The Devil Next Door escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 9
Capítulo 9




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          Um suspiro pesado, que parecia exteriorizar tudo que estava na mente do publicitário àquela hora deixou os lábios ressecados do mesmo para encher o ar a sua volta; Kaoru parou o seu trabalho por alguns minutos, usando a mão direita que há pouco segurava o mouse do computador para fazer pequenos círculos na sua testa, em uma tentativa de fazer a dor de cabeça que ele pressentia estar vindo ir embora.
          Ele não ficou de todo surpreso quando a ação não surtiu o efeito desejado. Na verdade, ele estava secretamente desejando que, quando reabrisse os olhos, não estivesse mais ali e sim em casa, relaxando no banho, descansado na sala ou lendo uma revista, mas menos ali, trabalhando.
          Trabalhando para o seu vizinho.
          Quando Kaoru de fato reabriu os olhos, ele não conseguiu conter um grunhido. A quantidade de papéis que estava sobre a sua mesa, ao lado do monitor, já parecia uma Torre de Piza, inclinando ligeiramente para a esquerda por causa do peso e da quantidade de folhas. Bagunçando o cabelo roxo em um misto de irritação e frustração, o publicitário voltou os olhos já cansados para o monitor, prestes a digitar a conclusão de um dos muitos trabalhos extras que Die havia lhe arranjado.
          Nem bem dez palavras haviam sido digitadas quando, de repente, a força caiu no prédio. A primeira reação de Kaoru foi piscar, várias vezes, olhando para a tela do computador mesmo no escuro, acabando de perceber que ele...
          Vários palavrões encheram o ar da sala quando o publicitário percebeu que era novamente alvo da belíssima sorte que ele geralmente tinha: o trabalho não havia sido salvo. Kaoru continuou praguejando até se dar conta de que ninguém mais estava comentando ou amaldiçoando a súbita falta de energia, a não ser ele. Será que ninguém mais havia percebido ou...
          Não era possível que só ele estivesse no prédio. Era?
          Assustado com aquela hipótese não tão maluca assim, levando em consideração a quantidade absurda de trabalho extra que Die havia lhe delegado sob desculpas bizarras, o publicitário tentou ver que horas eram no seu relógio, somente para se lembrar, novamente, de que aquela era logicamente uma tarefa impossível no escuro.
          Cuidadosamente, o homem de cabelos roxos se levantou da sua cadeira, seus olhos ainda se acostumando com a falta total de iluminação. Olhando para as grandes janelas de vidro, ele começava a enxergar o contorno de cadeiras, mesas e computadores perto das mesmas, mas nada mais. No entanto, os prédios do outro lado da rua não pareciam ter sido afetados pela queda de energia.
          Continuar trabalhando sem eletricidade não era uma opção para Kaoru, de forma que ele começou a andar na direção da saída. No entanto, o pensamento era mais fácil do que a ação, e tão logo se levantou do seu lugar, acabou por derrubar a pilha de folhas da sua mesa enquanto buscava apoio para o seu próprio corpo para andar na ausência da luz. Uma nova série de criativos palavrões tornou a ser o único som na sala.
          Não tardou também para o publicitário perceber que desconhecia a geografia do seu próprio escritório, tendo chutado e tropeçado em mais coisas durante a sua caminhada do que ele gostaria. Quando finalmente chegou ao saguão do andar, perto dos elevadores, o homem de cabelos roxos foi subitamente ofuscado pela luz de uma lanterna que foi diretamente nos seus olhos.
          - Ah, Kao.
          Depois de perder um trabalho, espalhar folhas pelo chão e chutar mesas, ele ainda encontrava Die na escuridão. Com tantos castigos juntos, Kaoru começava a acreditar que na sua próxima vida, ele voltaria como alguém muito evoluído e livre de todo o mal, porque ele estava na certa se purificando de qualquer coisa enquanto convivesse com o ruivo. Até mesmo se ele fosse Judas já teria sido perdoado.
          - Daisuke. Apague isso.
          - Mas Kao, já está tudo escuro! Se eu desligar a lanterna, não vamos enxergar nada mesmo.
          O tom divertido da voz do outro fez o publicitário abrir os olhos, notando que de fato o foco da lanterna estava em um ponto aleatório no chão e não mais sobre seu rosto. Suspirando rapidamente, ele nem dignou Die com uma resposta sobre a sua saída do prédio, indo na direção dos elevadores e agora ciente de que ninguém mais deveria estar trabalhando ainda, salvo por eles.
          - Anh, Kao... Você percebeu que a luz acabou, certo?
          Kaoru teria acertado uma voadora na cabeça do ruivo se ele conseguisse enxergar direito e se ele soubesse como dar tal golpe.
          - Mesmo, Daisuke?
          - Nossa, Kaoru. Você anda estressado... - o ruivo comentou, caminhando na sua direção pelo que o outro podia ver pelo foco de luz caminhando junto.
          - Meu chefe me estressa.
          - Ah, entendi. Engraçado, jamais pensei que Yoshiki fosse tão severo!
          Revirando os olhos, Kaoru desistiu de travar uma conversa racional com Die, se virando para os elevadores em definitivo e finalmente percebendo que...
          - Eu disse que a luz havia acabado. Como você pretende usar os elevadores eu já não sei.
          O homem de cabelos roxos virou-se para trás, a luz mais uma vez indo na sua cara e fazendo com que ele cerrasse os olhos e protegesse seu rosto com um dos seus braços:
          - Kami-sama, Daisuke! Tira essa luz da minha cara!
          - Kao-Kao... Olha como você fala com seu chefe interino.
          - Olha onde você coloca essa luz se não quiser rolar escada abaixo. - o outro replicou assim que a irritante lanterna foi removida da sua direção, se lembrando que poderia descer pelas escadas para sair do prédio.
          - Você não vai conseguir sair do prédio pelas escadas.
          O homem de cabelos roxos fez barulhos estranhos com a garganta, entrando em algo parecido com desespero. Tudo que Kaoru queria naquele exato momento era sumir dos olhos de Die, mesmo que aquilo fosse tecnicamente fácil no escuro, e ir para casa, descansar daquele dia horrível.
          - Você vai precisar de luz.
          - Não vou.
          - Ah, vai. Senão vai tropeçar e quebrar o pescoço, e tanto eu quanto você sabemos que viver em uma cadeira de rodas não é gostoso.
          - Bem observado. Posso ir agora?
          - Você está me pedindo permissão, Kaoru?
          O sorriso imenso do ruivo foi apenas ouvido pelo outro, que murmurando palavrões para si mesmo e certo de que Murphy gostava muito dele, caminhou até o fundo do corredor, chutando uma máquina de bebidas que ele tinha certeza de que não existia até semana passada e um vaso de plantas também. Die aparentemente tinha ido embora.
          - Kaoru... Eu tenho uma lanterna no extra no escritório, podemos ir buscar.
          Ou não. Ele tinha sido ingênuo ao acreditar que essa graça lhe seria concedida.
          Suspirando, o publicitário não entendeu o que lhe fez voltar, em velocidade menor para evitar colisões, pelo corredor até Die novamente, que tinha como sempre um belo sorriso no seu rosto, até mesmo nas situações que de forma alguma pediam por manifestações de divertimento. Se bem que o seu vizinho não era dos mais sãos, o que podia fazer dele alguém que encontrasse algo de divertido até mesmo em um blecaute.
          - Vamos pegá-la. Rápido.
          O homem de cabelos roxos não gostou nada da transformação que havia se operado no sorriso do ruivo, passando a ser um pouco mais... Maligno agora. Talvez fosse influência da escuridão e do jeito como Die segurava a lanterna, iluminando seu próprio rosto de uma forma sinistra por baixo, mas era certo que ele não havia achado aquela mudança interessante.
          - Certamente, Kaoru.
          Caminhando de volta para a área onde as mesmas ficavam, os dois atravessaram de novo a longa sala comum dos funcionários cheia de mesas e cadeiras, uma tarefa inegavelmente mais simples quando se tinha luz na sua frente. Chegaram à sala de Yoshiki, que estava sendo ocupada por Die no momento, até que relativamente rápido, quando o ruivo seguiu sozinho para dentro da mesma, Kaoru tendo parado na porta.
          Die apoiou a lanterna virada para cima na mesa do verdadeiro chefe do publicitário, abrindo uma das gavetas da mesa e revirando o conteúdo da mesma. Alguns momentos depois, passou para a gaveta inferior, mudando ainda para uma terceira antes de soltar uma exclamação de felicidade e gesticular para que Kaoru se aproximasse.
          - Achei. Pode me ajudar aqui, Kao?
          - É Kaoru. - o homem de cabelos roxos disse ao se aproximar, rolando os olhos e corrigindo o jeito que Die sempre o chamava.
          - Ahhh, tanto faz. - foi a resposta, sinalizando para que Kaoru ficasse frente a frente com a gaveta.
          O publicitário fez o que o outro mandou, prestes a se abaixar para pegar a lanterna extra quando seu corpo foi bruscamente jogado para a frente, o impacto do mesmo contra a mesa fechando a terceira gaveta e derrubando a lanterna de onde ela estava sobre a mesa, que rolou pelo chão até parar na frente da mesma, iluminando o lado esquerdo do escritório e um pouco do local que eles ocupavam.
          Descendo os olhos para a mesa onde havia apoiado suas mãos, Kaoru notou que outro par de mãos também estava ali, fazendo seu cérebro perceber que a pressão atrás do seu próprio corpo não era outra coisa a não ser seu próprio vizinho. Sentindo sua face esquentar por instinto, o publicitário se mexeu, acabando por virar de frente para o outro e ficar ainda mais preso naquela armadilha formada pelo ruivo e sua cúmplice: a mesa.
          O sorriso de Die havia deixado de ser maligno, sendo a personificação da sensualidade, ainda mais com a pouca luz que chegava no seu rosto. Kaoru sentiu seus olhos se alargarem contra a sua vontade e um arrepio nada desagradável descer sua espinha, seu rosto ainda confortavelmente quente.
          - Não é mais excitante que o escurinho do cinema... Kaoru?
          A pergunta, feita em uma voz deliciosamente aveludada e baixa fez o corpo do publicitário tremer de fato, reação sentida de perto por Die uma vez que este havia aproximado seu rosto do outro homem, nariz e boca colados à pele macia de Kaoru e fazendo com que ele inclinasse sua cabeça para trás também por puro instinto e nada mais que instinto.
          Um segundo movimento mais brusco jogou tudo que estava sobre a mesa para o chão e o que estava no chão sobre a mesa, Die subindo sobre o corpo de Kaoru rapidamente para que este não escapasse; tal ação, no entanto, não teria sido necessária, tamanho choque o publicitário se encontrou quando foi colocado sobre o tampo da mesa do seu chefe.
          Sua surpresa aumentou ainda mais quando lábios quentes e ávidos colaram com os seus, o que causou uma pane na sua cabeça no momento em que as carícias experts e envolventes que Die fazia com a sua língua dentro da sua boca foram devolvidas por ele em intensidade semelhante.
          Alguns minutos se passaram, mas para Kaoru poderiam ter sido séculos, milênios; ele honestamente não tinha noção de quanto tempo ficou ali, preso entre a mesa e o corpo do ruivo de uma forma que muitas pessoas provavelmente gostariam de ficar. Quando uma das mãos do seu chefe interino de repente deslizou pelo meio dos seus corpos, buscando a blusa do publicitário, a cabeça de Kaoru decidiu protestar, devolvendo a consciência do que estava acontecendo ali dentro e fazendo com que ele mordesse o lábio inferior do ruivo, usando as suas duas mãos para empurrar o corpo do outro para longe.
          Arfando, o publicitário se desvencilhou de Die e desceu da mesa, caminhando furiosamente até a lanterna e apanhando a mesma, sem olhar para trás. Ainda com passos rápidos, ele atravessou a imensidão de mesas e cadeiras, chegando ao elevador e caminhando até a escada de incêndio. O homem de cabelos roxos, iluminando os degraus à sua frente, desceu os primeiros lances de escada e chegou no andar inferior, parando de andar quando a luz ali acendeu.
          A luz havia voltado, então?
          Ainda respirando mais profundamente do que o normal, Kaoru também notou que sua roupa parecia grudar ao seu corpo por causa do suor. Intrigado com a volta luz, o publicitário subiu novamente as escadas e o sensor de movimento não funcionou, deixando-o no escuro salvo pela sua lanterna.
          Saindo de volta para o corredor imerso na escuridão de onde havia vindo, o homem de cabelos roxos atravessou o mesmo, desviando de plantas e máquinas, indo até onde Die o havia encontrado mais cedo, iluminando a parede e descobrindo o quadro de força ali.
          Sentindo um pressentimento estranho, ele abriu o quadro, jogando a luz da lanterna sobre as inscrições na porta e puxando para cima a chave geral daquele andar, a luz voltando imediatamente ao piso.
          Die havia desligado a luz daquele andar de propósito.
          Praticamente urrando de raiva, vergonha e outros sentimentos misturados que ele não conseguia definir, Kaoru jogou a lanterna ao chão e apertou o botão do elevador, indo embora pelo mesmo assim que ele conseguiu.

          Na manhã do dia seguinte, Toshiya caminhava calmamente pela rua, olhando o relógio que trazia no pulso e constatando com satisfação de que ele estava adiantado em alguns minutos para o trabalho. Sua pasta estava excepcionalmente leve aquela semana, e ele suspeitava que era em função do trabalho exagerado que seu colega de divisória havia recebido no dia anterior.
          Aliás, Die estava se provando um chefe um tanto quanto tirano em relação à Kaoru; Toshiya não sabia o que havia acontecido entre os dois, mas parecia que eles se odiavam. Ou que pelo menos seu colega detestava seu chefe interino com uma paixão assustadora.
          O jovem de cabelos azuis foi tirado dos seus devaneios quando passou na frente de uma loja de jogos que ficava no seu caminho para o serviço, o barulho de várias pessoas gritando chamando a sua atenção. Piscando, ele deu vários passos para trás, parando na porta de vidro aberta da loja e piscando novamente, tentando fazer seu cérebro corrigir a visão que estava tendo.
          Como nada mudou, Toshiya deduziu que aquilo era verdade.
          Em frente a uma daquelas máquinas de jogos de lutas, ligeiramente inclinado para frente enquanto operava os controles de socos e chutes furiosamente e com uma concentração anormal, estava o seu colega de divisória, Kaoru. Aparentemente, disputava aquele round com um garoto do colegial, ou era o que Toshiya achava por causa do uniforme.
          Vários outros garotos mais ou menos da mesma idade do menino que fazia as vezes de oponente do publicitário estavam em volta deles, gritando palavras de encorajamento para ambos. Ainda pasmo com a cena, o homem de cabelos azuis deu alguns passos para dentro da loja, parando atrás do enorme grupo e vendo Kaoru, ou melhor, o personagem que controlava, dar uma surra tremenda no outro, fazendo as letras "K.O." piscarem na tela, vermelhas e em negrito. O povo em volta dos dois gritou e comemorou a recente conquista do seu colega.
          De repente, Kaoru se virou para trás, olhando para a multidão de meninos do colegial e gritando:
          - Quem é o próximo que quer perder?
          Um menino entusiasmado se adiantou e assumiu os controles que ficavam ao lado do homem de cabelos roxos, iniciando um novo combate e deixando Toshiya cada vez mais perplexo com o jeito que seu colega de divisória parecia querer trucidar de fato o seu inimigo no jogo; o olhar dele chegava a dar medo.
          Quando mais uma espantosa vitória havia se seguido, o mais novo dos publicitários percebeu que era praticamente hora de ambos estarem no suntuoso prédio onde trabalhavam, e decidiu chamar atenção do seu companheiro de jornadas diárias:
          - Kaoru?
          O jeito que o homem de cabelos roxos virou para encarar Toshiya fez o mesmo quase pular e dar alguns passos para trás, instintivamente procurando por abrigo para escapar da raiva que parecia prestes a estourar. No entanto, Kaoru não gritou, nem voou no seu pescoço ou tentou meter uma bala entre seus olhos, suspirando apenas.
          Reação que causou imenso alívio no mais novo dos dois adultos ali.
          - Totchi.
          - Kaoru, está... Na hora de irmos.
          - Ir?
          - Para o trabalho.
          O grupo de garotos ignorou a presença dos dois ali rapidamente, um deles logo assumindo o lugar vago de Kaoru e recomeçando os combates. Toshiya puxou o outro pela manga da sua camisa devagar, trazendo-o para perto do caixa das fichas, mais deserto e isolado.
          - Kaoru... - o mesmo abriu os olhos, vermelhos - Kaoru, o quê aconteceu?
          A voz e olhos cheios de preocupação sincera conseguiram trazer um sorriso pequeno aos lábios do homem de cabelos roxos, que balançou a cabeça negativamente.
          - Nada, Totchi.
          - Nada? Você parece que chorou ou não dormiu a noite inteira!
          Um sorriso ligeiramente mais sarcástico apareceu dessa vez, mas Toshiya não notou a diferença.
          - Mais ou menos por aí, Totchi.
          - Anh?
          Um suspiro pesado se seguiu, e Kaoru colocou uma das suas mãos no ombro do seu colega de trabalho.
          - Toshiya... Eu não quero falar sobre isso. Não agora.
          O bonito rosto do homem de cabelos azuis se converteu em preocupação mais uma vez, e mordendo o lábio inferior, terminou por balançar a cabeça afirmativamente. Notou também os semicírculos escuros debaixo dos olhos do seu amigo, começando a achar que ele realmente não tinha dormido.
          Os dois por fim saíram da loja, Kaoru ganhando um aceno respeitoso do dono do local; ninguém nunca havia jogado tanto tempo sem perder uma única partida. Ainda perplexo com o talento do publicitário, ele nem chegou a cobrar pelas fichas usadas pelo outro.

          Quando Toshiya e Kaoru chegaram na frente do prédio da empresa, o mais velho dos dois parou de andar, olhando para cima e fixando seus olhos no andar para o qual deveria ir. Piscando, se deu conta de que não tinha sua pasta consigo, muito provavelmente esquecida na sua mesa de trabalho.
          No momento em que a mente do publicitário pensou em mesa de trabalho, não foi a sua escrivaninha, mas a de Yoshiki que coloriu sua memória com cenas bastante vívidas do que tinha acontecido há pouco mais de doze horas. Balançando sua cabeça negativamente, Kaoru não acreditava ter cedido à tentação daquela maneira, respondendo ao que Die fazia com seu corpo com tanta...
          Paixão?
          A mente de Kaoru refutou a palavra na hora, defendendo-se e colocando a culpa no corpo do publicitário. Se ele tivesse uma namorada estável, seu corpo não estaria tão ávido para ceder e retribuir o que o ruivo fazia com ele.
          O corpo, por sua vez, jogou a culpa de volta para a mente, dizendo que se o homem de cabelos roxos fosse menos preocupado com seu trabalho e vida em geral, seria uma pessoa muito menos estressada e carente de atenção daquele jeito.
          - Kaoru?
          O publicitário piscou várias vezes, até a massa azul na frente dos olhos fazer sentido e virar o rosto do seu colega de divisória:
          - Toshiya?
          - Kami-sama, Kao. - o outro suspirou aliviado - Você estava fazendo caras estranhas para... O nada.
          O outro grunhiu. Ótimo. Agora as batalhas travadas internamente entre seu corpo e mente estavam ficando relativamente visíveis na sua expressão. Toshiya se afastou mais ou menos uns três passos, atitude que não era prudente demais para com alguém que estava destroçando personagens inimigos no videogame há poucos minutos.
          - Não é nada, Toshiya... - ele respondeu, a voz um pouco mais ríspida do que ele pretendia, mas não conseguindo controlar o tom; ele estava cansado demais depois da noite que ele não havia dormido, só sentindo agora as conseqüências - Eu não vou trabalhar hoje. Obrigado por me chamar, mas eu não estou... Muito bem.
          O seu bonito colega de divisória ia tecer um comentário sobre aquilo ser óbvio, mas fechou a boca no instante que o olhar cansado, estranhamente mortífero de Kaoru encontrou o seu. Balançando a cabeça afirmativamente, ele optou por desejar um bom descanso ao outro homem e entrou para o prédio, deixando o outro homem ainda engravatado do dia anterior na rua.
          Esfregando os olhos vermelhos que pareciam ter areia e pesavam como chumbo, o publicitário deu meia-volta e retornou para o seu apartamento.

          Batidas nada delicadas na porta foram seguidas de alguns sussurros. Bom, na verdade, não deveriam ser sussurros se foram fortes o suficiente para serem ouvidos por Kaoru, desconfortavelmente deitado no seu sofá.
          O bem-sucedido publicitário que tivera sua vida virada do avesso desde que chegara a Tokyo não havia escolhido dormir ali, mas seu corpo atirou-se sobre a primeira coisa que era grande o bastante para servir como cama, e não admitiu protestos da parte pensante de Kaoru, ou seja, sua mente. Suspirando profundamente, o homem de cabelos roxos se levantou com um esforço homérico do sofá, sentindo cada parte do seu corpo estalar de forma suspeita, indicando que ele provavelmente teria dores mais tarde.
          Cambaleando até a porta, ainda meio tonto de sono, Kaoru se apoiou na mesma e respirou fundo antes de colocar a mão na maçaneta, somente aí pensando em olhar pelo olho mágico e ver quem estava do lado de fora. Para sua surpresa, eram Toshiya e Shinya, este último pedindo que o seu companheiro de divisória fosse mais silencioso.
          - Mas Shin-chan! Ele deve ter escutado as batidas.
          - E se tivermos acordado ele?
          - Não é possível que Kao esteja dormindo até essa hora!
          - Talvez seja. Você não disse que ele estava com os olhos vermelhos? Isso acontece com quem não dorme.
          - E também com quem chora. E julgando pelo jeito furioso que ele estava jogando aquele negócio na loja, eu acho que ele levou um fora.
          - Mas eu nunca vi Kaoru-kun com ninguém...
          Maravilhoso. Agora sua vida pessoal era tema de discussão no trabalho. Sem querer saber quantas mais pessoas estavam participando do debate além dos seus dois conhecidos, Kaoru abriu a porta rapidamente e com certa violência, suas roupas amassadas e cabelo em desordem não contribuindo muito para tornar sua aparência mais amigável.
          O gesto, no entanto, fez os outros dois homens olharem imediatamente para ele, mudos e com os olhos ligeiramente arregalados. Bons segundos se passaram até que eles recuperassem a fala e colocassem sorrisos no rosto.
          - Kaoru-kun! Como está? - Shinya fez a pergunta de praxe, mesmo sendo a resposta óbvia. No entanto, o secretário era uma daquelas pessoas com quem você nunca conseguia se zangar, não importava o quanto você tentasse.
          Um pequeno sorriso genuíno apareceu no rosto do publicitário, acalmando as duas visitas.
          - Melhor, Shinya-san. E boa tarde, Totchi.
          - Hey, Kao. Estávamos preocupados... Por isso decidimos passar por aqui.
          O sorriso se alargou. Tokyo não era de todo um lugar desprezível, se existiam pessoas tão sinceras e amigas quanto aqueles dois.
          - Fico feliz. Entrem, por favor. Eu vou trocar de roupa, pentear o cabelo e a gente já conversa melhor.
          Os dois homens sorriram e entraram, acomodando-se no sofá enquanto o dono do apartamento se retirou para o quarto, tirando as roupas amassadas e jogando-as sobre a cama; arrumaria tudo mais tarde. Em seguida, passou ao banheiro conjugado, penteando o cabelo, lavando o rosto e passando desodorante, constatando com uma ponta de satisfação que suas olheiras haviam melhorado um pouco.
          Com um último olhar para o espelho, o publicitário voltou para a sala, sorriso novamente no rosto quando parou de andar, seus braços caindo inertes ao lado do seu corpo e seus olhos arregalando como pratos quando notou a terceira pessoa ocupando seu sofá.
          Ando Daisuke.
          - Ah, Kao! - a voz alegre de Toshiya soava repentinamente aguda, ferindo seus ouvidos - Die apareceu aí do lado de fora e disse que queria vê-lo também, então abri a porta.
          Se o seu colega de divisória o havia privado da audição quando anunciou a presença do ruivo, o sorriso de Die parou a sua respiração. E Kaoru não tinha idéia se aquilo era uma boa coisa ou não.


Continua...

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Notas finais do capítulo

Arigatou pelas reviews novamente! Pelo menos agora eu estou dando conta de responder a todos os comentários.

Espero que o capítulo não decepcione!
Mari-chan.