Shimmer escrita por scarlite


Capítulo 11
Capítulo 11




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CAPÍTULO 11: O lutador

Confusão:

Substantivo do latim confusio, ônis.

  1. Ato ou conseqüência de confundir; situação em que se encontra algo confuso; caos
  2. Falta de ordem, de método, de organização; desordem;
  3. Falta de clareza

Sinônimos

  • Babel
  • Baderna
  • Barulho; Barafunda
  • Desordem.

***

Olhava pela janela da sala de estar. Apenas a noite escura a minha frente.

Um copo de suco de maçã na minha mão. O sabor adocicado ainda na minha língua.

Penso em muitas coisas, a maioria delas apenas uma lista mental das obrigações mais urgentes.

Porém, eclodindo como uma pequena explosão, sempre há a lembrança da correspondência que recebi.

CONTEÚDO DA CARTA:

Caro Sr. Cullen.

Ficamos felizes em comunicar, que depois de rever seu pedido,

Bem como revisarmos o conteúdo do seu currículo, chegamos a

Conclusão que teríamos enorme prazer em tê-lo entre nossa equipe.

Respeitosamente,

Albert Goldenberg J. Jenkins.

Da Universidade do Estado de Washington.

Abaixo, a assinatura do professor Jenkins, um de meus antigos preceptores. Eu era formalmente graduado, porém, seriam necessários mais quatro anos para que pudesse exercer por conta própria a clínica veterinária.

Na realidade, quase abandonei a faculdade. Há muito mais por trás do meu ato. E não me sinto tão disposto a rememorar neste momento.

Digamos que as maiores tolices são geralmente guardadas para serem vividas nesse período vital: graduação.

Não sei se movidos pela falsa impressão de liberdade, ou se pela influência dos amigos... Sinceramente, nem imagino a quem possa culpar. O fato é que, demorou para que meu pai entendesse que precisava de um tempo a fim de decidir se, realmente queria isso para minha vida.

Foi mais um acordo tácito do que uma conversa propriamente. A questão futuro, ficou e ainda estava suspensa por enquanto.

Fazia poucos meses que estava em casa. E tudo que tinha agora era uma carta em minhas mãos, soando quase como um relógio insistente “Está na hora, está na hora!”. Quase podia ouvi-lo berrar aos meus ouvidos.

Chegaria um momento em que teria de tomar uma decisão, e isto me ocasionava a terrível sensação de nó na garganta.

Não, não estou fazendo drama. Se você é uma daquelas pessoas que sempre soube exatamente o que fazer da vida: Meus parabéns! Você faz parte da restrita estatística entre os jovens.

O fato é que, saber o que fazer do futuro é o pior de todos os passos...

A maldita impressão de que tudo é irreversível...

Hoje, com os anos acumulados, posso dizer:

É tudo uma grande tolice. As maiores decisões não dizem respeito a carreira ou dinheiro; são tomadas em um quarto, à beira da cama de sua amada; ou no clima agourento de um cemitério...

Não posso adiantar para vocês, terão de vivenciar as coisas...

UMA CONFISSÃO SOBRE A VIDA:

Ela arrasta-nos como uma maré violenta

Quando não prestamos atenção nas coisas certas.

Não deixemos, pois, a bondade escorrer pelos nossos dedos.

Viver é um desafio. Somos perdedores se não entendermos as regras cedo. Se deixarmos as circunstâncias transformarem nosso caráter...

No fim, o que nos salva é a bondade.

Ouvi, certa vez, um tipo de aforismo, - não sei -, que dizia algo sobre essas verdades profundas tão lindamente colocadas em frases:

O QUE DIZIA O AFORISMO:

“Essas realizações vitais só fazem sentido pouco a pouco”

Sim.

- Edward, tia Esme quer que ajudemos a colocar a mesa. – Bella me fez emergir de meu concentrado exame situacional. Porém, a notícia de que havia sido aceito como estagiário na Escola de Veterinária da Universidade de Washington, ainda me assolava.

Não contaria a ninguém, por enquanto. Preferia remoer o fato até não restar mais nada (dos meus dentes ou da questão).

Sorri para ela desarrumando a nuvem bem formada em torno da minha cabeça. Na tentativa de dissipá-la, tomei quase de um gole só o restante do suco especial de Alice.

Andei atrás de Bella para a sala de jantar, onde mamãe colocava alguns talheres de prata em cima da mesa.

- Que bom que resolveu nos ajudar Edward! – Alice não tardou em manifestar sua revolta por estar trabalhando e eu não.

- Não seja chata anã. – Esse apelido a exasperava mais que tudo. Era hilário ver a forma como seu rosto mudava de branco/levemente rosado para um vermelho vivo.

Confesso que fiquei um pouco assustado quando ela bramiu uma enorme jarra – que parecia especialmente pesada – em minha direção.

- Nada de guerrear com minha louça crianças – Esme brincou e descontraiu o ambiente pós-emissão-de-apelido-mortal.

- Onde está o papai? – Fui até a pilha de pratos no início da mesa e comecei a arrumá-los a frente de cada cadeira.

- Ele está tomando banho. Chegou agora a pouco da fazendo dos Black. Parece que houve um problema com o transporte de alguns cavalos. – Minha mãe respondia enquanto segurava com destreza quatro cálices de cristal.

- Quer dizer que eles vão mesmo fixar residência aqui em Forks? – Minha curiosidade corriqueira falando mais alto.

- Sim. Aparentemente.

- O que houve com a Srª Black mamãe? – Alice perguntou. Eu observava temeroso enquanto Bella equilibrava alguns pratos e copos nas mãos.

Aproximei-me dela, tomando-os. Ela pareceu não gostar nada da minha intervenção. Ignorei-a.

- Ela morreu há um ano. Quando viajamos para Phoenix em janeiro passado, lembra? – Alice fez que sim com a cabeça.

- Ela era muito amiga do seu pai. Ela e o Billy. Fomos todos colegas de faculdade. Foi muito difícil para Billy se acostumar com a perda. E eu posso imaginar a dor dele.

- Nossa, que triste... – Minha irmã ponderou ao meu lado.

Continuamos arrumando a mesa. E claro que Bella conseguiu derrubar ainda uma das taças adoradas da mamãe.

Lembrei da menina que encontrei hoje cedo. E compreendi um pouco o porquê de sua cara feia.

Fitei Esme por um instante e me permiti apenas por um insignificante segundo, pensar no impacto que sua ausência causaria nesta família.

Em como meu pai reagiria... Em como eu e os outros lidaríamos com a saudade.

Balancei violentamente a cabeça, me livrando do pensamento pavoroso como quem afasta um enxame de abelhas.

- Obrigada queridos! – Mamãe falou amorosa do outro lado da mesa, sem me olhar. Apenas reparando um ou outro mau feito nosso na colocação da louça.

Sem resistir, fui até ela e a beijei na testa. Ela afagou minhas costas e ajeitou minha camisa, abotoando os botões que insistiam em ficar tortos.

Carlisle chegou onde estávamos já de banho tomado e vestindo a camisa preferida de minha mãe.

- Hmm, que lindo esse meu marido – Esme brincou olhando para ele com olhos forçadamente sedutores.

Reviramos os olhos, Alice e eu, enquanto saímos quase correndo dali, arrastando Bella junto.

- Vou subir um pouco maninho, me chame quando os convidados chegarem, ok?!

Fiz que sim com a cabeça, com as mãos nos bolsos, enquanto Isabella abria a porta para uma Maggie impaciente.

***

Coisas começam do nada, e tem efeito de uma bomba nuclear.

Segundo a teoria do caos, um bater de asas do outro lado do mundo pode causar um tufão em outro lugar.

Pessoalmente não faço a menor idéia se isso é fato ou pura confabulação de alguns homens com muito tempo e inteligência.

A questão é que o bendito jantar com os Black teria mais impacto sobre nossa calma família do que se pensaria a princípio.

Era por volta das sete e meia quando eles chegaram. E eram tantos que pensei que não caberiam dentro da sala de jantar.

Bem, talvez nem fossem muitos, porém, eram tão terrivelmente bem desenvolvidos que davam aquela impressão de ser um time de futebol e não apenas cinco.

As garotas nem tanto, mas, quando vi os enormes rapazes ao lado de Billy quase não consegui conter o meu queixo.

O mais velho – Jacob – Parecia um cruzamento entre um jogador profissional de futebol americano com Yao Ming[1]. Seth, o mais novo, era da altura do pai (o que era muito, lhes garanto), porém, seu rosto denunciava a pouca idade.

Estacionaram a caminhonete jurássica ao lado do enorme carvalho rubro.

Descobri que o bom humor e conversa fácil era característica dos homens daquela família. Durante todo o jantar, eles protagonizaram a maior parte das discussões. Nunca tinha visto meu pai rir tanto.

Rememoraram muitas aventuras de faculdade, e, claro, contaram novamente a estória do braço quebrado e do casamento resultante.

Entre garfadas e goles, percebi algo... Não sei que termo empregar para isso.

Em vários momentos, peguei a garota mal humorada olhando para Bella com cara de poucos amigos.

Estranhei o fato, já que minha prima estava mais quieta do que nunca. Analisando os padrões de luz refletida no cristal da taça que Esme só usava em ocasiões especiais, sentada ao meu lado como de costume, entre mim e Alice.

Distraidamente, estendi o garfo para o prato de Bella, pegando uma por uma as fatias de cenoura – que ela detestava ardentemente -, e que, teimosamente, minha mãe insistia em lhe empurrar garganta abaixo.

- Obrigada Ed! – Lhe sorri carinhoso, enfiando uma das fatias na boca. Ao que parece nossa intimidade chocou a visitante que se mexeu desconfortável e sussurrou um “que falta de modos”, que pôde ser ouvido por quase todos na mesa.

De fato, não era muito usual se comportar tão livremente a mesa. Em um jantar inglês talvez, mas, estávamos em casa, e em família. A arrogância da garota me exasperou.

Por isso dirigi-lhe um olhar raivoso, o que a deixou ainda mais chocada, pois seu rosto demonstrava uma careta hilária de susto.

Ela deveria estar odiando toda aquela conversa e risadas. Seu hobbie preferido devia ser torturar animais indefesos ou algo assim.

Vi perfeitamente quando Seth chutou a perna da irmã por baixo da mesa. Os mais velhos estavam absortos em suas estórias e no seu vinho, e felizmente não perceberam o que se passava entre os mais jovens.

- Então Edward, soube que você trabalha na clínica com seu pai. O que faz exatamente? – Quase me engasguei com a brusquidão usada pelo mais velho dos Black. Ele me olhava com desdém, algo que muito me surpreendeu, dado o comportamento ameno e simpático de antes, para com meus pais.

O que havia com aquela família?

Parece que metade dela resolveu não simpatizar comigo logo de cara.

Remexi-me desconfortável, e o encarei nos olhos; arranhei a garganta forçando a voz a sair firme e segura:

- Estou passando um período de experimentação. Chame de estágio caso queira. – Tomei um gole de vinho na tentativa de diminuir a estranha apreensão que me tomou ali. Falar sobre o assunto me era desconfortável. Principalmente depois da carta que recebi mais cedo.

- Ah! Entendi... – Um sorriso cretino lhe cobriu os lábios. Senti meu orgulho ferido com apenas aquela pequena sucessão de atitudes e palavras. E logo o clima descontraído, deu lugar a uma névoa densa e pegajosa.

Alice segurou meu braço por baixo da mesa, no esforço de manter a paz. Respirei fundo. Eu era maior do que as provocações sem cabimento de garotão revoltado.

Eu não sabia o porquê de toda aquela hostilidade gratuita que os dois tinham demonstrado até então.

- Então você também cuida dos animais Edward? – A inocente Rebeca retomou o assunto sem me dar tempo para mudá-lo. Apesar de tudo sorri para ela, e afirmei com a cabeça.

- Sempre quis criar um cachorro, como o seu Bella, - ela olhou para minha prima que sorriu nervosamente e um pouco atrapalhada. Era evidente que estava apreensiva pela noite atípica. Apreciava rotina, e provavelmente estava sentindo a tensão no ar, por mais que parecesse um tanto distante e não compreendesse, provavelmente, o tom pérfido da conversa entre mim e o Jacob.

Mas, era fácil para qualquer um ali naquela casa, saber quando o outro estava desconfortável.

Este era o meu caso.

- Mas, mamãe nunca me permitiu... – Ela não terminou a frase; daria para sentir a qualquer distância que a pessoa ligada ao nome era assunto proibido. Lívida, Rebeca olhou para o tampo da mesa, emudecendo.

Leah tornara-se rija como uma pedra, assim como Jacob assumira uma expressão dolorosa. Observei seus dedos pressionando o garfo com tamanha força que vi quando o metal começou a dobrar.

Por um momento, tudo ficou silencioso. Mesmo a parte da mesa em que nossos pais e o Billy estavam antes numa animada conversa. Vi seu rosto se transformar numa máscara de mágoa. Olhei para meus pais que me dirigiram uma resposta cautelosa em forma de expressão.

- Porque ela não deixaria? – Isabella inocentemente perguntou enquanto remexia na sua comida. – Os cães são ótimos companheiros, dependendo da raça, podem ser resistentes e fortes. – Tomei um sonoro gole, enquanto Alice olhava para Bella meneando a cabeça discretamente. Sem que ela sequer notasse, porém.

- Pinturas pré-históricas descobertas na Espanha, revelam que o Canis Familiaris era usado há cerca de sete mil anos atrás, como animal de caça. – E lá vamos nós, pensei. Não pude evitar ficar risonho com a empolgação dela com seu discurso (que mais parecia uma palestra universitária sobre os benefícios dos cães como animais domésticos). – No Egito, quando um cão morria, toda a família ficava de luto... – Fitei seu rosto que assumira um tom rosado, e suas mãos gesticulando.

Rebeca soltou um risinho, demonstrando empolgação com as informações que Bella trazia. Seth permanecia com a mesma expressão simpática.

Porém, quando voltei meus olhos para o “lado negro” da mesa, vi a cara meio de nojo da tal Leah e de tédio de Jacob.

Toquei de leve o braço de minha prima.

- Bells, eu tenho certeza que o Billy vai reconsiderar a decisão de adotar um cão depois disso. – Ela me olhou rapidamente e pisquei para ela. Um sorriso rápido sem erguer os olhos para o restante da mesa, e voltou a se concentrar na refeição.

- desculpe... – Falou baixinho com um ar de riso.

- Que estranha... – Ergui a cabeça rapidamente, e estarrecido com o que fora dito. Furioso, percebi que o meu infame desafiador mirava Bella com algo entre o enfado e o fascínio; não sabia discernir. Ainda não era bom em compreender olhares na época.

Confesso que ainda sou um ávido aprendiz, porém, posso dizer, que até hoje não me vejo capaz de apreender o que se passara naquele momento na cabeça do Black.

- JACOB! – A voz grave e altiva de Billy se fez ouvir do outro lado da mesa. – Não seja mal educado.

Pobre guardanapo: Retorcido como ficou nas mãos enormes do desafiador. Eu sentia que ele queria explodir ali mesmo com o pai, mas, graças aos céus, - ou a um olhar condenatório de certa Alice – ele se conteve.

Eu já falei que minha irmã pode ser especialmente assustadora quando quer? Certamente.

Já discorri sobre as confusões?

Acho que sim; porém, esta em especial começou não apenas com os eventos narrados acima e sim com um simples comentário.

Digamos que foram eventos em cadeia que tornaram aquela noite tão pronunciada. A vexação, a pronta aversão de Jacob por mim, a estranha atenção de Leah para Isabella...

Estávamos todos reunidos na sala de estar. Mamãe mostrava fotos antigas para todos. A lareira estava acesa e as chamas trepidavam deixando o ambiente com ar bem aconchegante.

Conversas sobre os mais diversos assuntos circularam entre os presentes. Depois dos eventos do jantar, o clima pesado parecia ter cedido um tanto.

- Ora, eu me lembro desse jogo. – Billy segurava em suas grandes mãos o álbum vermelho onde estavam encerradas as fotos mais engraçadas e constrangedoras dos nossos pais: O período da faculdade.

- Sim, perdemos para o pior time da liga! – Meu pai, riu alto com alguma imagem provavelmente na cabeça.

- Nossa! Pai, eu sempre imaginei vocês como grandes jogadores! – Alice falou enquanto passava para a próxima foto. Estava sentada no braço do sofá ao lado de Billy.

- Oh, meu deus! Que roupas são essas pai! Não me lembrava de ter visto esta foto antes! – Minha irmã colocou a mão na boca teatralmente, rindo em seguida. Curioso, levantei do meu lugar no sofá e contornei o assento de Carlisle, dando de cara com calças boca de sino e camisa colada de botões.

Esme caiu na gargalhada.

- Minha nossa! – Seth apareceu de algum lugar ao meu lado, olhando a foto. Logo seu riso pode ser ouvido.

- Mãe, eu não posso imaginar como a senhora foi gostar de um cara com esse estilo! – Brinquei enquanto Carlisle me olhava com falso rancor.

- Era moda naquele tempo filho. Ele era o mais belo nessas calças. – Os dois trocaram um olhar encantado, e eu revirei os olhos.

- Podemos ir pai? – Leah ergueu a voz enfadada. Estava de pé, próximo a algumas fotos sobre a estante.

- Daqui a pouco meu bem. – Billy falou sem olhar para ela. Com os olhos ainda grudados nas memórias à suas mãos.

- Não quero que me chame assim, por favor. – Ríspida. Ela olhava fixamente para uma moldura em particular. Exalou pesadamente, e se afastou. E lá estava ele: o clima mórbido e incômodo novamente.

Saiu em seguida como uma bala em direção a varanda. Eu podia ouvir os latidos de Maggie e os barulhos de Isabella e Rebeca no terreno.

Assim que Leah saiu do recinto, Billy abandonou o álbum e esfregou o rosto. Todo o ar divertido se esvaindo dele como o ar de uma bola danificada.

Ele parecia ter mais idade agora com a expressão cansada e melancólica.

- Carlisle, Esme... Desculpem-me! Vocês estão sendo muito amáveis. Mas, minha família... Vocês sabem... – Parou a frase no meio e engoliu forte. Fitando o carpete vermelho a seus pés.

- Não se preocupe Billy! Nós entendemos perfeitamente. Não deve estar sendo fácil para eles. – Meu pai mitigou a situação ruim, colocando-lhe uma mão ao ombro. Olhei rapidamente para a sala, vendo que Seth não estava ali. Ou barulho de copos na cozinha e imaginei que deveria ser ele. Suspirei aliviado.

Porém, reparei que faltava uma pessoa ali. E eu não o via desde o final do jantar.

- Onde está o Jacob? – Questionei em voz alta, intrigado. Será que ele teria ido embora? Olhei instintivamente pela janela. Mas, tudo o que vi fora a correria das meninas e do nosso bichinho de estimação.

- Deve estar lá fora. – Minha mãe fez pouco caso.

- Com licença. – Saí sorrateiro da sala. Olhei novamente pela janela – agora a da frente – E não vi nada.

Foi nesse momento que ouvi passos no piso superior. Não poderia ser Alice, ela estava com nossos pais na sala.

Subi as escadas apressado, e segui os sons até a porta do quarto de Bella. E lá estava ele: De pé a frente do enorme mural com recortes. Era uma estranha diversão dela. Muitas imagens desconexas, cores berrantes e frias misturadas; fotos de desconhecidos... Fotos pessoais de nossa infância; uma seqüência de notas.

Ele caminhou pesadamente entre os inúmeros livros em pilhas pelo chão, derrubando alguns no processo. O que diabos fazia no quarto da minha prima?

- Que garota estranha... Deve ser doida... – Ele se virou para a porta tomando um enorme susto a me ver ali parado, provavelmente com cara de pouquíssimos amigos.

- O que você faz aqui? – Perguntei com voz calma.

- Só dando uma olhada – Cruzou os braços atrás das costas, adotando uma expressão desdenhosa.

- No quarto da Bella, sem a permissão dela? – Me aproximei dele, com as mãos ao lado do meu corpo tomando forma de bolas.

- Bella?! Ah, a esquisita. É assim que se chama então? – Soltou um suspiro de entendimento. Isso me exasperou um pouco mais.

- Por favor, saia! – Pedi e minha expressão era dura através do reflexo no espelho ao lado oposto a mim.

- Calma amigo. Só vim ver um pouco mais da casa dos nossos anfitriões... – Continuou onde estava. Tomou um porta-retratos nas mãos e analisou por um momento.

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10...

Mentalmente me mandei ficar calmo. Não podia sair sendo mal educado com um convidado dos meus pais. Por maior a antipatia que tivesse por ele.

Ele estava apenas me desafiando. Um adolescente. Era tudo que eu precisava: Rever quão idiota essa fase tenebrosa pode ser.

Mas, me ocorreu um pensamento que me arrefeceu de minha ira: Ele tem passado por grandes perdas.

Respirei fundo e meu enfado diminui consideravelmente.

- Desculpa Jacob, sei que deve estar sendo difícil, mas, isto não te dá o direito... – Não pude terminar a frase dita entre dentes.

- Não dê uma de santo consolador. Não se dê ao trabalho. – Me olhou com nada mais que mágoa e ira.

Existem muitas classes de pessoas.

Elas tendem a revelar quem são em sua profundidade em momentos de crise; é quando demonstramos de que matéria somos feitos.

Uma perda, uma grande decisão, um conflito de interesses... Uma derrota; não importa a causa.

Alguns sentem raiva, outros se resignam e tentam enfrentar a realidade;

Outros ainda fogem dela...

No caso, estava frente a frente com um lutador: Aqueles que se envolvem no maior número de conflitos possíveis no caminho para o alívio de suas dores.

- Você e essa sua familiazinha... São como o meu pai. Tudo não passa de dissimulação. – Cuspiu suas palavras e procurei ficar passivo diante daquele desabafo. Não era tão sábio na época, mas, já o suficiente para saber que aquele rancor todo não era endereçado a mim.

- E não fique aí com essa sua cara de superioridade. – Ele depositou violentamente o porta-retratos na mesa de cabeceira. – Você e essa sua prima doida devem se divertir muito não é mesmo? – Me olhou com vileza. Piscou um olho. E, finalmente toda a couraça de compreensão se foi.

- Sabe, ela até que não é de se jogar fora. Se eu tivesse a chance, iria ensiná-la umas boas coisas. – Me segurei para não avançar sobre ele. Era isto que ele queria. Uma briga, um objeto para descarregar seu rancor.

E lá estava eu provocando-o com meu comportamento comedido.

- Por favor, Jacob. Não fale dessa forma dela. – Minha voz saiu quase como um rugido. Longo e vagaroso. Minha garganta até ardeu no processo, era como se as palavras fossem espinhosas.

Não as palavras, mas, a calma que por esforço mantinha. Eu sempre fui um cara meio esquentado. Mas, na maioria das vezes, era por Bella que eu me envolvia nas maiores brigas. Ah, como no feriado.

Sabedor agora do meu ponto fraco, sorriu vitorioso.

- Hum, acho que vou tentar introduzir algo novo na psicótica da sua prima. O que você acha? – A frase, obviamente baixa e cheia de duplos sentidos bateu como uma bigorna na minha cabeça.

Não há como explicar de forma alguma a raiva que me tomou naquele momento. Não tinha como manter o controle.

Senti um gosto estranho na boca, meu coração tomou um ritmo exacerbado... Tinha vontade de matá-lo!

Ah, meus amigos, a ira: um dos sete pecados capitais. Não há como conter a força dela. Você se sente desaparecer a sua sombra e tudo que resta é a força bruta ou as palavras torpes.

Se você já se sentiu assim, vai me entender.

E entender porque avancei em cima dele ali mesmo, no quarto.

Duas brigas numa mesma semana; minha vida estava ganhando um ritmo destrutivo. No momento, nem pensei que arrebentaria ainda mais meu pobre rosto.

Empurrei seu pescoço com as mãos, pressionando o enorme corpo na estante de livros, derrubando vários deles no chão. Consegui segurar Jacob.

E a situação era ridícula. Eu me sinto ridículo de relatar isto a vocês. Parecia que minha preferida atividade era fazer papel de cão raivoso.

Ele podia ser maior do que eu, mas, eu era mais velho. Tinha mais coordenação. Isso não me livrou do empurrão.

Não foi bem uma briga pensando bem, apenas um confronto verbal acalorado.

- Jacob, o que você está fazendo idiota! – Seth chegou ao quarto. Pensei que era hora de parar de bancar o herói defensor. Estava me custando muito. – Você é louco ou o que? Acha que esta ajudando de algum modo agir assim? – Não parecia que Jacob era o mais velho ali.

E o incrível aconteceu: Pensei que ele brigaria, ou até bateria no irmão, sei lá. Mas, ele apenas saiu porta a fora, no mesmo instante em que meu pai chegava ao andar de cima.

- O que está acontecendo aqui? – Meu pai questionou calmo, mas, com uma ruga perceptível entre as sobrancelhas. – Parece que vocês estavam promovendo uma rinha aqui em cima. O que houve?

- Nada senhor Cullen, só o idiota do meu irmão. Desculpe-me. – Ele me olhou – Me desculpe Edward. O Jacob não é um cara mal nem nada; ele não tem andado bom da cabeça desde a morte da mamãe. – Seth baixou os olhos e esfregou os cabelos curtos sem graça.

- Tudo bem Seth, vamos omitir isso de seu pai. Digamos que vocês derrubaram alguns livros de Bella, só isso. – Carlisle andou até uma das pilhas de livros e procurou por algum tempo até encontrar o volume de uma enciclopédia sobre cães. – Já temos um álibi. – Sorriu vitorioso. – Vamos.

***

No fim das contas, ninguém além de meu pai, Seth e Jacob pareceu se importar com o que houve no andar de cima. Bem, ninguém ignorou o barulho, mas acreditaram na versão do meu pai. Porque ele mentiria afinal?! Sim, mas era de Carlisle que estávamos falando.

Passei a toalha nos cabelos molhados sentindo os respingos sobre meu peito nu. Passando pelo corredor pude ouvir uns risinhos. Era Rebeca que do quarto de Bella olhava para mim pela porta aberta. Com as mãos sobre a boca e os olhos pressionados em fendas segurava uma gargalhada. Vestia um pijama muitos números maior que ela. Um empréstimo por certo.

Ela acabou pedindo – implorando seria mais apropriado – para o pai que ficasse ali durante a noite. Ela se encantou por Bella. Entre as conversas e estórias contadas ficou uma boa amizade entre as duas.

Isabella sempre se deu melhor com algumas crianças do que com adultos. Em geral, era das menores de que mais se afeiçoava.

Parei e a olhei zombeteiro. Fiz uma careta gozada e ela soltou a gargalhada. Neste momento Bella apareceu no meu campo de visão apenas com uma toalha ao redor do corpo, distraidamente andando para o corredor e passando por mim.

Não pude evitar acompanhá-la com o olhar. Senti um formigamento bizarro em algum ponto abaixo do meu tórax. Fiquei estático por um momento. E olhei constrangido para A pequena figura que me fitava bem de perto agora.

Senti meu rosto ardendo.

Rebeca estreitou os olhos e colocou as mãos nos quadris, meneando a cabeça.

- hum – pigarreei – Vou colocar o pijama. – Saí o mais rápido que pude, intimidado por uma menina de sete anos.

***

Podia ouvir do meu quarto um pouco dos gritinhos eufóricos de Rebeca e os discursos de Bella.

Andei, pé ante pé, até o quarto, dando de cara com uma cena cativante:

Em torno de Alice, Bella e Rebeca riam sem parar enquanto ela imitava alguém e parecia ser... EU!

- Eu não falo desse jeito! – Todas tomaram um susto a me ver parado a porta do quarto. Fingi indignação.

- Oops! – Rebeca soltou.

- Olá meus queridos. – Esme apareceu para sorte de suas peles. – Vim desejar-lhes boa noite, e ver se nossa pequena hóspede está bem acomodada.

Rebeca fez que sim com a cabeça.

- Obrigada dona Esme.

- Oh, querida, por favor, não me chame assim. Faz parecer que tenho oitenta anos e seguro uma bengala. – Sorri para minha mãe e beijei-lhe o rosto. – Me chame de tia, ok?!

- Mas, eu chamo você assim. - Bella observou do seu modo peculiar. Não com raiva ou mágoa infantil. Só uma observação como qualquer outra sobre o tempo.

Um “boa noite mãe, tia” foi enunciado ao mesmo tempo por nós.

Alice passou por mim e me deu uma tapa no traseiro. Sorrindo sapeca. Meneei a cabeça enquanto as outras duas riam da minha cara, provavelmente.

Fui até a cama improvisada de nossa pequena visitante, e lhe dei um beijo na testa. O que a deixou vermelhinha de constrangimento.

- Boa noite pequena zombadora. – Sorri torto para ela.

Bella arrumava as cobertas da cama, e cantarolava uma melodia misteriosa.

Cheguei por trás dela despreocupado, fui dar-lhe o tradicional “boa noite” com um beijo na bochecha; mas, de ela se virou distraída com a sua tarefa e meus lábios acabaram por acidente encaixando nos seus.

Um choque.

Senti uma febre excêntrica

E parecia que meu coração havia pego carona nalgum trem bala.

Eram macios, suaves como ela toda. Em lugar de me desvencilhar e rir da situação, coloquei uma mão em sua cintura delicadamente em apoio, já que ela perdera o equilíbrio no processo; a situação só durou uns segundos, mas, como tudo é relativo...

- Desculpa! – Ri de nervoso.

- Hunhum. – Ela disse desviando dos meus olhos.

E parecia tão afetada quanto eu, ou estava ficando louco.

Com certeza era a última opção.

Virei para trás rápido como um foguete. E, graças a Deus! Rebeca estava ocupada demais com alguns livros ilustrados de Isabella para reparar no que houvera. Na mente de uma criança, o pequeno acidente poderia tomar outras formas...

[1] Considerado o mais alto jogador de basket na NBA.


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