Shimmer escrita por scarlite


Capítulo 14
Capítulo 14




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CAPÍTULO 14: Passé...

"A lembrança do passado nos arruína a metade do presente; a outra metade é arruinada pela preocupação com o futuro." (Charles Augustin Sainte-Beuve)

Ela sentia a cabeça pesando quando abriu os olhos na manha que se estendia escura e chuvosa do outro lado da janela.

Havia um ardor mórbido em sua garganta que pareceu conter espinhos tamanha a dor que sentiu ao tentar forçar a voz. Voz esta que parecia ter desaparecido junto com a sensação domínio do corpo.

Um torpor estranho a tomou enquanto tentava se erguer confusa. Lembrava-se vagamente do jantar com a simpática mulher loira, e depois de deitar-se sobre Edward no sofá enquanto Rebeca lia um livro num canto qualquer.

Havia traços de memórias espaças com as vozes de Esme, Alice, algo sobre o pijama. Ao forçar a mente em busca de traços mais objetivos, a única coisa que surgiu foi uma dor aguda nas têmporas. 

Sentiu-se repentinamente zonza e como se todo o corpo tivesse passado por uma trituração. Estava péssima, e não sentiu vontade sequer de ver o nascer do sol, perdera o amanhecer. Agora as nuvens cobriam o céu pesadamente. Sentiu um arrepio estranho percorrer todo o seu corpo, um misto de frio e calor junto a um enjôo forte.

Um gemido escapou dos lábios quando a dor na cabeça se tornou maior. Queria se levantar sair para o jardim ou para a varanda ver os pingos da chuva caindo sobre o gramado. Mas tudo que conseguia era se perguntar por que estava naquele estado.

Sentira-se perfeitamente bem no dia anterior. Divertira-se com Rebeca, se cansando apenas um pouco mais que o habitual. Porém, era de se esperar depois de tanto correr de um lado para o outro.

Fechou os olhos novamente sentindo como se seu cérebro estivesse sendo chacoalhado. Não conseguia pensar direito, quando tentou olhar ao redor viu o pêndulo de cristal que virava de um lado para o outro próximo a janela. E isto a distraiu um pouco da dor. A luz atravessava o prisma transformando-se em cores diversas. Era o seu “arco-íris particular” como costumava chamar o presente que ganhara de Carlisle no seu quarto aniversario.

Fora o resultado de uma terrível discussão envolvendo uma garotinha e um arco celeste real, ao qual a mesma queria insistentemente perseguir e levá-lo para casa. Naquela tarde de dezembro ficara triste por ter negada a possibilidade do feito.

Mas, na manhã posterior seu tio aparecera com os pingentes mostrando-lhe que poderia ter seu próprio arco-íris. Agarrara-se ao pescoço do homem como se ele lhe tivesse dado uma fortuna em pedras preciosas ou o maior dos castelos.

Uma mão pousou delicadamente sobre sua cintura, sem que ela se desse conta por completo no meio de sua distração com a dança das cores na parede. Ela respirou com dificuldade sentindo a dor na garganta se assomar com a passagem do ar quente. E mais uma pontada a fez se encolher ainda mais nas cobertas.

Naquele momento a mão que descansava sobre o seu corpo, a envolveu num abraço quente e confortável, e mesmo com o olfato meio comprometido pelo resfriado ela pôde sentir o cheiro delicioso que saia do corpo do primo.

Uma agradável e familiar essência que misturava manhãs de domingo e sol, com madeira molhada. Pelo menos era assim que a garota via o cheiro da essência da colônia e da loção de barbear de Edward.

Com familiaridade se recostou ainda mais no peito dele, agarrando o braço que a envolvia, deixando-se envolver e acalentar pelo calor e proteção ofertados. Sentindo mesmo um leve alívio no desconforto que sentia no corpo. Era como oferecer um refrescante banho a um homem ressequido pelo calor do deserto, ou mesmo um cobertor para alguém no meio de uma nevasca.

O suspiro profundo de Edward foi a última coisa que ouviu antes de cair no sono novamente.

Um cheiro forte de chá enchia o ambiente. Sentia o suor cobrir-lhe o rosto, e sua dor de cabeça apenas piorara, queria continuar dormindo ate voltar a sentir-se bem.

- Bells, vai ficar tudo bem... A dor vai passar.

Era Edward? Mas, porque ele estava falando isso? Como ele sabia que ela sentia dor?

Sentiu com alívio algo frio na sua testa aliviando um pouco a sensação desagradável do suor grudando-lhe os cabelos a testa.

- Ela não melhora! Alice, porque o Emmett não ficou em casa hoje?

- Edward, ele tem que trabalhar. Hoje era dia de plantão, não pode abandonar o emprego agora que faz tão pouco que assumiu. Principalmente depois da chegada de Rose. – A última parte sussurrada quase passou despercebida para Bella. Mas, devido a proximidade das vozes, seus ouvidos captaram.

- Ligue pra ele, diga que a febre aumentou. – E de novo o alívio pela coisa fria deslizando pelo seu rosto e pescoço.

- Pronto, aqui está, temos que fazê-la tomar isto. – Esme falava aflita, mas sua voz se perdia numa nuvem turva para os sentidos de Isabella.

- Dói... – A palavra escapou fracamente pelos lábios de Bella. A respiração pesada e a palidez estavam definitivamente deixando Esme preocupada. Ela criara quatro crianças, e obviamente tratara de suas enfermidades. Os incontáveis resfriados, crises alérgicas... Mas, Bella andava se alimentando mal, e agora seu corpo sucumbia diante de uma simples virose.

Aproximando-se da sobrinha, a mulher tomou lugar ao lado do filho que parecia que ia explodir de tanta agonia. Ele sempre fora muito ligado a prima, praticamente não desgrudava dela quando crianças e mesmo agora quando já são um tanto crescidos, o apego continuava.

- Levante-a Edward. – Ordenou com autoridade mostrando que a situação não era tão aterrorizante como parecia para seu filho mais temperamental.

Com cuidado que só uma mãe poderia ter, ela colocou o comprimido na boca de Bella, levando água logo em seguida. Teve sorte por naquele momento ela estar semi-consciente, dando grandes goles na água ofertada para facilitar a ingestão do remédio que Emmett deixara.

- Agora descanse meu bem. Vai se sentir melhor depois...

Isabella fechou os olhos deixando-se levar pela escuridão.

***

- Edward pare de fazer uma tempestade da doença de Bella você está deixando todo mundo mais preocupado.

Alice me dizia um pouco exasperada enquanto descíamos as escadas para jantarmos. Isabella estava dormindo a dois dias seguidos e ela ainda queria que eu me acalmasse com isso.

- Me surpreende que você fique tão calma com nossa prima desacordada há dois dias Alice.

Minha voz saía áspera e rude. Não era minha intenção parecer um bruto com quem não tinha nada a ver com a situação. Mas, era a quinta vez que minha irmã me enchia dizendo para que me acalmasse.

Depois da primeira noite, em que dormi ao lado de Bella, seu estado não teve melhoras. Naquela manhã acordei com ela aninhada em meu peito tremendo de frio, mesmo coberta com a grossa colcha.

- Emmett disse que é normal para essa virose que ela pegou. Mas, passado algum tempo ela vai melhorar.

Percebi o absurdo de descarregar em Alice minha agitação, mesmo porque ela devia estar tão preocupada com Bella quanto eu. Mas, é que todos nos a que parecia mais... Mais, ativa e viva era Bella, sempre se movimentando, sempre lendo ou cantarolando, inventando alguma coisa surpreendente com a qual se envolver. E vê-la na cama pálida, doente estava me deixando mal.

- Desculpa Alie. É que hoje não foi um dos meus melhores dias.

- Eu sei maninho, também ODEIO terça - feira. É o meu terror pessoal todos aqueles monstrinhos já estão com todo o gás, depois da segunda desanimada. – Ela suspirou teatralmente, levantando os cabelos da franja.

- Você dizendo isso? A encantadora de crianças? – Aliviei um pouco o tom sisudo que carregava desde sábado.

- Mesmo os melhores têm seus dias não é?

***

Cheguei do trabalho bastante cansado naquela tarde. Tinha dormido muito pouco na noite anterior. Continuava muito silencioso na casa. Apenas podia ouvir minha mãe cantarolando no jardim e nada mais.

Não agüentava mais ver nenhum numero na minha frente, e juro que se algum infeliz me perguntasse pelo menos uma vez qual melhor material para se restaurar paredes eu o esganaria.

A reforma na propriedade recém adquirida estava a todo o vapor, porém, a todo instante precisava supervisionar as intervenções, especialmente pela inabilidade do meu mestre de obras.

O velho Davis teria sido um bom profissional, há algumas décadas talvez, mas, agora com as vistas ruins e uma persistente falta de memória se tornara mais uma complicação.

No entanto, todos os outros mestres estavam ocupados, restando apenas o senhor de conversação exuberante e pouca habilidade para dar ordens.

Estava encantado com os novos planos para minha vida. Com minhas habilidades com administração, pensava entrar no negócio de hotelaria! Sim, pretendia abrir uma pousada na cidade que dispunha de tão poucas e paupérrimas.

Não havia comentado com nenhum membro da família daqueles meus planos. Porem, sabia que os apoiariam. Mesmo gastando grande parte da herança que recebera do meu avô, e uma pequena poção das reservas que tinha, ainda considerava o investimento uma boa opção para todo aquele dinheiro.

Forçando meus pés a atravessarem a casa, me dirigi ao quintal onde minha mãe podia ser ouvida conversando animadamente com as plantas.

- Oi mãe! Como a Bella está? – Fui logo disparando antes mesmo de cumprimentá-la de forma mais adequada. Esme riu de minha afobação acenando com a cabeça para uma figura encolhida toda envolvida em cobertores no banco embaixo de uma enorme ****.

- Ela esta bem melhor meu filho. Mas, Emmett recomendou que cuidássemos de não esquecer a medicação;

- Vou ver como esta. – Soprava uma brisa agradável, talvez por isso minha mãe tivesse cedido aos apelos de Isabella de deixá-la sair. Coloquei as mãos nos bolsos me dirigindo a enorme formação de folhas  e galhos.

Bella era a figura da naturalidade: com cabelos soltos movendo-se conforme o vento, o lábio inferior entre os dentes – o que sempre fazia quando estava muito concentrada -, o rosto ainda um pouco pálido, porém, com aparência bem mais saudável.

Há cinco dias estava doente. E há cinco dias eu deixava o pobre Emmett louco questionando se era mesmo normal uma febre tão alta ou um estado de torpor tão persistente.

Não me permitira sair do lado dela o máximo que pude sem que meu trabalho fosse comprometido. E começava a sentir-me cansado por acordar a noite para chamar Esme quando a febre de Bella parecia piorar, sendo que Emmett estava enfiado no Hospital.

Nos últimos dias ele estava pegando todos os plantões para assim poder tirar uma semana de folga e organizar as adaptações para a recepção do bebê. Creio que ele mesmo precisava se organizar com a idéia além de definir a relação com Rosalie.

Ambos pareciam meio perdidos em lidar com as coisas. Apesar de estar mais que clara a afeição que dividiam um pelo outro, eram muitas arestas para aparar.

Decidimos dar espaço aos dois. Minha mãe preparou um dos quartos de hóspede para Rosalie, só por precaução, ao lado do de Emmett. E procuramos não cercá-los com perguntas. O que não impedia meu irmão e eu de conversarmos sobre a questão.

Os tios de Rosalie tinham feito com que ela deixasse a casa, e durante os últimos quatro meses de sua gravidez, ela esteve vivendo com algumas amigas de faculdade, No entanto, suas economias haviam se exaurido e ela se viu como um grande peso para elas. Não tendo a quem recorrer, o único caminho foi juntar o que restara de dinheiro e viajar até Forks em busca de Emmett.

Nada mais justo sendo que ele era o pai da criança;

- Olá, ma fraisier[1]! – Me acerquei de Isabella, enquanto ela olhava sobre a massa de cobertores que a envolvia. Havia um livro no seu colo, com capa escura e acabamento em dourado. Eu nunca havia visto aquele volume entre suas estantes, nem nos montantes espalhados pelo chão do quarto. – Como está se sentindo hoje?

- Ora estou muito bem maestro. 

- Ah, ainda bem, não agüentava mais ter que aturar seus roncos...  – Fiz uma cara de falso desgosto.

Ela me olhou com cara de assombro enquanto eu mal segurava o riso, sentia meus lábios se contorcendo.

- Eu não ronco! – Respondeu prontamente. Mas, depois pareceu reconsiderar a possibilidade e com a voz baixa perguntou: - Eu ronquei?

- Não seja tonta fraisier, estou apenas brincando.

Despenteei ainda mais os seus cabelos; capturei um biscoito com formato esquisito do pratinho que descansava ao seu lado junto com um copo onde restava um pouco de leite.

- O que exatamente é isto aqui?

Ergui o amontoado de massa disforme na frente do nosso rosto, achando que era apenas isso: um monte de massa.

- Ora Edward! Tá na cara é um homem de uma perna só.

Olhei com atenção extra para o biscoito, havia sim uma espécie de apêndice que deveria ser a perna remanescente e umas ondulações que mais pareciam tentáculos, provavelmente os braços.

- Hum...

Por incrível que pareça, estavam deliciosos.

- Nossa... Está delicioso Bells, pelo formato... – Ela me fitou com olhos semicerrados com uma expressão que dizia: “cuidado com o que diz” -... Interessantes, acho que foram feitos por você não?

- Sim, hoje ajudei tia Esme na cozinha.

- Sei, - outra mordida. – E de onde veio a inspiração para “o homem com uma perna só”. – Qualquer elemento daquela imaginação extravagante era divertido para mim. Gostava de tentar seguir os caminhos sinuosos que Bella trilhava com aquela cabecinha avoada.

- Lembra do filme “desventuras em série”?

- O capitão?

- Hunhum. – Porque Bella faria biscoitos do vilão mais extravagante dos filmes infantis era um mistério para mim.

- Bella absurda...

Num momento de descuido dela, vi algumas folhas do caderno que segurava. Eram muitos rabiscos na verdade. E números, muitos deles. Várias fórmulas na verdade. Espalhadas por toda a página, misturados com figuras estranhas de pessoas e objetos.

Achei muito esquisito. Adolescentes normais deveriam andar escondendo diários com coraçõezinhos cor de rosa. E lá estava minha prima escondendo números.

Ao perceber que eu estava observando  seu “segredo”, Bella corou e carranqueou.

- Agora você também vai achar que sou maluca. – Ela soltou um suspiro pesaroso enquanto cruzava os braços numa atitude protetora.

- Posso ver?

Ela me estendeu o volume que na verdade era um caderno com capa de couro grosso e com algumas fitas para marcar as páginas. Não havia nada escrito nem na capa, nem na contracapa. Porém, quando abri a primeira página e a segunda, terceira... Até a metade do caderno estavam repletos de números. Dezenas deles.

Eram fórmulas e cálculos que tomavam toda a extensão de cada folha. Símbolos matemáticos se misturavam desorganizadamente.

Não me lembrava de nenhuma daquelas fórmulas e cálculos serem objeto de estudo no meu High School. Na verdade, toda aquela bagunça me lembrou mais o filme “Uma mente brilhante”.

- Vocês estudam isto? – Considerei a possibilidade de que o velho professor de matemática da escola estivesse ficando louco e aplicando problemas universitários para os adolescentes.

- Não Edward bobo. No máximo o que o Sr. Davis aplica são cálculos básicos. Não passa disso o que é bem chato às vezes. – Deveria ser mesmo, pela cara de tédio que ela fazia enquanto falava.

- E de onde veio isto? O que são?

- Livros;

- E você consegue entender só de ler? – Eu sabia que Isabella era inteligente, mas, “auto didata” não estava na minha lista de atributos dela. Ainda.

- Sim. Não é tão difícil quanto parece. A maioria das pessoas tem medo da matemática, mas basta um olhar sobre tudo pra saber por que ela é interessante;

Continuava folheando o livro, e uma após a outra os cálculos rabiscados na elegante letra de Bella iam se intercalando.

- Não posso dizer que compreendo essa fascinação em particular, nunca gostei dessa disciplina.

- O Sr. Davis me ajuda me emprestando livros. Ele tem sido legal, e é o único que não me olha como se eu fosse... – Ela se interrompeu bruscamente. E eu me perguntei porque.

- O que Bells? Alguém te chama de louca? Porque fariam isso?! – Perguntei enquanto inclinava meu corpo em sua direção assumindo mesmo inconscientemente uma postura protetora.

- Deixa pra lá Edward. Todos têm o direito de pensar o que quiserem sobre os outros. – Ela agarrou um punhado de folhas que se estendiam num galho ao seu lado.

- Se alguém algum dia te machucar, mesmo que só com palavras, me prometa que vai me dizer e eu quebro a cara do infeliz.

Minha voz saiu carregada mesmo eu desejando ardentemente que soasse um tanto mais suave.

- Ed, calma. Não é o fim do mundo o fato de eu não me dar bem com os outros. E eles podem dizer o que quiser.

- Você fala como se fosse normal alguém  sair sendo grosseiro com os outros. A forma como aqueles imbecis te trataram na praia não ficou esquecido pra mim Bella. Você diz que eles têm liberdade para pensar o que quiserem, e o que dizer da sua?

Ela ficou em silencio por um bom punhado de tempo. Apenas olhando para as árvores logo depois da pequena planície com as cercas brancas, e as ovelhas balindo no gramado.

- Eu não me importo. Contanto que me deixem no meu canto.

Ela estava num dos seus dias “falantes” e eu escavaria o que pudesse daquela abertura eventual.

- Você poderia falar-me mais como são os seus dias na escola.

Sugeri com toda a humildade que pude juntar. E esperei enquanto ela amassava as folhas nas mãos com força. O que pra mim foi mais contundente do que qualquer explicação.

- Eu não sou como eles; não consigo ser. Eles podem ter razão Edward. E se eu for como minha mãe?

E duas linhas brilhantes como cristais começaram a escorrer pela face rosada até o pescoço, manchando o azul de sua blusa, tornando a região atingida ainda mais escura. Eu via como o orgulho a fazia se empertigar limpando as lágrimas com violência, e com ultraje como se elas a ofendessem mais do que qualquer coisa.

Senti uma profusão de emoções. Raiva, medo, angústia, mais medo. Eu não entendia a profundidade dos sentimentos expressos nos seus olhos ou no rosto contorcido.

E isso era a fonte do temor.

Bella estava crescendo, e eu não conseguia acompanhá-la. Mesmo sendo mais velho que ela e sempre ter estado ao seu lado, via como estava se transformando aos poucos. E não tinha em alguns momentos, a menor idéia de como consolá-la.

Em uns instantes era a adorável e energética Isabella que se arrisca no teto de uma casa de três andares apenas para ver o nascer do sol. Em outros era a garota que se esforça ao máximo para se manter firme diante das dores da diferença;  E ainda mais, que temia a possibilidade de se tornar como sua mãe, realmente louca.

Tia Renée.

A vi poucas vezes ao longo dos anos. Minha mãe e pai a visitavam periodicamente em Maryland Baltimore. O ambiente em que ela vivia não era nem de longe adequado para se passar um tempo.

Ela vivia numa prisão psiquiátrica em regime de total encarceramento desde que cometera um crime sobre o qual nunca se falou naquela casa. Quando criança, questionei inúmeras vezes sobre a razão de ela estar encarcerada.

Minha mãe apenas dizia com um profundo ar de tristeza que era necessário. Que titia tinha problemas sérios e que precisava se manter onde estava.

Com o passar dos anos, ficou mais claro para mim que ela não precisava de cuidados apenas, ela precisava estar presa para proteção da sociedade: Ela era completamente insana e violenta.

Todas as vezes que a visitei junto com meus pais, estavam gravadas profundamente na minha memória. Porém, mais do que o ambiente, mais do que todos aqueles jalecos e termos psiquiátricos a figura da minha tia amarrada na camisa de força, com os olhos injetados loucos, perdidos; e a máscara, foi o que mais ficou fixo na minha mente.

A máscara era uma precaução. O motivo foi-nos esclarecido num feriado há quatro anos pelo Dr. Tatler, psiquiatra responsável pela instituição:

Numa manhã, tia Renée se queixou de dores de cabeça e falta de ar, quando um enfermeiro recém contratado, num momento de descuido, deu as costas a ela tendo lhe tirado as amarras, teve metade do rosto perfurado com a agulha de uma seringa usada que ficara a sua vista.

Ela não falava com freqüência, segundo os seus médicos. No entanto, foi capaz de fazer com que um dos internos cometesse suicídio apenas conversando com ele. Depois disso, foi mantida longe dos encontros grupais.

Era inteligente e muito hábil em manipulação, o que a tornava um risco ainda maior. Parecia imune aos tratamentos psicoterapêuticos, e tripudiava em cima de qualquer teste psicológico.

Mesmo sendo filha de Renée, não tinha a menor possibilidade de Bella, a doce e inofensiva Bella que amava a vida se tornar algo parecido com o ser de olhar gelado que sua mãe era.

Mas, lá estava ela atemorizada pela possibilidade. Era estranho ela falar sobre a sua mãe. Era um assunto sobre o qual poucas vezes teve ímpetos de provocar discussão.

Ate hoje não consigo entender de onde minha mãe tirara a idéia de levar minha prima para ver Renée depois de uma suposta melhora no seu estado o que permitiria um encontro com a filha que não via há muito tempo.. A ocasião causou uma aversão profunda em Isabella, à idéia de visitar a clínica psiquiátrica novamente.

Creio que ela viu mais do que nossos olhos. Algo na forma como minha tia a fitara naquele dia fatídico ficou marcado em Bella. Com o tempo se perdeu, mas, parecia ter retornado a sua mente, talvez nem mesmo tenha saído...

- Bella, você não é sua mãe. – Ela negou com a cabeça e continuou com olhar perdido.

- Olha pra mim! – Tomei seu rosto em minhas mãos até com certa violência. Não deixaria que nada perturbasse sua paz.

- Você é inteligente o bastante para saber que isso não é algo que possa ser transmitido geneticamente...

- Isso não é verdade. – Ela me cortou. O olhar frio como gelo.

- Não importa. Não vai acontecer com você. Não tem como. Acredite em mim! – A olhei com tanta confiança no que dizia que pareci convencê-la daquilo. – Não importa o que digam, você é minha Bella, a garota que gosta de sentir o “cheiro do dia”, que quase morreu para soltar animais do circo, - ela sorriu e eu continuei agora confiante – que me defendeu de James, lembra disso?

Ela confirmou com um aceno de cabeça. Passei meus braços ao seu redor carinhosamente, depois de ter afastado o caderno e o prato.

Ela ainda estava meio quente, encostando a cabeça no meu peito suspirou fechando os olhos.

- Agora me prometa.

- Prometer o que? – sua voz preguiçosa soou bem próxima a mim.

- Que vai me contar quando os garotos na escola disserem algo ruim.

Bella suspirou pesadamente afirmando com a cabeça.

- Eu devo bater neles como você e o Emmett me ensinaram quando criança? – Ela perguntou risonha e percebi aliviado que o assunto pesado estava oficialmente suspenso.

- Oh, não, apenas jogue terra nos olhos, como fez com o John na praia. E corra, corra o quanto suas pernas agüentarem caso eles queiram te fazer algo. Era o que eu devia ter feito. – Eu estava brincando, claro, mas, deveria esclarecer antes que ela encarasse como conselho real.

- Sabe que estou brincando não?! Quando alguém provocá-la comunique a diretoria. Isso se chama buillying e é crime Bells.

- Sabia que consigo saltar da ultima pedra do rio?

“Que mudança brusca de pensamentos” pensei; não consegui sequer imaginar de que lugar teria saído essa consideração tão contextualizada dela.

Mas, decidi deixar de lado a questão das provocações. De lado, mas, não esquecida.

- Hum, quero só ver. Depois que você se restabelecer, vamos tirar um dia para um piquenique na margem do rio e você me mostra.

- Obrigada Ed.

E ela me surpreendeu dando-me um beijo rápido na boca! Um roçar de lábios completamente inocente, mas, que em mim foi quase como ser jogado de ponta a cabeça num caldeirão quente.

Fiquei lá parado, como um pedaço de madeira enquanto ela se recostava novamente a mim com os olhos cerrados.

Soltei o ar que prendia e tentei controlar os pensamentos.

“Mais que... “ Pensei num montante enorme de impropérios; E meu coração parecia ter decidido sair completamente do ritmo. Pensei demoradamente na palavra “Incesto”, como um mantra...

Racionalizar era muito fácil, mas, meu corpo reagia de forma bizarra com Bella, e todo o sentimento fraterno ia pro espaço com a percepção dos olhos, do rosto, da pele...

Minha linha de pensamentos, graças aos céus, foi interrompida por um aperto da pequena mão de Bella no meu peito. E só então percebi que ela estava atenta com o ouvido encostado bem onde deveria estar meu coração.

- Como faz isso?

Curiosidade se desenhava nos seus olhos castanhos.

- Isso o que?

- Seu coração. – Afirmou com um ar todo intrigado.

- hm... – Eu estava todo atrapalhado. Tinha que parar de agir feito um maníaco. Ela era tão inocente, tão pura... Tão especial. E eu um infeliz que a vi crescer e agora me deixo levar pelos meus hormônios.

Isso! Deveria ser este o problema. Há muito tempo estava sem contato com mulheres. Havia me dedicado demais a Faculdade e a administração dos bens da família... E me recordei que não namorava nem ficava com nenhuma garota há bons meses. E meus hormônios estavam ficando loucos. Eu era homem, deveria ser isso mesmo.

Com esse pensamento, me permiti relaxar e considerar uma saída com Tânia, a filha dos Denali que há meses demonstrava de forma nada discreta seu interesse num encontro.

Se isso era o certo, porque não me senti feliz com a idéia? Por mais atraente que a espetacular loira morango fosse, não tinha os olhos suficientemente escuros, nem os cabelos tão compridos, nem a conversa tão imprevisível... Com horror percebi o rumo dos meus pensamentos: Ela não era Isabella.


[1] “Meu morango”


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