O Diário Secreto de Uma Caçadora escrita por FaaniZabini


Capítulo 2
Cemitério




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Capítulo II – Cemitério

04 de novembro de 2009

Tudo pareceu água limpa esta noite, quando encontrei Matthew.

Você deve estar se perguntando: quem é Matthew? Bem, na verdade, você não está, porque é só um caderno sem vida, mas mesmo assim merece saber quem é ele. Que seja, eu ainda não tenho certeza.

Você também deve estar se perguntando: o que é uma Caçadora, lembra, aquilo que Tristan me falara naquela noite? Bem, na verdade, você não está, porque é só um caderno sem vida, mas deve contar o que é uma Caçadora, quais suas funções no mundo e tudo mais. Enfim, comecemos do começo.

Durante a aula inteira de hoje, Nathan não me olhou na cara. Okay, isso era totalmente previsível, devido às estranhas coisas que aconteceram da última vez que estivemos juntos. De qualquer forma, eu passei ao seu lado quando o sinal bateu, para ver se ele se tocava que sua atitude estava me magoando profundamente. E não é que funcionou?

-Oi.

Nathan me puxou pelo braço, segurando-me firmemente para que eu não saísse correndo dali – eu tive certeza de que era esse o motivo daquele aerto todo. Não é que eu estivesse reclamando, é claro, uma vez que aquela força era tudo o que eu precisava. Seus olhos mostravam que tivera uma luta interna entre me ignorar e ir falar comigo, antes de ter tomado a decisão.

-Pensei que iria continuar como se eu não estivesse aqui – sibilei, ofendida.

-Desculpe – ele sorriu e eu morri – Você está, hum... Você está bem?

-É, acho que sim – dei de ombros como se não fosse nada, mas as olheira em torno de meus olhos me dsmentiam.

-Anne, aquela noite, aquela coisa...?

-Não sei o que é – eu fui sincera – Nem tenho idéia.

-Minhas costas então doloridas, sabe, eu fui arremessado pra longe – reclamou, fazendo um biquinho sexy.

-É, eu também estou doída – ele não precisa saber que, estranhamente, eu me senti revigorada com aquela luta, não é?

-Não sabia que você podia ser tão forte – Nathan crispou os lábios, mostrando que não gostava de verdade do fato de eu ser mais forte que ele.

-O que eu posso fazer? – ele também não precisa saber que eu não tinha noção de como fizera aquilo.

Ele suspirou, soltando-me e caminhando ao meu lado em direção à porta. Meus pensamentos voaram de "o que eu estou fazendo aqui?" para o "ele fica tão sexy nessa calça jeans colada". Tentei não encará-lo, mas ele me olhava, o que deixava isso difícil.

-Como você fez aquilo? Sabe, combater aquela coisa? – perguntou, casualmente. Mas é claro que eu sabia que não tinha nada de casual naquela questão.

-Não entendi direito. Eu só fui lá e fiz – dei de ombros de novo, começando a pensar no quão irritante estava aquela conversa.

-Não sei se você reparou nos chutes que deu, mas parecia que treinava há anos – eu sorri internamente, vendo a expressão indignada em seu rosto.

-Eu sou mais forte que você – murmurei, tapando a boca com a mão para segurar o riso.

-Não, você não é – resmungou, fazendo aquele bico de novo – Não há meios lógicos para você ser mais forte que eu.

-Você viu como eu sou, Nathan – retruquei, estressada.

Fazia noites que não dormia e, no pouco que dormi, tive pesadelos estranhos, terríveis e, de um modo estranho, animadores. Minha cabeça doía desde que saí da aula de Física, há mais de hora. Uma carga de adrenalina estava me invadindo desde que acordei, num dia em que não tinha Educação Física. Nathan jogava as minhas próprias dúvidas num inquérito contra mim, como se suspeitasse que vendi minha alma ao diabo e, para completar, achava improvável que eu fosse uma garota forte. Uau, posso sentir que a consideração passou longe dali.

-Não pode ser – ele me encarou profundamente, aqueles olhos brilhando de um jeito meio obsessivo quando voltou a segurar meu braço com mais força do que devia.

Eu bufei e o empurrei com a mão livre, fazendo-o bater de costas na parede. Ele parecia pasmo demais para dizer alguma coisa, assim como eu. Olhei para os lados, mas ninguém parara para ver a cena.

-Isso é impossível, improvável e tem alguma coisa errada – ele quase gritou comigo, totalmente alterado, me virando as costas e saindo dali.

A raiva tomou conta de mim. Quem ele pensava que era para menosprezar minha força? Bufei de novo, indignada, pronta para voltar a marchar em direção à saída, quando alguém parou na minha frente. Era um homem alto e esguio, que vestia terno com calça social e carregava uma pilha de livros grossos, o que me lembrou que precisava estudar para Biologia ou seria comida viva pelo professor cara de barata amassada.

-O que foi? – perguntei, irritada, vendo que ele não planejava sair tão cedo da minha frente.

Ele pareceu não saber o que dizer por um tempo, então sorriu.

-Você tem muitas perguntas, suponho.

Ergui as sobrancelhas, como que dizendo silenciosamente "não precisa ser um gênio para notar isso, quer mais alguma coisa ou pode sair da minha frente?". Ele pigarreou alto, deixando cair um livro pesado que carregava no chão. Olhei para o volume, que estava intitulado como Vampiros: criaturas da noite.

-O que é isso? – indaguei, grossa, apontando para o livro, o sangue fugindo de meu rosto.

-Tristan me contou que você ainda não sabe o que é, Anne – ele sorriu, pegando o livro de novo – Meu nome é Matthew. Eu vou te explicar cada detalhe disso.

Mamãe disse para nunca pegar carona com estranhos – é um dos motivos pelo qual escondo esse diário, uma vez que estaria completamente de castigo se alguém o lesse -, mas não foi fácil resistir a tentação de ter todas as minhas questões respondidas. E, além do mais, eu tinha a minha super estranha força.

Entrei na Chevy de Matthew, que cheirva gasolina e pneu queimado. Reparando nele, parecia um cara sério. Os cabelos já estavam grisalhos e os olhos azuis cintilantes com rugas profundas nos cantos. Tinha a aparência de um típico inglês tradicionalista, daqueles que bebem chá toda tarde e odeiam McDonald's.

-Quem é você? – perguntei, em tom ameaçador.

Eu tinha super força e, seja lá como a conseguira, ela deveria ser usada.

-Matthew – disse, girando a chave na ignição.

-E de onde você veio, Matthew? Não é possível que tenha aparecido por acaso com as respostas que procuro – ele me encarou, cético.

-Já percebeu a força que tem, Tristan me avisou sobre isso – resmungou, voltando o olhar para a rua.

-Então, pode começar a me explicar o que diabos é isso que aconteceu comigo.

-Você foi a Escolhida – começou, sem me encarar, os olhos focados na direção.

-Quem me escolheu?

-O destino.

Revirei os olhos, incapaz de acreditar que estava ouvindo uma besteira daquelas.

-Okay, eu acredito. Qual é o meu papel nesse conto de fadas? – perguntei.

Matthew desviou-se da estrada, encarando-me com seriedade.

-Não tem nada a ver com contos de fadas – falou.

-Que seja – voltei-me para a janela, olhando a rua passar por mim lentamente – O que eu faço?

-Você salva o mundo.

Eu gargalhei, mas ele pareceu não gostar muito. Me diga, como eu poderia salvar o mundo? Sério, eu precisava rir daquele jeito há dias.

-Eu, salvando o mundo? E qual vai ser a ameaça, um vidro gigante de botox? – eu ri de novo, desta vez tentando em vão me controlar.

-Você já notou a força que tem. Essa força tem um propósito.

-E o meu propósito é salvar o mundo? – sorri, divrtida.

-Tristan me contou que você já matou um vampiro. Achei que depois disso, fosse acreditar que o mundo precisa ser salvo – Matthew resmungou.

-E o mundo precisa querer ser salvo – eu olhei para o teto do carro, impaciente – Quando você vai começar a me contar por que eu sou mais forte que Nathan?

-Porque você é a Escolhida. Você é a Caçadora – ele sorriu, como se sentisse orgulho de alguma coisa.

-Caçadora, foi o que Tristan falou naquela noite – murmurei pra mim mesma – E no que consiste ser uma Caçadora?

-Em toda geração, há uma Caçadora. Quando uma morre, outra é, digamos, acionada. Ela deve lutar sozinha contra os vampiros, os demônios e as forças das trevas em geral. Ela deve salvar o mundo.

Poético, sim. Sem sentido, sim.

-Okay, então vai me dizer que eu sou a Escolhida para uma missão divida de exterminação das coisas mundanas? – tentei soar filosófica, mantendo a expessão séria.

-As coisas que não são mundanas – foi a sua vez de soar impaciente – Demônios. Sabe o que são?

-Seres feiosos e chifrudos que vêm do inferno? – eu sorri, novamente me divertindo.

-Sim, exceto a parte dos chifres. Eles são fortes, por isso essa sua força toda. Você deve lutar com eles, derrotá-los, por isso deveria ser forte o suficiente para superá-los – ergui as sobrancelhas, confusa.

-Okay, pode me explicar toda essa história de Caçadora de novo? – pedi.

É claro que aquilo não fazia sentido algum – pelo menos, não pra mim -, mas de qualquer jeito, eu tinha super força. A explicação que consistia em eu ser a tal Caçadora de seres infernais era a teoria mais aceita. Era melhor que o meu sonho com as coisinhas amarelas da noite passada, que me fez pensar se não estaria me tornando uma delas.

-Uma antiga profecia declara que em toda geração, há uma Caçadora. Quando uma morre, aparece outra, talvez no mesmo lugar, talvez do outro lado do mundo, como aconteceu agora. Você é a Caçadora desta vez e outra só poderá ser acionada quando você morrer. O que, nessa situação, pode ser daqui há anos, meses, dias ou até mesmo agora; depende do que aparecer pela frente. Você luta contra demônios e vampiros, estes que também são demônios. Você tem força, agilidade e precisão, só precisa se tornar mais habilidosa. E trabalhar em sigilo, é claro. Não vai querer sair contando pra todo mundo que é a Caçadora, acredite em mim, não vai gostar desse tipo de atenção.

Matthew parou para tomar ar, estacionando o carro em frente ao cemitério da cidade. Estremeci, o vento frio passando zunindo por meus ouvidos. A touca que eu usava subiu um pouco, deixando minhas orelhas vermelhas à mostra. Toda aquela história era besteira. Aquilo era impossível, tinha que ser.

-Pode me provar que eu sou a Caçadora? – perguntei, encarando-o.

-Assim que anoitecer, venha até aqui – apontou o cemitério – E então voltaremos a conversar. Quer uma carona pra casa?

Sorri, maneando a cabeça afirmativamente.

A noite está caindo e não sei o que faço. Vou até lá ou não vou?

Outra coisa que mamãe sempre me diz é que nunca devo sair à noite com pessoas estranhas, ainda mais para cemitérios – não que já tenhamos tido muitas conversas sobre cemitérios, é claro. Mas acredito solenemente que Matthew não vá me machucar – além da força que descobri ter, ele já teve chances melhores que esta e não fez nada. Além disso, ele soou sincero sobre aquela baboseira de Caçadora.

No fundo, eu quero acreditar que tenho uma função nesse mundo. Não que seja muito fácil adicionar ao fardo que sou a responsável por ele continuar girando – literalmente – e lutar, talvez até minha dolorosa morte, com vampiros sanguinários e demônios feiosos e chifrudos.

Como eu disse, está escurecendo. Já disse para mamãe que vou até a casa da April e avisei April que não ligasse aqui. É por isso que é tão bom ter amigos, porque eles nunca perguntam nada sobre os favores confusos que você pede.

O vento lá fora diminuiu. Acho que a tempestade de neve realmente não vai rolar. E acho que estou saindo. Se eu voltar, conto tudo depois. Se não, sabe que a história da Caçadora é verdadeira e que fui morta por um vampiro. Ou me matei porque encontrei Nathan na esquina com outra.

Por: Anne White.

04 de novembro de 2009, madrugada sombria

A informação foi demais, mesmo pra um um cérebro igual o meu. Acho que vou explodir, não sei se de medo, felicidade, orgulho ou raiva. Tudo aconteceu tão depressa quanto quando lutei – essa é a palavra certa, creio – com aquela coisa que Tristan garantiu ser um vampiro.

O que posso fazer? A novidade é que ele estava certo. Ainda não consigo acreditar nisso, que vampiros, demônios e profecias existem, mas isso é um fato tão concreto quanto eu estar escrevendo nesse diário.

Caminhei até o cemitério devagar, pensando no que iria fazer quando chegasse lá. Como medida de prevenção, levei uma faca de cozinha – pode não parecer muito, mas ela me foi bem útil esta noite – e preparei-me para socar. Um fato: minha super força está começando a me deixar autoconfiante demais. Matthew me esperava em frente ao portão, como prometera. Ele levava nos ombros uma mochila de viagem e, na mão, um crucifixo grande. Ri internamente, pensando no que seria de mim se alguém me visse com um ser humano daqueles numa situação daquelas.

-O que eu tenho que fazer? – perguntei, sem rodeios.

-Pegue a bolsa da Caça-Vampiros – Matthew apoiou a mochila no muro mais próximo, abrindo-a.

Inclinei-me para ver melhor e não me envergonho de dizer que quase caí pra trás quando percebi que aquilo tudo, fosse o que fosse, era sério. Sabe aquele arsenal de armas dos Winchester, em Supernatural? Some com a aquela arma que o Van Helsing usa no filme, uma porção de estacas, vidros e mais vidros de água benta e um arco e flecha com ponta de madeira.

-Eu posso usar isso? – perguntei, animadamente pegando na mão aquela coisa estranha do Helsing.

-Você nem sabe usar uma estaca, quanto mais a besta – replicou, me tomando a tal besta das mãos – É melhor começarmos nossa patrulha dessa noite...

-Patrulha? O que diabos eu vou patrulhar? Algum tipo de prisão de vampiros? – eu ergui uma sobrancelha, cruzando os braços e o encarando.

-Eu te falei sobre a patrulha – ele fez o mesmo.

-Não falou.

-Falei sim.

-Não falou.

-Falei.

-Eu disse que não falou.

-Eu sei que eu...

-Escuta aqui, eu sou mais forte que você, então se eu digo que não falou, é porque não falou – retruquei, irritada.

Ele suspirou, balançando a cabeça e certamente pensando "esses adolescentes de hoje em dia são pior que todos os demônios juntos".

-Você precisa garantir que nenhum vampiro saia desse cemitério, entendeu?

-Que ele não saia da cova pra morder todo mundo? – chutei, esboçando um sorrisinho.

-Mais ou menos isso. Mate o que encontrar pela frente que seja anormal.

Estremeci. Não era minha idéia de programa pra segunda-feira à noite sair matando alguma coisa em cemitérios sombrios, mas eu prometi a mim mesma que iria até lá e tentaria entender essa bagunça dos diabos. Ou demônios.

-E quando o primeiro vai aparecer? – indaguei, num tom mórbido.

-Se tivermos sorte, logo encontraremos algum.

Sorte? Desde quando era uma sorte encontrar vampiros sanguinários?

-Agora, escute aqui – disse-me ele, sério, enquanto começamos a caminhar por entre túmulos – Eu não posso te ajudar a lutar, porque eu não tenho nada além de estacas.

-O que é suficiente pra matar um vampiro – respondi – Certo?

-Sim, mas eles não são fáceis de domar até que a estaca chegue ao seu destino – eu fiz uma careta – Você vai lutar bravamente com eles e eu...

-E você vai ficar olhando minha morte lenta e dolorosa – resmunguei, fazendo um bico indignado.

-Você não vai morrer, é mais forte que um exército – Matthew revirou os olhos – O que eu quero dizer é que eu sou só um Sentinela, eu não posso entrar na luta a não ser que o vampiro em questão esteja prestes a te matar.

-E quando você diz "prestes", quer dizer "com um dos dentes já na sua garganta"? – ele consentiu – Ótimo, realmente ótimo. E o que é um Sentinela?

-Um Guardião – contou, dando de ombros – É a minha tarefa cuidar de você, te instruir e te treinar.

-Como se já não houvessem pessoas suficientes pra pegar no meu pé – sussurrei para mim mesma, bufando.

-Nenhuma delas trabalha para o Conselho – ele revirou os olhos de novo, vendo minha cara de incompreensão – Conselho dos Guardiões. As pessoas que treinam outras pessoas para cuidar da Escolhida.

Eu funguei, ofendida. Foi quando ouvi um barulho, vindo de uma tumba antiga. Me virei para Matthew, mas ele continuava a resmungar sozinho sobre o tal Conselho. Provavelmente, não percebera que havia mais alguém ali – ou alguma coisa terrível me aguardando.

-Cale a boca e não respire alto demais – ordenei e ele se calou, confuso e indignado – Está ouvindo isso?

-Ouvindo o quê? – perguntou num sussurro, agarrando com mais força o crucifixo – É um vampiro, não é?

Some um barulho aterrorizante, um cemitério assustador, uma tumba arrepiante e um cara chato do seu lado fungando e falando sobre vampiros. O resultado é uma suposta Caçadora à beira de um ataque de nervos. Apertei a estaca, pronta para fazer o que quer que precisasse – só descobri que estava pronta quando minha mão passou pela abertura da tumba, empurrando-a para que pudéssemos entrar.

-Droga – respirei aliviada ao ver que era só Tristan – É só você.

-Eu e o monte de cinzas ali – ele apontou para um canto qualquer, passando a mão pelos cabelos – Isso não está certo.

-O que não está certo? – perguntou Matthew, olhando para os lados como se esperasse que leões (ou vampiros) saltassem do nada para cima de nós.

-Eu te disse, Harris – resmungou Tristan, num tom irritado – É esta a tumba. Ela está sendo constantemente visitada por vampiros. Alguma coisa está acontecendo, eu sei que está.

-Procure um de seus contatos e descubra – Matthew fez bico, ao ver que o loiro (e que loiro, diga-se de passagem) dizia uma coisa útil.

-Não é bem assim – retrucou, me encarando pela primeira vez – Vocês estão patrulhando?

-É – assenti – Não encontramos nada. Teve mais, digamos, sorte do que nós.

Matthew fungou, cruzando os braços ofendidamente. Dei de ombros, vendo um sorriso malicioso brotar nos lábios de Tristan.

-Quer brincar um pouco, Caçadora? – perguntou, se aproximando de mim.

Não que ele fosse um deus grego – o que, de fato, ele era -, mas senti meu estômago congelar ao vê-lo chegar tão perto. Respirei fundo, apertando inconscientemente a estaca entre meus dedos.

-Tristan! – advertiu-o Matthew, se pondo entre nós.

Droga, eu o odeio.

-O que foi? É uma das minhas tarefas, sabe, ajudar a treinar a Caçadora – Tristan fez biquinho, jogando os cabelos para trás do mesmo jeito que fez naquela outra noite.

-Eu sou mais forte que você também? – perguntei, animada.

-É – resmungou ele – Um bom tanto.

-Existe alguém mais forte que eu? – sorri, divertindo-me.

-Não – Tristan estreitou os olhos – Quer lutar comigo ou não?

-Por que eu lutaria com você se eu sou mais forte? – eu ergui uma sobrancelha.

-Porque você precisará da habilidade que eu tenho – retrucou, cruzando os braços – Ou acha que consegue me vencer?

-Tenho certeza que...

-Tristan e Anne, parem com isso! – exclamou Matthew, exasperado – Os dois vão patrulhar agora, certo?

Nós trocamos um olhar de "deixemos esse assunto inacabado pra outra hora", então encaramos Matthew com cara de "já que você insiste". Tristan pegou um par de estacas e colocou num bolso interno do casaco preto (o mesmo que usara ontem, acredita?), me jogando um rifle com estacas ao invés de balas. Sorri pra mim mesma, imaginando-me usando aquela arma.

-Você não vai precisar de nada além da bolsa – Tristan sorriu de lado ao ver os olhos arregalados de Matthew – Se aparecer algo maior que um vampiro, grite.

-Mas eu nunca encontrei um vampiro! – exclamou o meu suposto Sentinela.

-E daí? Eu nunca matei um vampiro, também – falei – Mas se você tiver sorte...

-Eu já entendi, vão de uma vez – murmurou, emburrado.

Saí pela abertura da tumba sem dificuldades, aceitando a mão que Tristan me oferecia. Bati a poeira de minhas roupas e abri bem os ouvidos para poder ouvir se alguma coisa viesse em nossa direção.

-Minha audição é melhor que a sua, não tem ninguém por perto – disse Tristan – E então, resolveu não trazer o namorado pra patrulha?

-Ele não é meu namorado – não pude evitar um sorriso, mas ele pareceu não perceber.

-Por vontade de qual dos dois? – ele sorriu, divertido.

-Cale a boca, Tristan – eu mordi o lábio para não sorrir também.

-Me chame de Trip – falou – Tristan é muito estranho.

-Okay, Trip – concordei – Então, eu sou mesmo a tal Caçadora?

-É – ele deu de ombros – Você tem a força de uma e os vampiros começaram a ser atraídos por você.

-E o Matthew é o Guardião, então?

-Não sei como o escolheram, mas ele é – Trip sorriu vagamente.

-E você? Disse que é sua missão ajudar a treinar a Caçadora – lembrei.

-Eu tenho contatos, digamos – eu ergui as sobrancelhas – Também sou um tipo de Escolhido, se considerarmos assim.

-Você só vai ajudar o Matthew a me treinar? – perguntei – Só isso?

-É. Minha força quase se iguala à sua, mas mesmo assim você é ainda a mais forte – ele fez uma careta indignada – Qualquer pessoa normal, seja o Guardião ou não, iria levar uma surra da Caçadora. Bem, eu também vou levar quando você ficar prática – nós dois sorrimos; pela saúde da Escolhida, que sorriso era aquele! – Mas você não vai ficar prática se não treinar e não vai conseguir treinar de verdade com o Matthew. E tem alguém nos seguindo.

Eu o encarei, confusa. Ele levou um dedo aos lábios, mostrando-me para permanecer em silêncio. Num sussurro quase inaudível, disse:

-Esteja pronta pra me ajudar.

Então deu um salto para trás, numa velocidade que me deixou tonta, prensando alguma coisa em cima de um túmulo sem esforços. Corri até lá e meu coração quase foi pro pau com a surpresa que tive.

-Nathan? – eu quase gritei, fato.

-Posso soltá-lo? – perguntou Trip, calmamente.

-O que diabos você está fazendo aqui? – e nesse momento, ele me encarou e disse "eu sou um vampiro". Brincadeirinha.

-Eu... vim... ver... você... – respondeu, arfante.

-Trip, solte-o – ordenei. Trip fez uma careta e então me obedeceu (eu sou poderosa, fato) – E me diga, o que faz aqui?

Nathan me encarou, confuso, ofegando. Trip cruzou os braços em frente ao peito, de forma indagadora. E eu permaneci ali, olhando para aquele rosto perfeito com perplexidade.

-Eu vim atrás de você até você entrar naquele lugar – sussurrou, passando a mão sobre a blusa de lã.

-Na tumba? Ele estava te seguindo desde lá e você não tinha notado? – perguntou Trip, indignando-se.

-Desculpe se eu não tenho audição, minha área se limita a ter a força por aqui – resmunguei, colocando as mãos na cintura.

-É madrugada, o que você faz aqui? – Nathan indagou, sério.

-Por que você a seguiu? – retorquiu Tristan.

E tudo o que eu precisava era de uma discussão entre os dois...

-Primeiro, porque eu sabia que tinha alguma coisa errada, pois ela é mais forte do que eu...

-Entre pro clube – concordou, erguendo uma sobrancelha.

-E segundo, o que vocês dois estão fazendo juntos? – ele me encarou, indagador.

-Estávamos namorando dentro da tumba – disse Trip, de mau humor.

-Cale a boca – sibilei, ruborizando.

Talvez porque a pessoa que estava ouvindo era Nathan, talvez porque tivesse realmente imaginado nós dois namorando na tumba.

-É do nosso sexo que vem a força dela e minha precisão, sabe?

Eu me estressei e não sabe o que eu fiz. Com uma mão, segurei o punho de Nathan – que estava "voando" em direção ao nariz de Trip. Com a outra, eu dei um soco abaixo do queixo de Tristan, fazendo-o recuar para trás com a mão no osso e um grito de dor.

-Eu disse pra você calar a boca! – falei, sentindo-me repentinamente culpada pelo queixo de Trip.

-Obrigado – agradeceu Nathan, sorrindo.

-Eu quero que você suma da minha frente – sibilei – Agora.

Um segundo depois de ter dito isso, me arrependi profundamente. Mas não retirei minha palavra, porque uma Caçadora não se arrepende do que diz. Acho.

-Eu não vou ir embora antes que você me conte porque é mais forte do que eu e do que ele – Nathan fez um biquinho indignado, mas dessa vez, eu quase suspirei de raiva.

-Eu sou mais forte do que você, aceite isso – retruquei, extremamente irritada – E o motivo disso, é ultra secreto, então se alguém chegar a saber dessa minha força, você vai...

-Ela é a Caçadora.

Olhei para Trip, indignada. O que era aquilo, conspiração? Antes que eu respondesse, vi-o levantar-se de onde o deixei caído (é, eu sou demais) e saltar sobre alguma coisa. Dei um salto até lá – meu salto alcançou dimensões imensas, é sério – e o encontrei lutando com um vampiro. Atrás de mim, ouvi Nathan se aproximando.

-A estaca! – exclamou Tristan, lutando o bicho com dificuldades.

Acho que ser uma Caçadora é isso, não é? É lutar e só perceber depois que o fez. Foi o que aconteceu. Quando dei por mim, já tinha chutado o vampiro para longe de Trip e desfechava socos em seu rosto deformado. Virei-me e Trip me jogou a estaca que levava no bolso – detalhe: as minhas tinham caído em algum momento qualquer – e peguei-a habilmente, cravando-a com agilidade no peito do bicho. E então, ele virou pó.

-Obrigado – joguei a estaca de volta para Tristan e ele, em vez de pegá-la, deu um pulo e desviou – O que foi?

-Desculpe – murmurou, pegando-a do chão – Reflexos.

-Você foi... Incrível – murmurou Nathan.

Eu e Trip nos entreolhamos, ele com tom de culpa. Respirei fundo, olhando para os próprios pés e encontrando um meio de dizer aquilo.

-Eu sou a Caçadora – falei, esperando atentamente sua reação.

-O que é uma Caçadora? Anne, você caça o quê? – indagou, visivelmente confuso.

Eu suspirei.

-Eu devo salvar o mundo dos seres infernais, Nathan – ele arregalou os olhos – É por isso que eu sou forte.

-E rápida, eu vi você e aquela coisa lá trás... Espera, aquilo era um vampiro? – seus olhos se arregalaram ainda mais quando confirmei com a cabeça – Irado!

-Irado? Se ela não estivesse aqui, você viraria comida! – exclamou Trip, pasmo.

É assim que seria, percebi. Eu lutaria, Tristan me ajudaria, independentemente, e o restante das pessoas reagiria daquele modo (exclamando "irado!") quando eu as salvasse dos vampiros. Entendi porque não havia nenhuma profecia sobre Caçadoras conhecidas pelo mundo inteiro e louvadas por seu trabalho.

-Como você faz aquilo? Sabe, pular no pescoço das pessoas? – perguntou Nathan, animado.

-Eu tenho habilidades que você não tem – sibilou Trip, começando a se irritar seriamente.

-Habilidades? Você é, tipo assim, um...

Um... O que Nathan achava que Trip era, nunca chegaremos a saber. Um grito agudo cortou o ar, deixando-nos (refiro-me à Trip e a mim, pois Nathan ainda estava meio, digamos, dopado) em estado de alerta.

-Matthew – sussurrou ele, de forma que só eu ouvisse.

-Droga – murmurei, me preparando para correr.

-Suba nas minhas costas – ordenou, sério – Vamos, nunca vai chegar a tempo!

-Fique aqui e não se mova – falei para Nathan, subindo nas costas de Trip e tendo uma das experiências mais estranhas da minha vida até chegarmos à tumba.

Pense em uma pessoa que corria mais rápido que a multiplicação de três cavalos de corrida. Agora, some uma maratona. Em três segundos, nós atravessemos o cemitério e desci de suas costas, meio tonta, mas pronta para entrar em ação.

-Espere! – exclamou Trip, olhando para dentro da tumba – Nós precisamos sair daqui agora.

-Mas e...

-Essa coisa não vai matar ninguém esta noite, a não ser que nos encontre – disse, num tom que identifiquei como sendo medo.

Inclinei-me para ver a coisa mais assustadora de minha vida. Era, visivelmente, um demônio. Era robusto (dava três de Tristan) e sua cor era uma mescla de azul marinho com verde musgo. Na cabeça, orelhas curtinhas. Nos pés, cascos. Me perguntei como Trip não ouvira o barulho daqueles cascos, sendo que ouvira o tênis com amortecedor de Nathan à distância.

-Isso é pior do que eu pensava – comentou, me puxando – Aquele vampiro lá trás, ele era uma distração pra você. Se eu não tivesse visto ele chegando, estariam lutando até agora, o que daria tempo suficiente para que pegasse o que quer que estivera mandando vampiros procurarem...

-Quer, por favor, falar a minha língua? – pedi, me desvencilhando de seu braço – Eu preciso tirar Matthew de lá.

-Ele está inconsciente – disse Trip, sério – E nós também vamos ficar se continuarmos parados aqui.

-O que é essa coisa? – perguntei, num fiapo de voz, vendo que o que quer que fosse, estava pegando alguma coisa e preparava-se para sair.

-Tampe a respiração – disse Trip, puxando-me para trás de um túmulo mais alto e se deitando ao meu lado.

Fiz esforço para não respirar. Contei até vinte, até Trip fazer sinal que eu podia soltar o ar. Ele ergueu a cabeça, olhando para os lados. Fiz o mesmo.

-Foi embora – declarou, levantando-se e me ajudando.

Eu me desvencilhei, correndo até a tumba. Ela estava, por assim dizer, completamente revirada. Não que tenha muita coisa para se mexer dentro de um tumba, mas deu pra entender o que quis dizer, não é? Matthew estava deitado num ângulo estranho.

-Está vivo – disse Tristan às minhas costas, se abaixando ao seu lado – É melhor verificar seu namorado. Eu cuido dele.

-Obrigado – sussurrei, correndo para fora.

Nathan me esperava no portão do cemitério, com uma expressão assustada no rosto. Me aproximei rapidamente e ele me encarou, olhos arregalados e lábios entreabertos.

-O que aconteceu? – perguntei, tocando seu braço.

-Viu a coisa que acabou de sair daqui? – sua voz falhou e com razão.

-Saiu pelo portão? – soei confusa, sim, porque não achei que aquele lugar era tão deserto assim a ponto de ninguém mais ter notado.

-É. Nem sequer me viu – foi a minha vez de arregalar os olhos.

-Ele viu – Tristan apareceu atrás de nós, fazendo Nathan dar um pulo engraçado; ele carregava Matthew nas costas – Não é um demônio qualquer, é uma das coisas que precisa saber. Se o encontrar, Anne, não ouse pensar que pode lutar com ele.

-Eu sou mais...

-Você não é mais forte que ele – negou, sério – Eu sei que você é forte e tudo mais, mas aquele cara, é diferente do que qualquer coisas que já viu ou verá.

-Por quê? – perguntei, segurando com força o braço de Nathan.

-Eu preciso ir embora – okay, ele vive me cortando – Tipo, ir embora agora mesmo. Eu não sei o que estava procurando, mas o fato de ter encontrado me deixa preocupado.

-E o que vai fazer? – meu coração quase parou de bater, sério.

-Vou tentar descobrir mais alguma coisa – deu de ombros – Acho que o Matthew não se importaria se pegássemos o carro dele.

-Está esfriando – comentou Nathan.

Diz aí se ele não estava realmente bem perdidinho.

-Querem carona?

-Você tem carteira, não é Trip? – por que eu já sabia a resposta?

-Quem se importa? Eu consigo levar vocês em segurança para suas casas – ao contrário do que pensei, ele não sorriu.

E o fato de Trip não ter sorrido me deixava mais preocupada do que ter encontrado daquela coisa mexendo em tumbas.

Por: Anne White.


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