Forgotten escrita por Lunna


Capítulo 2
Capítulo 2 - 12 anos


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ^^"  



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Não era a bebida que o estava deixando enjoado na verdade, era o cheiro do baseado espalhado por pelo menos dois terços dos adolescentes jogados nos sofás e no chão da casa pequena e apertada no subúrbio de Washington D.C., onde, por acaso, ele encontrava-se nesse momento. O delineador nos olhos já estava meio borrado por conta do suor, e provavelmente estava despenteado, e com a pior cara do mundo. Seus pais ficariam loucos se soubessem o que ele estava fazendo lá, sentado em um canto do corredor para os quartos da casa, uma garrafa de vodca na mão, a cabeça encostada na parede e os lábios mexendo-se conforme a letra da música alta que tocava no andar de baixo. Abriu os olhos quando sentiu alguém passando por ele –só mais um bêbado – perguntando-se como havia ido parar ali. Fazer uma retrospectiva não era difícil, visto que há apenas dois anos era só uma criança solitária, e agora, com doze anos era um adolescente desregrado com más –não, “más” era bondade, péssimas – companhias. Não que sua mãe se importasse, ou que seu pai soubesse, há meses não o via, e sua mãe já estava casada com outro mesmo. Levou a garrafa à boca, tomando mais um longo gole, já nem sentia o ardido da bebida descendo por sua garganta, e sua mente já estava ficando mais lenta, drogado por tabela. Apoiando-se com dificuldade nas paredes, olhando ao redor perguntando-se onde estaria Benji. Ele não havia arranjado nenhuma garota, pois Billy estava sentado ali há eras e ele não havia passado para quarto nenhum. Com dificuldade desceu as escadas, deixando o som destruir seus tímpanos enquanto ficava mais alto. Torcia para que ninguém chamasse a polícia, ele só tinha doze anos e estava bêbado: isso seria complicado de explicar.
Havia tornado-se o que era agora depois do encontro casual com Benji quando foi lhe devolver sua blusa que caiu, trocaram apenas algumas palavras e ele gravou aquele nome em sua mente: Benjamin. No começo não conseguia distinguir muito bem Benjamin de seu irmão gêmeo, Joel, apesar da diferença gritante entre eles. Aos poucos Benji começou a chama-lo para sair, tomar um sorvete, comprar jornal, jogar bola, ou apenas para sentar no jardim e conversar a tarde toda. Ele era o único que pareci não se importar nem um pouco com sua total falta de emoção, falta de massa corporal, falta de tamanho. Em questão de semanas tornou-se seu amigo, freqüentava sua casa diariamente, levava suas fitas K-7 e ficavam ouvindo bandas que Billy aprendeu a admirar por tardes inteiras. Geralmente dormia lá nos finais de semana, almoçava lá, e relutava em voltar para casa. Foi um ano depois, quando já eram melhores amigos que Billy viu Benji chorar pela primeira vez. Era véspera de Natal e o Sr.Combs havia saído de casa. Billy não sabia como consolar Benji, fazer com que ele parasse de chorar, afinal não conseguiu ele mesmo chorar quando seu pai saiu de casa. A diferença era que sabia onde seu pai estava, sabia que ele viria vista-lo algum dia, e Benji não: seu pai havia simplesmente desaparecido.
O tempo passou e Benji aos catorze anos já trabalhava, Billy o visitava no serviço e geralmente voltavam juntos. Benji falava sobre anarquia e revoluções, igual às bandas que ouviam, e Billy o escutava e concordava com tudo. Foi em uma dessas vezes, quando voltavam do serviço de Benji que ele insistiu que Billy o acompanhasse para conhecer alguns de seus amigos. Eram pelo menos uns seis, todos com cabelos coloridos, moicanos, roupas rasgadas e piercings pelo corpo todo, sem contar as tatuagens. Também eram mais velhos que Billy, e muitas vezes mais velhos que Benji também. Depois disso o processo de sua queda foi rápido e indolor: quando se deu conta também usava maquiagem, roupas rasgadas, deixou que Benji lhe fizesse um piercing no nariz e saía todo fim de semana para festas na casa de pessoas que não conhecia, em bairros que não sabia onde ficavam, usava substâncias que não conhecia o nome, e bebia qualquer coisa que jogassem em sua mão. Voltou bêbado para casa inúmeras vezes, drogado, e quando o sol já estava alto. Tinha só doze anos, e nem assim sua mãe parecia notar. Aliás, estava grávida de quatro meses, seu marido só falava do bebê, ela só falava do bebê. Nem seu piercing ela notou, e ele estava até pensando em fazer outro.
Mas você só tem doze anos!
Suas pernas não o sustentavam mais, ajoelhou-se perto de uma mesa, e deixou seu olhar viajar pela sala: a porta da frente abriu-se, e por ela entraram Benji e mais um garoto que estava sempre com eles, Steve.
-Benji! –chamou Billy. Achou que ele não fosse ouvi-lo no meio do barulho, mas para sua surpresa Benji o olhou, e riu.
-Caramba, aí é que você está! Estive te procurando por um tempão, pequeno! –exclamou segurando-o pelo ante-braço, colocando-o de pé com uma facilidade incrível.
-Eu... eu to bêbado. –resmungou Billy sem soltar a garrafa de vodca que Benji tentava tirar de sua mão.
-Percebi, Billy! –riu novamente. –Solta isso! Os jocks estão aí fora. –disse tirando a garrafa da mão de Billy, tomando ele mesmo um gole. Os jocks eram o inferno da turma de Benji, não por eles serem punks, não terem vergonha de nada, picharem muros, escolas, darem festas absurdas na casa de desconhecidos, serem tatuados, usarem maquiagem... enfim, por nada disso. A perseguição dava-se porque o líder deles era Joel, irmão gêmeo de Benji. Os dois eram tão opostos que chegava a ser engraçado. Billy lembrava-se bem de quando tudo começou: foi naquele ano mesmo, depois que Benji e Joel entraram para o highschool. Antes disso eram até unidos, agora pareciam inimigos mortais, um prestes a arrancar a cabeça do outro. Talvez fosse a lei de sobrevivência entre gêmeos, Billy não entendia disso muito bem, e sua cabeça estava zonza demais para pensar sobre o assunto.
-Você vai brigar de novo? –perguntou. Odiava quando Benji brigava, principalmente quando era contra Joel. Por conta dessa rivalidade idiota ele deixou de ver as cenas felizes dos quatro irmãos no jardim de casa. Ok, mentira. Talvez fosse por outros motivos, estavam crescendo e isso não era fácil para ninguém, mas sentia falta da alegria de Benji e os outros. Era como se a alegria deles fosse a sua, como se ficasse feliz por eles estarem felizes. Ainda era péssimo com emoções e sentimentos, e não conseguia de forma alguma exteriorizar aquilo que sentia. Na realidade, não sabia se já conseguia sentir, sabia somente que estava bem quando Benji estava bem, e estava por perto, e que ficava quase triste quando Benji estava longe, ou estava brigando com Joel.
-Vou, Billy. Ele está enchendo o saco de todo mundo aqui. Disse que vai chamar a polícia, e eu não te quero aqui dentro caso ele faça isso, vai ficar feio pro nosso lado, principalmente pro seu. –respondeu puxando-o para a cozinha, guiando-o pelo monte de gente na direção da porta dos fundos.
-Não, Benji! –segurou-se firme em seu braço, olhos fechados –cairia no chão se os abrisse- tentando fazer com que ele parasse de o arrastar. Se alguém os pegasse, Benji também estaria encrencado, aliás, quase a festa toda: ninguém ali tinha vinte e um anos. Mesmo em meio a protestos Benji o tirou da festa, colocou-o dentro do carro de um amigo seu, onde ele acabou por adormecer. O que seguiu-se depois disso era um borrão de memórias que o fizeram acordar em sua cama no dia seguinte.
Billy tinha uma certa sorte quando o assunto era bebida, nunca ficou de ressaca, nunca desejou não tem uma cabeça –como Benji freqüentemente fazia depois de beber – e nunca ficou com os olhos inchados no dia seguinte. Sempre era como se não tivesse feito absolutamente nada na noite anterior. Ainda estava em sua cama, debaixo das cobertas quando o barulho de pedras atingindo sua janela chamaram sua atenção. Levantou-se jogando a coberta de lado, colocando a cabeça para fora.
Benji estava parado em seu jardim, sorriso estampado no rosto, mão sobre os olhos impedindo o sol de lhe cegar:
-Já é meio-dia, preguiçoso! –exclamou.
-O que você quer? –perguntou. Não gostava de enrolar, se Benji queria alguma coisa que dissesse logo.
-A gente vai pra casa do Steve mais tarde, quatro horas te vejo lá. –exclamou. Billy assentiu, vendo Benji atravessar a rua correndo. Queria perguntar sobre a noite anterior, se deu tudo certo, se ficaria tudo bem, mas estava com preguiça. Bocejou, olhando-se no espelho: ficava esquisito de pijama, parecia que estava dentro de um saco de lixo, tudo muito grande. Abriu a porta do quarto, desceu as escadas rápido e entrou na cozinha sem tirar os olhos dos próprios pés. Tombou em alguém, ergueu a cabeça prestes a se desculpar, mas parou: era seu padrasto.
Não é que não gostava dele, era ele quem não gostava de Billy, e ele sabia disso. Parecia que tinha medo de ficar perto dele, medo de encostar nele, de ouvir sua voz. Era um homem alto, mais alto que seu pai, olhos castanhos e cabelo grisalho. Trabalhava em uma importadora de bebidas, o que conseqüentemente resultava no bar de sua casa sempre cheio. Billy de vez em quando roubava uma garrafa ou duas para comemorar com seus amigos, e talvez fizesse isso hoje. Passou os olhos pelo homem, segurava uma garrafa de vinho fechada, e um abridor na outra mão.
-Boa tarde, Billy. –disse em sua voz grossa e imponente. Billy assentiu, contornando seu corpo e entrando na cozinha. Puxou a cadeira até o armário, subiu nela esticando-se para pegar a caixa de cereal.
-Você não fala, Billy? –escutou vindo da porta. Ele ainda estava ali? Mas que saco!
-Desculpe. Bom dia, Michael. –disse descendo da cadeira sem o olhar, pegando uma tigela, colocando-a na bancada. Abriu o cereal.
-Você parece tão frio comigo, Billy... –ele disse novamente. Billy ergueu os olhos, encarando-o encostado ao batente da porta. O que ele queria? Geralmente fazia de conta que ele não existia.
-Desculpe, Michael, mas é impressão sua. –Tentou expressar emoção, sem conseguir. Não era bom com essas coisas, não era! –Minha mãe saiu? –perguntou. Pelo menos assim parecia que ele queria puxar conversa.
-Saiu, foi para casa da sua avó. –respondeu pousando a garrafa de vinho sobre a mesa. Billy deixou o cereal em cima da mesa, virou-se para a geladeira, pegou o leite, voltando à bancada. Colocou o leite na tigela e voltou para guarda-lo. Pegou uma colher no caminho e ia sair da cozinha quando ouviu Michael chamando:
-Oi! Billy! Não vai guardar o cereal? –perguntou. Oras, estava na sua casa, guardava o que queria quando queria.
-Depois. –respondeu.
-Guarde agora. –ordenou Michael. O que ele tinha hoje? Não lhe dava ordens, mal lhe dirigia a palavra e hoje estava todo comunicável?!
Billy voltou à cozinha, pousou a tigela na pia, com calma, pegou o cereal, a cadeira, subiu, guardou e colocou a cadeira de volta no lugar.
-Isso não te irrita? –perguntou o homem, braços cruzados, olhando-o de cima. Billy franziu a testa sem entender.
-Como?
-Isso não te irrita? Eu não te irrito? Pelo amor de Deus, Billy! Você não sorri, você não chora, você não reclama, você não grita! Você é uma casca vazia, parece que seu corpo está aqui mas que sua alma já se foi faz tempo! –e segurou-o com firmeza nos ombros –Billy, você é uma criança! Aja como uma! Ria, brinque, peça brinquedo caros, vá empinar pipa, andar de skate! Faça amigos da sua idade e fique irritado, bravo comigo, mas tenha alguma reação!
Billy abaixou a cabeça, pensando no assunto: não queria ter reação alguma. Não queria fazer nada daquilo, e gostava de seus amigos mais velhos.
-Desculpe, Michael. –disse sem conseguir expressar ressentimento. Pegou a tigela na pia, desviando-se dele e subindo as escadas para seu quarto.

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