Páginas Novas escrita por Napalm


Capítulo 17
Páginas Antigas


Notas iniciais do capítulo

Revelações, revelações, revelações, revelações, revelações, revelações, revelações...



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–O encontro de três histórias culminou no movimento que alterou seu destino, há 16 anos atrás. - Helena disse, olhando nos meus olhos. Eu tratava de digerir cada letra proferida. Não só eu, mas todos na sala pareciam dar a mesma importância às suas palavras. - A história da minha família, os Maltieurs; a história da família Kingsizer, mais especificamente de Teoremo Kingsizer e a história do casal, Zero e Maria. Consequentemente, a sua, Seth.

Um barulho de tecido sendo perfurado tomou a atenção para Alice. Ela acabara de rasgar o sofá com as mãos de tanto nervosismo.

–Tudo bem, Alice? - Fergo perguntou.

Ela piscava rapidamente. Estava prestes a lacrimejar, talvez...

–Sim. - Ela disse, rispidamente.

–Eu tinha dois irmãos. - Helena continuou, tomando novamente a atenção para si. -Um mais novo, Dante e uma mais velha, Ellen. Minha mãe era uma Guardiã da Verdade. Mas meu pai era uma pessoa comum, destituída do que chamam de “Magia”.

Helena então era filha de um Guardião também? Mas...

–Você... devia estar morta então, não? - Perguntei, confuso.

–Na verdade – Helena continuou – Assim como os genes comuns, a característica que te torna um Guardião pode se manifestar ou não. E quando existe os dois genes diferentes, a pessoa se torna um “Meio-Guardião”, que seria o mestiço. Como é o seu caso e foi o do meu pequeno irmão, Dante. Minha irmã, Ellen, nasceu uma Guardiã completa.

Por isso Helena sabia de tantas coisas! Sua família também era dessa maldita linhagem...

–Na época, não sabíamos que os mestiços estavam fadados a morrer no décimo sexto ano de vida. Até que aconteceu. E Dante nos deixou. Aquilo chocou a mim e a Ellen profundamente. Foi então daí, que surgiu a ideia por parte do meu falecido marido, Teoremo, de criar o projeto aGravity.

Fergo pigarreou. Àquela altura, o mínimo movimento faria todos se retesarem. A concentração nas palavras de Helena, por partes de todos, era imensa. As paredes com ilustrações sinistras, bem como todas as outras parafernálias, tornavam o momento uma espécie de sarau de terror.

–Seth – Helena se adiantou – Quando os Guardiões da Verdade falaram com você sobre a força de atração criada na órbita da Terra, eles omitiram a informação de que esta força não foi criada pelo Livro.

–Não? - Perguntei, surpreso.

–Não diretamente. Teoremo, através de estudos da Pedra dos Astros, descobriu que ela é formada pela matéria contrária à matéria da Magia. Isso quer dizer que elas são forças contrárias e por isso, se atraem. A Pedra dos Astros sozinha não tinha carga suficiente para o que Teoremo pretendia. Ele descobriu que a pedra não só atraía os outros compostos, como atraía também os compostos de diferentes dimensões. O projeto aGravity era a criação de um satélite com as partículas da “antimatéria”. Com a força natural da terra e a força de atração de aGravity, Teoremo esperava criar um campo magnético, capaz de ser convertido num portal para outras dimensões.

Todos olhavam boquiabertos para Helena. Parecia que ninguém tinha entendido nada.... E eu também não tinha entendido muito bem.

–Um minuto! - Pediu Fergo, colocando sua grande mochila sobre o sofá. Revirou algumas coisas lá dentro e retirou um bloco de papéis, que pareciam bem velhos, pela cor amarelada e por haver alguns pedaços rasgados.

–Estes papéis! – Ele disse, mostrando-os para Helena – eles apareceram na minha mesa sem nenhuma explicação no dia anterior ao aniversário de Seth. Eles falam sobre esse projeto, aGravity. Na verdade, eles me parecem ser o esboço original do projeto.

–Era nesses papéis que você estava mexendo quando eu fui visitar você, não era? - Alice perguntou, um tanto frenética.

–Sim, eu não sabia direito do que se tratava... Por isso, achei melhor não comentar nada.

Ou talvez, pensei, pelo orgulho ferido de não saber tudo.

Helena pegou os papéis cautelosamente e os folheou.

–Mas... - Ela parecia espantada – Como? É realmente o esboço original do projeto. Mas somente Teoremo tinha acesso a eles... Como eles foram parar na suas mãos?

Fergo simplesmente sacudiu a cabeça.

–E o que você entendeu do projeto, Fergo? - Perguntei.

–Bom, analisando agora... Sabendo do que os termos do esboço se tratavam... Penso que ele queria fazer uma espécie de máquina do tempo, que pudesse atravessar as dimensões. Mas de uma forma diferente...

–Como assim, dimensões? - Alice perguntou. Ela parecia brava. Provavelmente Helena nunca tinha contado nada daquilo para ela.

–Permita-me explicar. - Interviu Zero. - Cada passo que você dá, você altera um destino. Quando tomamos uma decisão, uma infinidade de outras decisões, que podiam ter sido tomadas e que provavelmente nos levariam a destinos diferentes, são deixadas para trás. Quando você toma uma decisão, você cria e destrói várias dimensões.

“Você continua vivendo na dimensão que está suposta a fazer o caminho da decisão que você escolheu, enquanto um outro “eu” de você continua vivendo em outra dimensão. Mas como esta dimensão deixa de ser real, ela é destruída. A dimensão, de fato, é consumida pelo fogo...”

–Sim. Mas se a dimensão foi destruída, não se pode buscar nada que há nela após o seguinte momento que você tomar a decisão, correto? - Concluiu Maguine, pensativo.

–Exato. - Disse Zero. - Mas isso não acontece quando uma dimensão é criada pelo Livro do Destino. Quando o Livro altera um destino, a outra dimensão continua intacta.

–Entendo...

–Mas o destino de Dante não tinha sido alterado pelo livro. - Concluiu Fergo – O projeto não poderia salvá-lo... Se entendi bem, o projeto aGravity era para resgatar o “eu” vivo de Dante para a dimensão real, correto?

Fergo entendera bem. Eu ainda estava ligando as pontas daquela conversação toda.

Helena baixou os olhos e continuou:

–Exatamente. Não sabíamos disso até então. Os únicos elos que aGravity formaria seria com dimensões onde Dante não existiu, ou com dimensões destruídas. Então, o projeto aGravity foi deixado de lado. Até que Ellen tomou conhecimento, no próprio Santuário Selado, que Zero estaria na mesma situação que meus pais estiveram.

–Eu me envolvi com uma pessoa desprovida de Magia – Disse Zero, em tom lamentante – Seu nome: Maria. O mais belo nome para a mais bela mulher – Ele comentou, sonhadoramente – O nosso filho, infelizmente, nasceu mestiço. Corremos atrás de ajuda, mas todos do Santuário estavam contra nós. Exceto Ellen, que compartilhou a dor de perder uma pessoa amada por causa do seu destino, injustamente prescrito, naquele livro da morte.

“Ellen então nos apresentou para Helena e Teoremo. Debatemos qual seria o melhor meio de salvar a vida de Seth. O projeto aGravity não serviria. Só havia um modo: alterarmos o Livro do Destino diretamente. Organizamos então um motim. Maria, Teoremo, Ellen e eu seguimos para o Santuário Selado. Helena ficou em casa por estar grávida de Alice.”

–Mas antes deles chegaram ao Santuário – Helena comentou – Zero e Maria passaram em casa, para pegar o bebê. Então, Ellen, Guardiã da Verdade da Água, conduziu a maré para que levasse a criança até mim, onde estaria seguro caso algo viesse a dar errado. Foi isso, não foi, Zero?

–Exatamente. O que, infelizmente, aconteceu. Conseguimos mudar o livro, mas fomos surpreendidos logo depois. Maria, Teoremo, Ellen e eu fomos exilados por Athema, para outra dimensão.

–Athema? - Perguntou Maguine.

–Sim, mais conhecido como O Guia. Chamam assim porque ele “guia” a matéria para outras dimensões. Ele tem o poder de exilar um indivíduo para outra dimensão, bem como navegar livremente entre estas. O Guia é escolhido pelo Livro do Destino, e será seu protetor por toda a eternidade, incumbido de proteger o livro, inclusivo de si mesmo, sem importar-se com os métodos.

–Ah, sim – Comentou Maguine, visivelmente interessadíssimo. - Continue, por favor.

–Fomos exilados para diferentes dimensões. Eu tenho poder de me juntar ao fogo, por isso sobrevivi diante a destruição da dimensão que eu fui mandado. Mas Maria e Ellen...

–Como você veio parar aqui? Não estou entendendo. - Disse Alice.

–Vou chegar lá. Diante de tal julgamento, Teoremo programou o projeto aGravity para que voltasse a funcionar automaticamente caso algum destino fosse alterado, criando o elo entre as dimensões, com a capacidade então, de salvar vidas injustamente tiradas pelo Livro. Mas Athema também tinha um trunfo. Fundiu Teoremo a seu próprio projeto – deixando-o vivo dentro do aGravity. Ele não poderia ser desligado enquanto Teoremo estivesse vivo. E Athema fez questão de mantê-lo vivo por todos esses anos.

Como?! - Maguine se exaltou.

Helena também parecia surpresa.

–Não imaginávamos porque Athema faria isso, também. Até hoje. Foi um castigo cruel. Quando os dezesseis anos se passaram e a outra dimensão, onde meu filho morreria, foi criada, o aGravity se ativou. O elo entre as dimensões se abriu. A dimensão do planeta onde eu estava unido ao fogo de sua destruição, por todos esses anos, formou um elo com esta dimensão, a dimensão real, e me sugou para a superfície da Terra. O “meteorito”, na verdade, é a Terra reduzida ao tamanho de uma rocha, provinda de uma dimensão paralela.

–Mas o meteorito já tinha caído há algum tempo, bem antes da Corporação encontrar seu corpo por lá... - Comentou Maguine.

–Quando cheguei aqui, eu estava fraco, sem nenhuma energia praticamente. Assim que voltei à forma humana, fui atacado por um Magarat.

–Também? - Perguntou Helena, pela primeira vez, surpresa.

Zero respondeu:

–Parece que, como no sonho de Seth, aqueles idiotas do Santuário mandaram dois Magarats. Um para matar você e o outro para me exterminar. Nós, os únicos conhecedores da verdade contra o Santuário, restantes no planeta.

Alguns momentos de silêncio se passaram. Minha mente ainda trabalhava tanta informação.

–Zero... - Começou Helena. - Teoremo ainda está vivo?

Zero respirou fundo.

–Creio que sim. Pois o aGravity ainda está funcionando...

Helena se levantou e começou a caminhar aleatoriamente pela sala.

–O castigo. Agora entendo. - Disse Maguine – Teoremo está fadado a assistir a destruição da Terra e levar a culpa por isso. O aGravity vai consequentemente, destruir o nosso planeta, correto? Este tal Athema só o mantém vivo, para que ele sofra assistindo isso...

–Você entendeu bem. - Disse Zero. -E quanto mais dimensões se chocam com esta, mais forte o poder de atração do aGravity fica, aumentando a “chuva de meteoritos” em escala potencial. E não há forma de parar isso.

–Nem se destruirmos o aGravity? - Perguntou Maguine.

–Athema e o Santuário vão interferir se tentarmos...

–É o único jeito, não é? - Interviu Fergo.

–A Corporação Celestia pode ceder lança-foguetes pra destruir o satélite. - Maguine confirmou, conciso.

–E Teoremo? Ele está lá ainda, vivo! - Exclamou Helena, lágrimas escorriam de seus olhos.

Zero e Maguine abriram a boca, mas não falaram nada.

Mais segundos silenciosos. Agora eu entendia. Finalmente. Parecia que eu havia acabado de acordar um longo sono...

Cortando o silêncio, me manifestei:

–Eu acabei de ouvir as coisas mais absurdas e bárbaras de toda a minha vida e não tenho como provar que não são reais.

Todos no local olharam para mim.

–Como vocês puderam...

Eu queria simplesmente sumir. Desejava que aquele mundo acabasse logo. Zero... era meu pai?! E minha mãe havia sido... Não, não fazia sentido. Nada daquilo. Eu já não conseguia raciocinar. Tinha que sair daquele lugar.

Levantei-me e, passando por todos, saí daquela casa, sem responder a voz que chamava por mim. Estava de noite, o corpo do Magarat ainda jazia no chão, a faca cravada na sua cabeça. Passei por cima dele e andei até o cais.

A noite estava silenciosa, nem mesmo o cantar dos grilos me fazia companhia. Sentei-me na beirada da ponte, contemplando o vasto oceano, só escutando o barulho das ondas...

O mar.

O lar dos mortos, como eu costumava chamar. Foi por ele que eu cheguei até aqui. E estou aqui novamente. A mais traiçoeira das imensidões. Era também a única companhia que eu desejava no momento.

Encolhi meu corpo de modo a envolver meus joelhos com os braços. A brisa soprava meus cabelos suavemente, enquanto uma sensação de liberdade me preenchia... eu queria ficar assim para sempre. Sem me preocupar com o passado, nem com o futuro. Apenas viver aquele presente, de sentimentos normais, de contemplação, de solidão.

Mas meu momento de privacidade logo foi cortado, como era de se esperar.

–Seth...

Era Alice.

Eu não queria que ela estivesse aqui.

Nunca imaginei que pensaria isso um dia.

Ela se aproximou de mim e se sentou ao meu lado.

–Sabe – Ela começou – Eu também estou muito desapontada com tudo isso que descobri. Minha mãe nunca havia me falado nada daquilo. - Seu voz estava mansa e gentil, o que não era de costume. - Nunca havia comentado sobre meu pai, nem sobre meus tios. Eu entendo como você se sente... porque... porque eu também me sinto perdida...

Olhei para ela, ela lacrimejava ligeiramente.

–Eu olho para o que vivemos, antes de tudo isso... E vejo como éramos felizes naquela inocência. Nossos dias rotineiros... Tão simples, mas tão bons... Eu não queria ter que enfrentar um dragão de pedra. Não queria ter um pai flutuando sobre a órbita da Terra. E principalmente...- Ela suspirou e me fitou nos olhos -...não queria que você estivesse nesta situação.

Aquelas palavras me comoveram. As lágrimas escorriam nos meus olhos, assim como nos olhos dela.

–Seth – Ela continuou – Eu não vou abandonar você. - Então, ela baixou a cabeça e começou a chorar mais forte... -...Mas não me abandone também...

Nossos destinos sempre tiveram a mesma estrada. E eu nunca tive dúvida disso.

Limpei as lágrimas dela com as costas da mão, aproximei minha face da dela e com meus lábios, toquei os lábios dela.


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