O Diário Secreto de Uma Caçadora escrita por FaaniZabini


Capítulo 1
A Escolhida




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Capítulo I - A Escolhida

02 de novembro de 2009

Eu tenho coisas e mais coisas para contar, mas vamos começar pelo começo, que foi quando eu percebi que alguma coisa estava errada comigo.

A festa foi perfeita. Mais que perfeita, ela foi fabulosa. Sabe, não é todo dia que se faz dezesseis anos com uma festa daquele tamanho. Na verdade, ninguém estava prestando muita atenção em mim – graças a Deus –, pois a música estava muito alta e o salão estava lotado. Não é preciso dizer que todos estavam se divertindo, afinal, a festa era minha.

Foi a dança mais perfeita do mundo, a que foi estragada tão abruptamente. Eu estava agarrada a Nathan – sim, sim, sim! -, dançando uma música muito fofa. De repente, senti-me enjoada. Minha cabeça girou, as pernas ficaram bambas e a música pareceu penetrar com uma força incrivelmente alta demais em meus tímpanos, machucando-os. Fechei os olhos, apertando-o contra mim para não cair. Um mundo totalmente desconhecido passou em frente aos meus olhos, como se estivesse vendo um filme – detalhe: eles ainda estavam fechados.

Imagens difusas, confusas, desconhecidas. Tudo o que eu via eram pessoas diferentes, com roupas diferentes e tipos diferentes. O que elas tinham em comum era que pareciam que estavam num filme japonês, com armas e espadas, socos e pontapés. E, para deixar o filme mais difícil de entender, cada uma das cenas terminava em... fumaça.

A cabeça deu uma nova pontada e meus joelhos fraquejaram. Nathan me segurou com força e, se não o tivesse feito, certamente que eu teria ido ao chão. Abri os olhos, sentindo-os arder com as luzes. A mão firme que me segurava pareceu ainda mais real do que antes – talvez porque ainda não acreditasse que ele estava ali, me segurando, ou talvez porque simplesmente me senti grata por não cair.

-Você está se sentindo bem? – perguntou Nathan, os olhos cor de amêndoas perfeitos percorrendo rápida e preocupadamente meu rosto.

-Não – murmurei, a voz quase falhando.

-Quer que eu te leve embora? – ele sorriu para mim, a mão que não estava em minhas costas segurando-me pelo cotovelo.

-Eu não posso sair, a festa é minha – respondi, colocando a minha própria mão na testa para ver se não estou com febre.

-Vamos tomar um ar, lá fora. Ninguém vai sentir nossa falta – eu me esforcei ao máximo para sorrir, mas não sei se minha tentativa deu certo.

O momento que tanto esperei e minha cabeça não me deixava em paz. Isso era irônico, não? Tudo pelo que esperei em três anos e não conseguiria nem mover meus lábios se ele me beijasse. À minha frente, eu só conseguia enxergar aquele monte de poeira. Nathan me carregou até a porta, aqueles dedos fortes pressionando meu quadril. Oh, meu Deus, eu quase morri – tanto por Nathan estar me segurando quanto pela sensação de que realmente meu coração pararia de bater. Não que eu já tenha estado à beira da morte, mas acredito que aquela seja a sensação.

Quando o vento gelado da noite tocou meu rosto, eu aspirei fumaça. Não era fumaça de incêndio, mas uma fumaça estranha, como de algo se desintegrando naturalmente. Ao abrir os olhos pela primeira vez, vi que não havia sinais do que havia acabado de inalar. Um arrepio me percorreu a espinha e, apesar do frio extremo, sabia que não era por isso.

-Eu preciso ir pra casa – resmunguei.

Veja a que ponto chegou meu estado de estranheza: não consegui nem ao menos tirar uma casquinha de Nathan. Isso é, como disse, irônico demais.

-Eu posso te levar – se ofereceu e pude notar que tinha um sorriso nos lábios, apesar de não estar vendo-o claramente.

-Na moto? Acho que não é uma boa idéia. Além disso...

Não consegui conter uma careta quando uma dor cortante fez meus olhos lacrimejarem. A dor era no corpo todo, dos pés ao último fio de cabelo. "Eu vou explodir!", foi o que pensei de início. Nathan ergueu-me pelos ombros, preocupado, me fazendo notar que havia caído no chão e gritava desesperadamente para que alguém fizesse aquela dor e o mal-estar pararem.

E então parou.

Além da ardência lacrimejante em meus olhos, eu estava perfeitamente bem. Parecia que tinha sofrido anos de tortura, mas quando olhei para o relógio de pulso que Nathan usava, vi que mal haviam se passado minutos. Ele me encarava perplexo, vendo-me levantar com calma e esticar as pernas, como se não fosse eu que estivera no chão urrando de dor há menos de minuto.

-O que foi isso? – perguntei, meu tom de voz já normal e a vista clara como sempre esteve.

-Eu pergunto. O que foi isso? – ele deixou a boca entreaberta, em sinal de confusão interna.

-Eu não sei – murmurei, dando de ombros – Bem, você ainda pode me levar pra casa.

-Na moto? Tem certeza de que está bem? – Nathan passou a mão pelo meu rosto, chegando em meus cabelos e enrolando uma mecha delicadamente, algo estranho se comparado ao seu enorme tamanho.

-Acho melhor irmos andando – eu me sentia ótima para andar de moto, mas calculei que demoraria mais para chegar em casa se fossemos a pé.

Um silêncio estranho se acomodou entre nós. Ainda me sentia confusa com tudo o que acontecera, mas lembrava-se da preocupação que ele claramente sentia quando me vira caída no chão e meu coração ficava mais leve. Com alguns passos, os olhos pararam de lacrimejar e aquela dor quase insuportável parecia ter sido sentida há tempos. Aos poucos, puxei conversa e o papo foi saindo. Conversamos sobre futebol – é, acredite, tive que usar todo o meu conhecimento sobre esse maldito jogo dos diabos – e sobre o tempo, sobre a escola e sobre a festa, sobre outras pessoas e sobre nós mesmos. Foi incrível.

-Bem, acho que te deixo aqui – sussurrou pra mim, quando chegamos em frente à minha casa.

Olhei-o nos olhos, enquanto senti-o passar a mão pelo meu cabelo lentamente, como se quisesse guardar meu toque para sempre. Oh, eu digo que esse momento teria sido perfeito. Teria sido, porque no momento em que reparei que seus lábios se aproximavam perigosamente dos meus, o segundo fato estranho da noite aconteceu e acabou com minha felicidade.

Eu gritei de horror quando vi aquela coisa, aquele bicho, ou seja lá o que for, parado em minha frente, os dentes pontiagudos à mostra. As mãos de Nathan afrouxaram-se lentamente à minha volta, tremendo como vara verde.

O bicho se aproximava mais e mais de mim, as mãos apertando meu braço como se quisesse furá-lo com as unhas, que mais pareciam garras de um gavião. Era incrivelmente forte, pude notar. Pensei rapidamente numa maneira de me livrar daquela coisa, de escapar dali com Nathan, mas a única coisa que me veio à mente foi dar uma joelhada em suas partes baixas.

Ah, claro. Como se isso fosse adiantar, a força sobre humana – é claro que aquilo era sobre humano, afinal, Nathan era a pessoa mais forte que eu conhecia e sua força nem se comparava com a daquela coisa – contra a minha força de garota de dezesseis anos. O que me deixou mais espantada foi ver a cada de espanto e medo do excelentíssimo ao meu lado, que não moveu um músculo para me ajudar.

Aquele monstro (é a palavra certa para descrever) bafejava em meu rosto, seu hálito fétido me deixando enjoada. Os dentes – presas – se aproximavam lentamente de minha garganta, prontos para rasgá-la. Bem, minha perna estava preparada para chutar e, apesar de não confiar muito no meu brilhante plano, eu podia atrasar minha morte dolorosa um pouco. Ergui o joelho, reuni minhas forças restantes e chutei-o na canela.

E foi a terceira coisa estranha da noite. O monstro caiu no chão, com a cara feiosa cheia de confusão. Ah, claro, depois que ele caiu, Nathan tomou a atitude de tentar lhe dar uma joelhada no queixo. Tentou, porque o bicho segurou-o pelo pé e arremessou-o longe.

-NATHAN! – berrei, pronta para ir até lá e ver como ele estava.

Não houve resposta. A coisa tentou me puxar, mas eu lhe dei mais um chute e ela caiu de costas. Falando em cair, outra coisa que foi abaixo foi meu queixo. Como era possível que Nathan não conseguira chutá-lo e eu sim? Antes que se levantasse, corri para ele e vi que estava abrindo os olhos, com uma careta de dor.

-O que é aquilo? – me perguntou, em um sussurro quase inaudível.

Quando preparei-me para responder, senti-me sendo puxada para trás e jogada no chão. O monstro veio pra cima de mim, os dentes à mostra e as garras me apertando mais do que antes, se é que isso era possível. Eu gritei e o empurrei, fazendo-o vacilar de novo. Depois, lhe soquei a cara disforme, vendo-o urrar de dor.

Eu iria socá-lo de novo. Sabe, eu não sabia que tinha tanta força, mas não reclamaria. Estava gostando de ser a mais forte por ali e salvar Nathan – mesmo ainda achando que deveria ser o contrário. Mas eu não o soquei, porque quando iria fazê-lo, ele virou uma nuvem de fumaça.

A fumaça, eu me lembrava dela. Era a fumaça que senti na saída da festa, quando passei mal. Atrás daquela poeira toda, um rapaz segurava um pedaço de madeira pontudo, com uma careta no rosto ossudo. Ele era loiro, os cabelos espetados para cima, os olhos verdes estranhamente opacos, mas bonitos mesmo assim. Usava uma capa azul marinho e, por baixo, uma blusa vermelha; uma calça de couro preta, o que me fez notar que não era tão magro como seu rosto aparentava e sapatos negros, lustrosos e brilhantes.

-Tome – disse-me ele, jogando o pedaço de pau para mim.

Outra coisa que me espantou. Eu, sem senso nenhum de direção, a peguei no ato, pronta para atacar. Encarei Nathan, o rapaz e então a ponta da estaca, que estava suja de pó – assim como nossas roupas e o chão.

-Mire no coração – continuou, batendo o pó da capa – E é melhor que patrulhe sozinha, não que eu me importe, é claro.

-Anne, o que está acontecendo? – Nathan fez um esforço e levantou-se; ofereci-me para que ele se apoiasse em mim.

-Quem é você? – murmurei, encarando o rapaz, que jogou os cabelos loiros para trás com um gesto displicente de cabeça.

-Tristan – ele sorriu torto, me olhando de cima à baixo – Foi o seu primeiro, não é?

-Primeiro o quê? O que era aquilo? – eu segurei instintivamente a mão de Nathan atrás de mim, tremendo de nervosismo.

-Um vampiro, o que mais? – Tristan revirou os olhos, apontando para a estaca afiada em minha mão.

-Vampiros não existem – sibilou Nathan, puxando-me mais para perto.

É, quando eu já tinha combatido o vampiro, ele vinha pra cima de mim.

-É nisso que você pode acreditar, reles mortal – ele jogou os cabelos para trás de novo – Mas o dever dela é saber da verdade.

-Meu dever? – eu franzi o cenho, apertando incomodamente a mão de Nathan.

Tristan ergueu uma sobrancelha, como se dissesse silenciosamente "acorde pra vida", mas então ele ficou sério e sua boca se abriu e fechou várias vezes. Eu cruzei os braços, batendo o pé no chão, como se isso pudesse apurá-lo. Em resposta, ele soltou uma gargalhada seca e sorriu, ironicamente.

-Você ainda não sabe, ainda não percebeu? – seu tom era incrédulo, o que me deixou mais confusa ainda.

-O que diabos eu deveria perceber? – eu fiz bico, irritada.

-Você é a Escolhida, garota – Nathan riu, mas pude ver que ele, assim como eu, não tinha entendido nada – É incrível, em todos esses anos, é a primeira vez que vejo uma Caçadora que não sabe o que é!

-Escolhida? E o que essa Escolhida faz? – dei um passo em sua direção; Tristan fechou a cara e recuou.

-Eu não deveria ter te falado isso – ele crispou os lábios, mostrando o quanto aquilo o desagradava.

-Mas disse. Agora, explique-se – disse Nathan, dando também um passo à frente.

-Talvez mais tarde – sussurrou, sorrindo cínico e fazendo o que eu numerei como a quarta coisa estranha daquela noite.

Tristan nos deu as costas e olhou para cima, como se analisasse o tamanho do sobrado do vizinho. O encarei como se exigisse explicações e, quando fui dizer que exigia realmente explicações, ele saltou. Um salto que o fez parar no telhado da outra casa. Meu queixo caiu, assim como o de Nathan, ao meu lado. Ele parou perfeitamente em posição de bote e pude ver um sorriso malicioso em seu rosto, antes que sumisse da minha vista.

O que aconteceu no restante da noite foi eu dar um beijo no rosto de Nathan e correr para dentro de casa em silêncio, pasma demais para falar.

Eu sou a Escolhida pra quê? O que é uma Caçadora?

Aquilo, Tristan dissera que era um vampiro. Mas é claro que vampiros não existem. Não é? Não é?

Bem, mesmo que existam, eu não deveria ser capaz de lutar daquela forma com ele. Não é? Não é?

Como diabos Tristan conseguiu fazer aquilo? Ele não deveria poder pular tão alto. Não é? Não é?

E afinal de contas, por que Nathan resolveu me beijar justo naquela hora? Por quê? Por quê? De qualquer jeito, ele vai continuar falando comigo quando o dia amanhecer. Não é? Não é?

Essas são perguntas cujas respostas é preciso descobrir. Minha vida acaba de ficar confusa com isso tudo – não que ela seja muito fácil, é claro. Tudo está parecendo estranho, de uma forma estranhamente familiar. Entendeu? Pois é, nem eu.

São quase quatro da manhã e ainda não consegui dormir. Cada vulto que passa pela rua lá embaixo me faz perguntar a mim mesma se não é um vampiro – se é que é verdade que aquilo é um vampiro. O sono não vem e minha cabeça parece que vai explodir. Não que ela esteja doendo, mas o excesso de acontecimentos dessa noite a deixou do tamanho de uma melancia.

Acho melhor eu parar de escrever, ou meus dedos vão ficar do tamanho de melancias também e amanhã eu preciso sair cedo. Não que eu tenha muitas coisas para fazer com o tempo desse jeito, mas realmente espero que neve, então vou brincar lá fora para espairecer. (tenho uma sorte tremenda de que é só um caderninho inútil, porque nunca ninguém deve ler isso).

Por: Anne White.

PS: Tristan é um loiro perfeitamente gato e charmoso. Não me importaria se ele me desse uns pegas.


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