A noite estava tensa. Havia algo de errado, eu podia sentir. Talvez fosse o fato do garoto novo não ter tirado os olhos de mim durante toda a aula. Seu olhar me dava calafrios, me congelava. Mesmo agora na segurança de minha casa, com meus pais e minha irmã mais nova, eu estava assustada.

Prendi os longos cabelos castanhos e ondulados num rabo de cavalo baixo. Decidi fazer o dever de casa tentando desviar minha mente para algo mais interessante, por mais que isso precisasse de um enorme esforço.

Minha mãe abriu a porta, anunciando o início do jantar em família, larguei os cadernos e desci em direção à sala de jantar. Meu queixo caiu. Catharina estava lá.

- Cathy! - corri para abraçá-la.

- Amiiiigaaa -ela me abraçou, e por um momento achei que fosse cuspir as tripas- Sua mãe me chamou para jantar com vocês e não pude dispensar a comida de graça -ela riu, em tom brincalhão.

- Aaaah mamãe. -choramingou Silena, minha irmã mais nova- Agora que a Catharina chegou, a Vic não vai me dar atenção!

- Claro que dará, querida. -minha mãe sorriu para Silena, mas o sorriso desapareceu quando ela virou para mim, num olhar que dizia para que eu concordasse.

- Ahn, é. - falei, forçando um sorriso para Silena.

Catharina é minha melhor amiga, desde pequena. Ela é tão linda! Seus loiros e lisos cabelos tão cheirosos e macios que não há garoto que resista. E seus olhos negros e brilhantes, tão distantes, sonhadores e profundos...

Meu pai limpou a garganta. Era como um sinal para que a oração começasse. Nós oramos, e em seguida nos servimos. Cathy e eu conversávamos sobre a escola em meio aos olhares perturbadores de Silena. Depois que todos terminaram, o celular de Catharina tocou.

- Iiih, olha a véia atrás de mim denovo. -ela se levantou, cambaleando para trás de forma melodramática, com a mão apertada contra o coração- Partir-me-ei, Victoria Vogl, sentireis minha falta mas afirmo-lhe minha presença na aula amanhã, agradeço a atenção.

Dei uma risada, junto com meus pais. Silena revirou os olhos de forma exagerada, deixando escapar um idiota em sua expiração. Acompanhei Cathy até a porta, abraçando-a.

- Até amanhã, Cathy. -sorri.

- Até mais minha amiga, sonhe com os anjos. -ela abriu um enorme sorriso, e dirigiu-se ao seu carro.

Após meu demorado banho e as reclamações de Silena sobre Catharina, fui deitar. Eu estava cansada. Realmente cansada. E então, deixei o peso de meus olhos vencer e tudo escureceu.

Eu estava no céu. O aluno novo, Caleb, estava lá, com suas asas, sua auréola, e com um brilho que chegava a cegar. Ele era um anjo e eu podia vê-lo observar os humanos. Cheguei perto.

- Caleb? - balbuciei.

Ele nem se mexeu, parecia estar com o olhar fixo em alguma pessoa. E eu, estava invisível a ele, certamente. Olhando assim de perto, percebi tamanha beleza. Ele era um garoto alto, esguio, seus cabelos eram castanhos bem escuros, médios e ondulados. Corei ao ver que ele possuia apenas um tecido branco amarrado ao quadril, eu observava suas costas nuas... os músculos bem definidos de seu corpo... Desviei o olhar, apertando a têmpora.

- Caleb, observando-a novamente? -virei para trás, correndo assustada, até me lembrar de que eu não estava sendo vista. Um outro anjo aparecera, parecia-me mais velho.

Caleb sorriu.

- Ah, como queria estar perto dela...

- A única maneira... Não. Nem pense nisso.

Caleb virou-se, mostrando todos os seus dentes brancos e perfeitamente alinhados num sorriso encantador. Seus olhos brilhavam.

- Incrível! Como desvendou meus pensamentos?

- Aos caídos, só restam três opções -ele mostrou três dedos, abaixando um deles- Matar um nefilin e se transformar em humano. -abaixou outro- Salvar um humano e virar seu anjo da guarda -e por fim ele abaixou o último- Ou continuar como um caído, vagando pelo mundo sem destino e muito menos objetivo. Vivendo apenas pelos prazeres e maldades.

Estremeci com esse assunto de anjo caído, segundo minha crença católica, isso não era bom.

- Ainda não entendeu? Por ela eu faria de tudo. -ele manteu o sorriso por mais um tempo, voltando o olhar para a terra.

- Então perdoe-me, amigo... Você terá que se retirar daqui. Este não é seu lugar... -de repente, as assas de Caleb foram arrancadas, seus olhos se arregalaram e ele gritou de dor- Anjo caído.

As nuvens me envolveram, e tudo se apagou novamente. Apenas um sonho, pensei. Abri os olhos, ainda pesados, e vi uma silhueta negra em meio a claridade da lua cheia em minha janela. Apertei os olhos e ao abrí-los novamente ele sumiu. Voltei a dormir, cobrindo meu corpo inteiro com o cobertor, ainda amedrontada.