De tarde quero descansar, chegar até a praia e ver
Se o vento ainda está forte
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora


        Manu caminhou lentamente pela areia da praia. O fim do dia se aproximava e, por isso, ela podia dispor de um pouco de privacidade, já que apenas algumas poucas pessoas faziam o mesmo que ela... Caminhavam pensativamente pela areia...
        O ano já terminara e janeiro já chegava ao meio, entretanto aquela tristeza não passara. As amigas estavam na expectativa pelos resultados dos vestibulares e alegando o mesmo, ela se afastara um pouco, passando a ficar reclusa em seu quarto.
        As recordações de seus dois namoros lhe preenchiam os dias e ela só tinha a companhia de uma certa guitarra e de um certo prato com foto.
        Tentando afastar um pouco as várias lembranças que insistiam em surgir em sua mente, ela decidira caminhar um pouco pela praia e agora que estava ali, sentindo aquela brisa refrescante vinda do mar, teve a certeza que fizera o certo.
       

Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?


        Passou pelo ponto onde, por duas vezes, fizera amor com Helena e onde costumava ter suas aulas de guitarra. Algumas lágrimas começaram a rolar pela sua face e ela não procurou contê-las.
        Mesmo que tivesse sido muito difícil abrir mão de Colombina, mesmo tendo sido muito difícil armar uma surpresa para que ela ficasse com outra pessoa, o dia-a-dia era ainda mais duro. Antes algo poderia dar errado, ela ainda poderia se arrepender. Mas agora era definitivo... Não tinha volta... E, mais uma vez, ela viu sua vida tomar um rumo inesperado. Quando tudo parecia tão certo, tão perfeito, quanto tudo estava no lugar e ela voltava a criar planos, algo acontecia para lembrá-la de que seu destino era permanecer sozinha. Sem descobrir a beleza de um amor forte, verdadeiro e duradouro.
        Pensou em Beta e sentiu os olhos ficarem completamente embaçados. Perdera a conta de quantas vezes perguntara apenas: por quê?
        Tão jovem, tão cheia de vida, tão amada... Lembrou dos planos que costumavam fazer no quarto da vocalista, após fazerem amor.
        Relembrou como o toque da ex lhe causava arrepios, como só o som da sua voz já era suficiente para lhe disparar o coração.
        Apesar de amar a catarinense, não conseguia comparar os dois amores. Roberta tinha sido o seu primeiro amor, tinha sido o amor da sua vida e isso ninguém conseguiria mudar.


Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você está comigo o tempo todo
E quando eu vejo o mar,
Existe algo que diz,
Que a vida continua
E se entregar é uma bobagem


        Ela continuou caminhando, absorta em seus pensamentos. Seu coração clamava por paz. Ela já não suportava ter seu coração partido mais uma vez. Mesmo que fosse involuntariamente, como no caso de Beta.
        Sentiu como se a garota lhe abraçasse e aquilo lhe fez relaxar um pouco. Sempre que se imaginava nos braços da ex, sentia seu coração bater tranqüilo, sentia que estava em seu lugar.
        Entretanto, ela sabia que não podia continuar daquele jeito. Não podia se entregar à depressão e continuar fugindo da vida e das pessoas. Ela tinha que seguir em frente...



Já que você não está aqui,
O que posso fazer é cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos
Lembra que o plano era ficarmos bem?


        Se quando tudo parecia perdido, se quando o mundo não tinha mais cor, não tinha mais brilho, não tinha mais graça, se apesar disso ela voltara a sorrir verdadeiramente, ela voltara a se sentir feliz, ela voltara a entregar o seu coração, se ela conseguira isso uma vez, nada impedia de que conseguisse novamente.
        Nem Roberta e nem Helena gostariam que ela ficasse remoendo as lembranças e deixasse de aproveitar o presente e o futuro.
        Com uma sensação de bem-estar há muito esquecida, Manuella sorriu e resolveu dar um mergulho no mar.
        E enquanto as ondas lhe encobriam, ela brincava como uma criança que acabara de descobrir como é bom brincar na praia.
        Saiu da água renovada e decidida. O passado não podia ser mudado, então não adiantava lamentar e nem imaginar o que poderia ter acontecido se as coisas fossem diferentes. E daquele dia em diante, ela faria o possível pra só lembrar das duas meninas com saudade e não com tristeza. A partir daquele dia, ela faria o possível para ser feliz...


333


        Duas semanas depois:
        – Ai, filha, nós vamos morrer de saudade. Você tem certeza que não quer desistir?
        – Ai, mamãe! Já disse que não! – respondeu Manu sorrindo e lhe abraçando. Nós vamos nos comunicar, não se preocupe.
        – Vai com Deus, minha filha e avise quando chegar.
        – Pode deixar, papai. Agora me deixem ir dar um beijo nas minhas amigas! – disse se afastando e indo abraçar as meninas da banda.
        – Sentirei tanta saudade! – choramingou Cínthia.
        – Eu também, minha amiga. Mas com a internet fica tudo mais fácil. A gente sempre vai poder conversar.
        – Mas não é a mesma coisa. – disse ainda num tom queixoso.
        – Essa experiência vai ser única, Manu. Espero que você aproveite bastante. – falou Letícia, abrançando-lhe.
        – Ai, Lê... Espero mesmo que seja. Não conheço nada de Londres e confesso que estou um pouco preocupada porque dizem que os ingleses são muito frios.
        – Até parece que eles vão resistir a uma brasileirinha linda como você! – brincou Babi. – Vem cá porque também quero um abraço.
        As duas se apertaram fortemente e a vocalista olhou para a guitarrista.
        – Você não vai me abraçar e me desejar boa viagem? – perguntou brincando.
        – É claro! – respondeu sorrindo e dando-lhe um abraço logo em seguida. – Não vai sumir! – sussurrou para que mais ninguém escutasse.
        – Vou voltar. Não se preocupe! – respondeu no mesmo tom.
        – Por que você tem mesmo que ir? – perguntou Cínthia que ainda não se conformara com a viagem.
        – Porque vai ser ótimo conhecer outra cultura, outras pessoas, outros hábitos. Sempre quis ir até a Inglaterra e vai ser ótimo para praticar o meu inglês que está enferrujado.
        – É claro que se vocês conseguirem uma semana de folga na faculdade, podem ir me visitar. Eu adorarei mostrar a cidade.
        A voz irritante de uma mulher preencheu o saguão.
        – É o seu vôo, filha. Está na hora! – disse seu pai se juntando ao grupo.
        – Sentirei muita falta de todos vocês. Não esqueçam de me mandar emails contando como anda tudo. – ela falou dando mais um beijo em cada um.


333


        Manu se sentou no corredor pois assim era mais fácil de ir ao banheiro sem ter que incomodar o passageiro do lado.
        Já pegava seu fone, quando alguém lhe tocou o ombro.
        – Pode me dar licença. Vou sentar ali na janela.
        Ela olhou para o garoto e teve certeza que já o vira antes.
        – Eu acho que conheço você. – disse ele depois de se acomodar ao lado da escritora.
        – Também tive essa sensação. – ela respondeu simpática.
        – Tenho uma ótima memória. Vou lembrar. É só um instante. – ele disse se concentrando.
        Depois de dois minutos, ele sorriu.
        – Uma vez me ofereci pra tirar uma foto pra você lá no Pão de Açúcar e uma amiga sua deu uma crise. – disse sorrindo ao relembrar o fato.
        Pierrot sorriu também e então se lembrou que aquele era o mesmo garoto.
        – Que coincidência! – ela disse, surpresa. – O que você vai fazer em Londres?
        – Estou indo fazer um curso. E você?
        – Minhas aulas na faculdade só começam em agosto. Então aproveitei pra ir passar o tempo que sobra em Londres, pra praticar um pouco de inglês.
        – Nossa, mas é uma grande coincidência mesmo. – ele comentou, encantado. – Meu nome é João Pedro. – ele se apresentou.
        – Manuella. Muito prazer.
        – O prazer é todo meu, pode acreditar.
        Os dois sorriram e, olhando-se, perceberam que aquela história não acabaria quando eles descessem do avião...


                                              Fim