer pessoa tivesse na mesma situação que eu me encontrava também não pensaria de forma clara.

 O fosso começou estreito, entretanto à medida que eu me afastava da entrada e a luz ia se afastando da minha cabeça, ele ia se alargando o suficiente para meus braços não rasparem mais na borda cheia de pedras afiadas. Eu podia rodopiar, balanças meus braços para cima e para baixo como se eles fossem asas que eu não iria mais encontrar a parede.

  E estranhamente, eu não estava nem um pouco assustado. Na verdade, me achava um estúpido por ter desconfiado de Nico.

O buraco era reto. Bem, até agora ele estava sendo reto. Não havia nenhuma curva ou inclinações sobre ele. A paz que eu estava antes foi embora e eu comecei a ficar perturbado com essa idéia de sem bordas ao lado.  Como eu evitaria me esborrachar no chão?

 Procurei desesperadamente a borda do fosso – mesmo que isso fosse machucar minhas mãos pra caralho – mas antes de achá-la, ela me achou. A borda começou a se inclinar abaixo de mim lentamente, me fazendo sentar sobre ela e não havia mais aquela textura que machucava, estava lisa suficiente para eu escorregar facilmente sem me machucar e áspera o suficiente para o atrito começar a diminuir minha velocidade aos poucos.

 Então, eu me vi indo de escorregador ao submundo.

Depois de escorregar por alguns longos minutos, eu consegui enxergar na extremidade da fossa, uma pequena chama que trepidava timidamente. Sorri aliviado, eu já estava chegando.

 Antes de dar por mim, senti um empurrão em minhas costas - feito por algo que parecia ser duas mãos pequenas - fazendo minha velocidade aumentar drasticamente. Consegui ouvir de longe um riso travesso, mas foi tão tênue que eu me perguntei se era uma ilusão causada pela falta de ar que eu já me encontrava.

 A chama foi se aproximando assustadoramente, e eu me vi segurando nas bordas novamente, tentando inutilmente diminuir minha velocidade. Como eu disse, foi uma tentativa inútil.

 Fui cuspido com ferocidade para fora da fossa, e rodopiei umas três vezes no ar, antes de me chocar com tudo sobre uma superfície rochosa e mal cheirosa.

 Antes que desse por mim, os gritos de Annabeth foram diminuindo aos poucos e eu me vi sendo abraçado pela escuridão.

 

 -----

 

 Duas pessoas cochicham algo relacionado há cheeseburger ser imensamente melhor que azeitonas a alguns metros de mim.

 Não me incomodei em abrir os olhos e mostrar que estava acordado.

 Cara, que cheiro ruim é esse?

– Isso é ridículo! – bradou uma voz fanha – Nesse ponto eu concordo com o fracote, quem iria preferir azeitonas a uma fonte termal? – A voz perguntou com certa repugnância a azeitonas – Se fosse cheeseburgers, ou armas, totalmente compreensivo. Mas... Azeitonas?

 A outra pessoa bufou, parecendo estar completamente dominada pela raiva.

– Não vou mais discutir um assunto tão complexo com um ser ignorante como você, Clarisse – rebateu outra voz fanha, que eu supus ser Annabeth. Podia imaginar seus dentes rangendo de raiva em quanto cuspia essas ofensas na cara de Clarisse – Seria bem mais produtivo conversar isso com o porco, porque ao meu haver, ele seria imensamente mais compreensivo do quão versátil é uma azeitona do que você ou aquele ser ali caído – tenho certeza que nesse momento, ela apontava seu dedo para mim. Perguntei-me mentalmente o porquê de suas vozes estarem assim.

 Decidi que era hora de levantar, não iria deixar ninguém me ofender em quanto eu não pudesse me defender.

– Se foi para mim, à carapuça serviu certinho, sabidinha – avisei me levantando com certa dificuldade.

 Cabeças viraram em minha direção com um ar de surpresa, mostrando o porquê da voz fanha: Elas tampavam o nariz com os dedos.

 Não tinha animo para perguntar o porquê daquilo, meu corpo todo latejava horrores e eu xinguei mentalmente Nico por causa do fosso.

 Falando em Nico, cadê ele?

 Olhei em volta e cheguei à conclusão que esse lugar definitivamente não era o belo jardim de Perséfone. Parecia que Clarisse, Annabeth e eu estávamos em um tipo de lixão do submundo.

 E eu havia entendi o porquê dos narizes tampados: O lugar fedia horrores.

 Os bafos dos dragões são as coisas mais fedidas que um dia você terá – ou não – o azar de sentir. Agora, imagine isso com fezes de um minotauro que ficou comendo por uma semana só carniça. Pronto, esse é mais ou menos o cheiro nojento daqui.

 Tirando o cheiro que era altamente insuportável, havia todo o tipo de lixo nojento dispostos em todas as direções. Havia corpos de animais mortos totalmente despelados, fezes de todo o tipo de criatura estranha – principalmente de Cérbero, o cão guarda de três cabeças de Hades -, e amontoados em pequenos montinhos mais afastados, havia lixo humano. Pedaços de barcos velhos e maquinas antigas que eu supus ser de Hefesto era o que mais tinha em abundancia no lixão, estavam espalhados em todos os cantos.

 Aproxime-me das meninas com a blusa tampando meu nariz, tentando evitar um pouco desse cheiro repugnante. Não estava me sentindo nada bem nesse monte de lixo.

– Sério, a onde estamos? – perguntei com a voz fanha igual à delas, me sentando ao lado de Annabeth – Nico não iria nos mandar ao jardim de Perséfone?

– Sim – disse Annabeth – Mas parece que ele se enganou na localização. Pelo os meus cálculos, estamos a duas horas da Campina de Asfódelos.

 Clarisse se levantou em um pulo, mas sem tirar a mão do nariz.

– O que estamos esperando? – esbravejou ela – Agora que o fracote acordou podemos ir embora.

 Minha cara de nojo se transformou em desgosto.

– Não tenho culpa que uma criatura me empurrou do nada lá no túnel.

 Sobrancelhas franziram e eu pude sentir Annabeth se preparando para soltar um bombardeio de perguntas.

– Como assim “empurrou”? E criatura? Que criatura? – Ela se inclinou para mais perto de mim e eu pude ver a curiosidade ferver em seus olhos tempestuosos.

 Levantei-me e ofereci minha mão para ajudá-la a se levantar.

– Te explico no caminho – ela aceitou em minha mão e eu a puxei para cima.

 Eu juro que assim que ela relou em minha mão, ouvi um rosnado baixinho sair de um monte de lixo. O ignorei achando que era apenas um rato e fitei novamente Annabeth.

– Se eu ficar mais um segundo aqui, acho que vomito – falei querendo me afastar o mais rápido dali.

 Ela assentiu e começamos a caminhar para fora daquele lugar repugnante.

 Depois de explicar a ela e a Clarisse umas três vezes sobre o empurrão que senti e sobre o riso tênue que conseguir ouvir com dificuldade, Annabeth insistiu em voltarmos lá para investigar tudo.

 Com muita persistência e ameaças minha e de Clarisse, de que iria ela sozinha Annabeth desistiu com relutância e aceitou em deixar para lá. Expliquei que talvez tivesse só sido minha imaginação cansada pregando peças, entretanto ela não engoliu muito bem isso.

 Caminhamos com a mão no nariz, até termos certeza que os últimos vestígios de fedor estivessem bem para trás e depois soltamos. O ar gélido e sombrio do submundo invadiu nossas narinas como perfume da primavera e pela primeira vez, me senti bem lá, a onde as almas perdidas dos mortais e meio sangues descansavam.

 Seguimos o córrego do Rio Stix até a Campina de Asfódelos. Annabeth dissera que não demoraríamos muito para chegar lá e não parecia ter muita certeza para isso. Ela parecia sentir que algo estava errado.

 Assim que chegamos no final do córrego, achando uma entradinha estreita da onde vinha a água do rio Stix, Annabeth parou de andar do nada e agarrou o meu braço e de Clarisse.

– O campo está exatamente do outro lado do rio! – Bradou raivosa – Como Nico pode ser tão estúpido assim?

– Calma Annabeth – tentei tranqüilizá-la – Nos podemos ir falar com Caronte. Temos dracmas o suficiente para suborná-lo.

 Annabeth sorriu com escárnio e me olhou cética.

– Não Percy, você não entendeu – começou ela se afastando da gente – Nós estamos completamente cercados pelo rio. Estamos em um tipo de ilha no meio do submundo! Não temos com atravessar para ir falar com Caronte. Por isso eu estava seguindo o córrego, eu suspeitava disso!

 A olhei confuso.

– Mas você falou que em poucas horas chegaríamos a Campina de Asfódelos.

– E isso é verdade. Está vendo aquela outra extremidade bem pequena, lá no final do rio? – ela perguntou apontando em direção ao rio. Olhei e avistei uma pequena ilha, que mal dava para ser vista – É lá o campo! Não acredito que eu pude ser tão burra. Estava na cara o tempo todo!

 Ela se sentou em uma pequena pedra perto do córrego e cobriu o rosto com as mãos, me fazendo pensar por um momento que ela iria chorar.

– Annabeth... – balbuciei – A onde exatamente estamos?

 Ela tirou as mãos da cabeça e me fitou como se fosse obvio.

– Estamos no Pântano. Mais especificadamente, em uma ilha do lugar a onde todos os rios do submundo se encontram. No lugar a onde as bestas mais selvagens que tem no mundo grego podem ficar livres. Aquele cheiro horrível que sentimos não foi dos lixos, aquilo tem estado a tantas eras ali que nem cheiro mais há. Nós sentimos o cheiro das criaturas que comem aquele lixo primordial – explicou. Pude ver o terror que seus olhos mostravam – Elas estavam ali, nos observando. Sabe os quão deliciosos não seriamos para elas? O quão fácil seria para eles nos devorar?

 Clarisse bufou alto.

– Se fosse tão fácil eles já teriam nos atacados – disse zombando.

 Annabeth soltou um riso frio e seus olhos brilharam de um jeito que eu nunca vi antes.

– Nunca te disseram que brincar com a comida é sempre mais divertido?

 Depois dessa pergunta extremamente perturbadora, ninguém ousou dizer uma palavra se quer. Agora, que prestávamos mais atenção em tudo em nossa volta - esperando a qualquer momento um monte de bestas deformadas pular em cima de nós -, conseguia escudar respirações descoordenadas e ferrosas bem próximas de onde estávamos. Escondida em cima dos picos das enormes árvores que nos cercavam.

 Eles nos observavam e se divertiam com o nosso medo.

 Não podia agüentar mais isso. Aliás, qualquer pessoa com um pouco de bom senso não aguentaria essa pressão.

– Precisamos de um barco – conclui me levantando da pedra que estava sentando – Vou voltar ao lixão e pegar alguns pedaços de madeira e metal.

 Annabeth segurou meu braço, me impedindo de andar.

– Não seria inteligente nos separarmos. Só tornaríamos a coisa mais divertida para eles. Pegar um de cada vez. Ver quem é o melhor e mais forte – falou – Sabe como isso seria estimulante para eles?

 A olhei para confuso e me inclinei em sua direção, a tentando intimidar.

– Porque a senhorita fala como se já tivesse vindo aqui? – perguntei com os olhos cerrados.

 Ela soltou o meu braço e suas bochechas coraram.

– Bem, Luke às vezes me conta às coisas que passou com Cronos através dos meus sonhos. E ele me explicou que aqui foi um dos primeiros lugares que ele veio, parecia que algo importante estava aqui e Cronos queria encontrá-lo.

 Parecia que uma faca tinha rasgado minha barriga e se apropriado de tudo o que estava dentro de mim de forma brutal. E depois que de ter se apropriado de tudo, colocaram pedregulhos com pontas afiadas no lugar.

 Afastei-me dela e fitei o lago cinzento que estava mais inquieto que o normal.

– Ah claro, como eu pude me esquecer de Luke e suas formidáveis aventuras na busca para derrubar Olimpio? – perguntei amargurado. Annabeth me fitou com os olhos cerrados de raiva e quando eu vi que ela iria defendê-lo, pus a falar novamente – Mas isso não vem ao caso. Temos coisas mais importantes para fazer no momento, como por exemplo: Sobreviver.

 Olhei para Clarisse e ela pareceu perceber o que eu queria fazer.

– Se quiser ficar ai na pedra esperando um traidor morto vim te salvar, fique – disse ela se pondo ao meu lado – Mas eu e o fracote vamos buscar alguma solução para sair daqui.

 Então tudo aconteceu muito rápido. Antes que Annabeth pudesse falar algo, dezenas de criaturas pularam dos picos das árvores e pousarem graciosamente na grama negra e úmida que crescia nessa parte do submundo.

 Eram mulheres, altas e magras. Vestiam armaduras que cobriam todo o seu corpo, feitas dos materiais semelhantes aqueles que encontramos no lixão e eles estavam cobertos pela pele dos animais mortos. Usavam um tipo de mascara de animais, que cobriram seus rostos completamente.

 Então o fedor pior que o do lixão começou a impregnar o ambiente, nos deixando tontos e nauseados, me fazendo perceber que elas fediam de maneira tão repugnante assim.

 Com um esforço desumano, consegui me manter em pé e olhar para Clarisse. Estranhamente, o cheiro horrível não parecia afetá-la de maneira nenhuma.

 Annabeth cambaleou até mim e se apoiou em meu ombro.

– Amazonas... Co-Corra... Percy – balbuciou ela fraca, antes de se entregar a escuridão.

– Annabeth! – bradei preocupado, apoiando-a no meu peito para não se espatifar no chão. Mas estava sendo complicado, eu mal conseguia me manter em pé.

 Uma voz forte e grossa rugiu assim que eu passei meus braços em torno de Annabeth, e depois eu me vi sendo segurado por dezenas de mãos musculosas e fedidas. Elas me ergueram para cima, sem nenhuma dificuldade.

– O homem ousou tocar na donzela! – gritou a uma voz roca, fazendo parece que foi um crime terrível segurar Annabeth – Amarre-o no tronco da punição!

 Eu agitava, chutava, socava qualquer coisa que estava próxima de mim, tentando ao máximo me desvincular das nojentas mãos que se apertavam em torno do meu corpo. Sentia a oleosidade das suas armaduras roçando em minha pele, me fazendo querer pular novamente no Rio Stix para ir me lavar. Mas aquelas mãos eram tão fortes quanto um touro bravo, me fazendo ver que eu fazia um esforço completamente inútil.

 Elas me carregaram por um tempo, até chegarmos à extremidade na ilha, totalmente oposta de onde estávamos. Havia várias cabanas pequenas, feitas de madeiras, com os tetos feitos de palhas, dispostas em duas fileiras indianas, uma do lado da outra. Surpreendentemente, havia algumas plantações – que eu consegui identificar como cenoura e abobora – na frente das maiores cabanas.

 O fedor delas estava tão intenso nessa parte, que começava a arder cada inspirava que eu dava. Meus olhos ardidos já lacrimejavam, e se meu estomago não estivesse vazio, teria vomitado com gosto em todas elas, talvez fazendo assim o cheiro ruim suavizar um pouco.

 Elas me levantaram sem nenhuma dificuldade sobre um pilar que ia até a metade das suas enormes coxas, me deixando em pé sobre ele. Em quanto quatro me seguravam com violência, uma passava meus braços por trás de um tronco velho, amarrando meus pulsos com mais força que o necessário. Sentia meu sangue parar de circular e tenho certeza que se ficasse muito tempo aqui, minhas mãos apodreceriam.

 Uma grandona – mais grandona de todas –, se aproximou de mim com o peito estufado, parecendo orgulhosa por ter me capturado. As outras se aproximaram dela, mas ficaram a uma distancia segura. Supus que a mais próxima de mim é a líder dessa seita (sim, seita! Isso não deve nem ser chamado de tribo) escrota.

– Então, homem nojento como conseguiste localizar nosso território? Tu deves ser algum feiticeiro poderoso, pois nenhum homem tem o poder de achar nossas terras!

 Procurei Annabeth e Clarisse com os olhos, em quanto à líder se vangloriava por ter uma terra mágica, incapaz de ser achada por homens. Suavizei em ver que Annabeth estava sendo carregada por Clarisse, que vinha sendo escoltadas por duas amazonas, trazendo com si nossas mochilas. Bem, pelo o pouco que eu sei sobre elas, às amazonas não machucam outras mulheres.

 Annabeth e Clarisse estavam sãs e salvas, e isso já bastava de imediato.

– Responda! – ordenou me despertando dos meus devaneios. – Tu simplesmente não podes ter caído dos céus!

 “Que ironia” Pensei comigo, pois foi exatamente isso que aconteceu.

 Ela pareceu impaciente, aguardando uma resposta minha e gritou de novo, com a voz mais grossa que o normal:

– Responda!

– Foi exatamente isso que aconteceu! – me defendi em quanto tentava me soltar discretamente das cordas.

– Não blasfeme homem imundo!

– Eu sou imundo? – perguntei incrédulo, tentando ganhar tempo, mas as cordas pareciam ser de um material que não se afrouxa fácil. Perguntei mentalmente se elas teriam tacado óleo no couro que me amarra, para não enrugar – Olhe para vocês, vivendo no lugar da onde os deuses depositam seus lixos. Fedem tanto que eu gostaria de vomitar em cada uma, para ver se pelo menos ficam mais cheirosas!

 Um coro incrédulo escapou da multidão de mulheres vestidas de armaduras que se aglomerava em volta de nós.

 A líder grandona soltou um rugido - digno de macho devo dizer - e sacou sua espada da sua cinta feita de pele.

– Seguras uma donzela com essas mãos imundas e depois nos insultas. Não teme pela sua vida, ó homem burro?

 Olhei para o lado e vi que Annabeth acabara de acordar. Ela estava apoiada em Clarisse, que observava tudo com certo interesse. As duas amazonas agora estava mais afastadas delas, confiantes que ambas não iriam fazer nada para me soltar.

 Dirigi meu olhar para a grandona que segurava sua espada de forma ameaçadora em minha direção e torci minha cara, mostrando falso aborrecimento.

– Porque fica falando “homem isso, homem aquilo”? Eu já sei que sou homem, não preciso de você para me lembrar de nada!

 Isso pareceu ser a gota de água para a líder. Ela soltou um rosnado tão raivoso quanto de Clarisse, e avançou como uma leoa em minha direção, segurando sua espada tão forte, que eu consegui ver gotas de sangue pingando da bainha.

– O desamarrem – ordenou a líder, se preparando para subir no pilar que eu estava de pé – Vou estripá-lo e depois decapitá-lo!

 Eu sorri satisfeito, conseguira atingir aquilo que tanto queria.

  As amazonas obedeceram com prontidão, não querendo desobedecer a sua líder, mas pararam subitamente, após ouvirem uma voz fadigada e rouca gritando “chega”.

 A líder parou quase instantaneamente quanto às outras e eu vi uma figura velha – que eu supus ser a inteligência de toda a seita –, sair de uma das inúmeras cabanas dispostas por toda essa parte da ilha, com uma bengala em suas mãos.

 Ela não usava armaduras como as outras, só uma túnica que ia até os pés, e arrastada na terra pútrida. Supus que um dia aquela veste foi de um lindo branco, mas estava tão encardida e desbotada que mais parecia uma cortina bege.

 A velha mancou até a líder e a puxou fracamente pelo braço.

– Não podemos desperdiçar alimento assim, Libídia – falou com sua voz falha, apontando o dedo velho e magro para mim – Não é sempre que conseguimos carne saudável.

 Libídia – a grandona que há poucos minutos queria me matar – concordou com desgostou. Saltou sobre o pilar e guardou novamente sua espada na bainha. Caminhou em direção a velha lentamente e se curvou em sua direção.

– Como desejar, Lord Hipólita.

 Annabeth arfou após ouvir esse nome e Clarisse arregalou os olhos, não parecendo acreditar no que via.

– Vocês... Você é Hipólita? – Ela perguntou se aproximando dela. Libídia sacou sua espada novamente, protegendo a velha senhora. Clarisse não pareceu se intimidar com isso e se aproximou mais – A rainha das amazonas?

 A senhora sorriu, mostrando todos os seus dentes podres e sujos.

– Exatamente. Percebo que conheces sobre mim, cara irmã – Clarisse arregalou os olhos, surpresa por a Hipólita saber que ela era uma filha de Ares. A velha pareceu sorrir ainda mais. – Sim, eu tenho conhecimento de todos que carregam o nobre sangue de vosso pai.

– Como assim irmã? – perguntei mais ninguém se importou em me responder.

 Annabeth arfou mais ainda.

– Mas... Mas a senhora viveu há séculos atrás! – bradou atônica – Seria impossível viver por tanto tempo.

 O sorriso da velha murchou ao perceber que Annabeth falará com ela.

– Nada é impossível quando você está em uma ilha mágica como essa – respondeu de mal grado – O tempo é relativo, cara Donzela.

 Annabeth endireitou o corpo, parecendo aprovar totalmente essa idéia de donzela.  

 Espere. Donzela, vosso, conheces...

 E então, eu percebi exatamente o que eu tinha que fazer.

– Hei! – Gritei chamando a atenção delas. Elas nem se importaram em me encarar, provando minha teoria que eu sou insignificante – Essa loirassa ai tem que é bater as pernas e se mandar daqui pra eu encarar essas figurassas peito a peito. Seria muito foda ela ver aquele mano estilo emo do caralho que parece até a morte e falar que um mano dele ta metido em tretagem. Depois os biscateros dão as caras na putagem para estragar totalmente a putaria.

 Resumindo: Corra. Ache Nico. Traga ele aqui. Acabamos com todas elas.

– Além de homem, és louco! – gritou uma amazonas bem no meio da multidão, provando novamente outra teoria que amazonas não entende gírias contemporâneas.

 Somente Annabeth se importou em me encarar. Seus olhos brilharam e ela balançou a cabeça de um lado para o outro, não aprovando minha ideia. Ela havia pegado a mensagem.

 Sibilei um “vá” mudo para ela, que concordou meio relutante. Pelo menos, se eu morresse, não queria que ela visse.

 Aproveitei que ninguém prestava mais atenção em mim, e tentei me desvincular novamente das cordas de couro que prendia rudemente meus pulsos. As cordas, por incrível que pareça, conseguiram fazer cortes superficiais em minha pele invulnerável.

 Forcei novamente meus pulsos em direções apostas, e senti o couro se folgar um pouco. Sorri aliviado por um segundo, e depois forcei mais uma vez.

– O que você quis dizer com carne fresca? – perguntou Clarisse cautelosa, apontando para mim.

 Hipólita suspirou pesadamente e sentou-se sobre uns dos inúmeros banquinhos que as amazonas haviam trazido para ela.

– Como é fácil de visualizar e captar: sobrevivemos de restos. – ela segurou a bengala na frente do corpo com as duas mãos – Ingerimos as carnes pútridas que há naquele imundo deposito e as raras plantações que conseguimos cultivar aqui. – tinha um olhar fadigado no rosto, e se não fosse pelo fato dela querer me devorar vivo, eu sentiria pena - De ano em ano, há sempre a uma alma desprovida de sorte que aparece do mesmo jeito milagroso que vós aparecestes. Com o tempo, percebemos que eles eram presentes de vosso pai – seus olhos brilharam de orgulho ao citar Ares - Nossa única fonte de alimento saboroso. Nossa terra está contaminada com a podridão. Nenhum alimento sai saboroso ou saudável. Sempre está pútrido e cheio de vermes. É compreensivo que a maioria das minhas amazonas se recusam a comer seres humanos, toda via eu estou velha e fraca, necessito de bons alimentos para me manter saudável. – e então, ela sorriu novamente, mostrando sua boca nojenta.

 Depois desse pequeno discurso, cheguei à conclusão que a coisas muito estranhas no submundo.

 Clarisse e Annabeth pareciam dividir o mesmo pensamento que eu, mas de forma mais discreta. Eu já fechei minha cara mostrando certo nojo e murmurei um “Eca”.

 A velha olhou para mim e molhou os lábios enrugados.

– Tu serás uma bela refeição – concluiu ela se levantando do seu banquinho – Prepare o caldeirão com as melhores cenouras e abobrinhas que tivermos. Hoje, jantaremos como deusas!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

não sei da aonde essa ideia de amazonas canibais saiu cara – talvez pelo fato do meu sonho ser escrever uma história de zumbis –, eu só fui escrevendo. DSAUDHSAUDHDUSAHDUH sei que foi a ideia mais idiota que eu tive, porém gostei tanto que decidi deixar assim mesmo. *--*
reviews, por favor.
bgsbgs:*