Lives escrita por Rella


Capítulo 6
Capítulo 5




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Capítulo 5

A semana correu sem descanso, despercebida aos olhos e sentida pelo corpo fatigado. Era domingo, e estava de folga. Substituíram-na por um dia. Graças ao bom Deus.

Acordou e tinha tempo de enrolar na cama. Isso era ótimo! Dormiu como não dormia há tempos, podendo sentir seu corpo, não mais “anestesiado” pela dura semana. Pensou em Jackson. Ele não voltou ao hospital nenhum dia. Acho que fui dura demais. Só queria ajudá-lo. Fazê-lo despertar.

Após uma longa espreguiçada achegou-se a janela com vidros embaçados. O dia estava cinza. Era incrível como em seus dias de trabalho as manhãs eram lindas, estonteantes, e logo em seu merecido descanso estava nublado. Andou pelo minúsculo apartamento e concluiu que estava uma desordem. Não se deixou abater. Tratou de colocar algo no estômago que resmungava e fez o necessário. Antes das 11:00m ela pôde cair no sofá e ter a sensação de missão cumprida. Ligou a TV e não assistiu nem cinco minutos, o telefone chamou.

- Sim?


Uma voz áspera e com uma leve rouquidão lhe falou no outro lado da linha.

- Ok, ok. Eu lhes mando mais dinheiro. Mas não me tire o pouco de sanidade que ainda me resta. Não me perturbe mais! – Esbravejou.


Bateu o telefone no gancho. Emburrou-se e foi para o quarto. Em menos de dez minutos estava no carro dando a partida a caminho do banco.



- Sr. Jackson! Sr. Jackson! Acorde!

A empregada desceu apressada os degraus de mármore que davam acesso a suíte principal. A mansão estava vazia, parte da criadagem foi dispensada. Encontrou apenas um dos seguranças da residência, George. Negro, alto, bonito e largo. Fazia a ronda em toda a mansão a cada uma hora.

- George! Sr. Jackson não acorda, ele não acorda. Fui para trocar os lençóis e... – Desistiu. - Ele não acorda! – Gritou, esbaforida.

Ela estava descontrolada. O segurança tirou os fones dos ouvidos e se comunicou no pequeno rádio. Deu alguns passos e logo estava em frente a Sra. McDowall, carinhosamente chamada de Dowall.


- Sr. Jackson, levante! Acorde!

Sua voz grave e rouca ecoava em todo o dormitório. E pela terceira vez George insistia inutilmente. O corpo sobre a cama de cabeceira curvilínea estava dormente, morto. Tentou novamente tomando-o brutalmente pela camiseta, sacudiu-o. Nada. Jackson tornou a cair, imóvel, preguiçoso.

- Chame o Dr. Murray e não deixe que as crianças saibam o que está havendo aqui.

- Já o chamei inúmeras vezes. Ele não atende, não sei o que há.

Peterson acabara de realizar o depósito e seguia para o carro quando o celular tocou. Assustou-se e receou ver o fim de sua folga. O visor não se deixava enganar: UCLA. Era do hospital. Era uma vez seu descanso e era uma vez uma tarde de filmes com pipoca amanteigada. Sua vida se resumia em duas palavras: hospital e pacientes; tinha de estar à disposição a todo o momento. Dra. Peterson.

- Dra. Peterson. – Identificou-se, desgostosa.

- Oh, doutora, lamento, sei que...

- Continue. – Interrompeu Sarah.

- Sr. Jackson, seu paciente, necessita de atendimento residencial. Pela descrição que fizeram de seu estado o Dr. Willians concluiu que...

- Tudo bem. – Interrompeu mais uma vez. – Até imagino o que o Dr. Willians concluiu. Apenas me passe o endereço e verei o que posso fazer. – Suspirou.


Já estou de malas prontas, relembrava as palavras de Michael. Malas prontas pra qualquer lugar, só se for. Menos Londres, Sr. Jackson, menos Londres... Onde está o “Dr. Murray”?

Para a sua surpresa, estava próxima ao endereço, mas o trânsito indolente não dava trégua. Sentia falta de San Francisco, especificamente da vida que um dia tivera lá. Pleno horário de almoço e a lentidão era a mesma das seis da manhã. Normalmente não fazia diferença, estava acostumada. E por menor a vontade que tivesse, era preciso ajudar o “paciente pop”. Não se surpreenderia se descobrisse o motivo de seu “atendimento residencial”.

O céu ameaçava algumas gotas rasteiras. Tolice. Enfim o sinal vermelho deu lugar ao verde. Conseguiu fazer a curva e não se viu mais no caos.
Andou alguns metros atenta aos números dos casarões. A rua era larga e pouco movimentada. O seu pequeno automóvel não fazia de modo algum o estilo “classe alta” daquele bairro. Não deu a mínima, não era dali. Deu de ombros. Mais alguns metros e tinha a sensação de ter se perdido. A mansão do astro parecia ter evaporado como as gotas que iniciaram a cair no chão quente e que logo sumiam no esperar da próxima.

Parou rente a um homem bem trajado, alto, que olhava de um lado ao outro, aflito, abaixo de um guarda-chuva que não protegia toda a sua corpulência.

- Com licença.

Ela se pronunciou, sem resposta.

- Com licença, senhor. – Aumentou a voz.

Olhou-a e com um ar de dúvida estampada na cara deu alguns passos até Sarah.

- Posso ajudar?

- Sim. Pode me informar como chego a esse endereço? – Entregou-lhe o papel torcendo para que ele soubesse.

Ele percorreu por alguns segundos o endereço de caligrafia corrida. Alternou um momento entre o pequeno pedaço de folha rasgada e Peterson. Curvou-se próximo a janela de vidro baixo fitando-a rapidamente.

- É alguma espécie de... Fã?

A pergunta pairou entre eles e ressoou umas duas vezes em Peterson. Não sabia que existiam “espécies” de fãs.

- Não. – Respondeu secamente.

- Sabe de quem é esse endereço?

- Senhor, eu estou com um pouco de pressa. A “pessoa” que vive nesse endereço precisa de minha ajuda.

Silêncio.

- Obrigada pela atenção.


Sarah tomou-lhe o papel prensado entre seus dedos grossos e ameaçou pisar no acelerador. Ele a repreendeu com a mão grande e pesada em seu braço esquerdo.

- Dra. Peterson? – Perguntou, desejoso.


- Abram as cortinas, por favor.

Havia apenas um fio de luz que vencera a barragem das cortinas clareando levemente o edredom grosso sobre o astro. A escuridão que ali pairava aumentava o ar tenso e febril, se misturando com a sensação e o cheiro de doença daquele cômodo.

Os empregados afastaram o tecido de caimento ao chão e voltaram para próximo, tementes a algum diagnóstico da doutora. Ela abaixara a coberta e examinava-o com a costa da mão. Deslizou por sua pele macilenta até o pescoço. Estava quente e suado. Verificou a pulsação. Normal.

Por um momento o ídolo virou a cabeça no travesseiro molhado e murmurou algo indecifrável.

- Ele está delirando de febre. – Concluiu Sarah.

Peterson olhou ao redor da cama, e sobre a mesinha-de-cabeceira encontrando o que temia, não se surpreendendo. Um frasco aberto com alguns comprimidos espalhados. Diazepam.

Por menos que quisesse, um terrível palavrão veio a sua cabeça. Fitou os dois empregados, hesitante em perguntar:

- Por acaso sabem quantos ele tomou?

A resposta foi negativa.

Ótimo! Eles não sabem, pensou.

Peterson arrancou o edredom envolto no corpo de Jackson e se ajoelhou sobre o colchão tentando despi-lo.

- Mas o que está fazendo? – Indagou George, confuso, autoritário.

- Tentando livrá-lo de uma possível intoxicação. Vamos lhe dar um choque térmico para que solte tudo o que ingeriu, inclusive os comprimidos, já que não sabemos quantos tomou.


Ela parou de desabotoar-lhe a camisa e voltou-se para ambos.

- Não vão me ajudar?

Pediu a Dowall que preparasse uma banheira com água quente enquanto George a ajudava com Jackson.

Vozes infantis soaram pelo corredor se aproximando do quarto, e logo vieram duas batidinhas na porta seguidas de um breve “papai” quebrando o silêncio e aumentando a tensão do outro lado.

Sra. McDowall saiu do banheiro apressada e com alguns pingos em seu uniforme.

- Devem estar com fome. Vamos, eu preparo algo para vocês. O que acham de sanduíches? – Sugeriu.


Ela se esforçava para esconder o nervosismo enquanto as três crianças paradas em sua frente fitavam-na.

- Não Dowall, não estamos com fome. – Respondeu o mais velho. – Queremos saber como está o papai. Ele não desceu para o café, não almoçou... Não o vimos ainda hoje! – Desabafou, triste.


Com o polegar Dowall limpou a lágrima que contornava a bochecha redonda do caçula, que tinha contra seu peito um ursinho marrom, e acariciou o rosto do mais velho.

- O pai de vocês ainda dorme. – Mentiu. – Sr. Jackson deve estar exausto pelo ensaio de ontem.


Silêncio.

- Vamos crianças, vamos ao leite com biscoitos já que não preferem sanduíches.

Após a troca de água quente para a fria, não tardou para que o abdômen branco e magro se contraísse e Jackson se debruçasse no sanitário, faltando soltar o que lhe restava dentro do corpo. George mesmo com seus quase dois metros e aparência ameaçadora por pouco não vomitou junto com o seu patrão.

Peterson deu uma rápida examinada e pode ver comprimidos não dissolvidos, na água.

Michael estava mole e não se mantinha em pé. Sarah ergueu-lhe o rosto e viu que estava semi-consciente. Sua pele arrepiada e músculos contraídos mostravam que tinha frio. Ainda estava nu e com a pele fervilhando.

Com dificuldade conseguiram lhe dar um banho e levá-lo de volta a cama, vestido.

A agitação foi tanta que Peterson não se dera conta que estava numa bela mansão acumulada em inimagináveis dólares.
Pela janela avistou o largo jardim e a grande piscina retangular, e não conseguia se impressionar por estar perto dele como muitas pessoas. Na verdade o achou um cara teimoso de cinqüenta anos que ainda dormia apesar de serem quase cinco da tarde.

É Sr. Jackson, por pouco, novamente, devaneava enquanto degustava o chá da Sra. McDowall sentada na poltrona em frente ao astro.

Ele se remexia, mas estava bem.

A porta abriu e veio George. Ele tinha um ar de desapontamento na face, gostava do patrão e odiava aquela realidade. Sarah foi até ele.

- Logo ele acorda. – Tentou aliviar George. – Não sei o que se passa com o Sr. Jackson, mas ele precisa de ajuda.

George apenas a olhou.

- Preciso ir. – Continuou Sarah. – Quando ele acordar lhe dêem alimentos leves. Sopa é uma ótima opção. Não o deixem sem comer, mesmo que insista.

- Está chovendo, não quer aguardar mais um pouco?

Dowall adentrou acompanhada. Ele era negro, de estatura média e vestia um paletó marrom e calça jeans.
- Aqui está ele, Dr. Murray. – Disse Dowall.

Murray largou sua maleta ao lado da cama e tocou o pulso de Jackson.

- O que se passa com ele?

- O que se passou, o senhor quis dizer. – Respondeu Sarah.

Ele a fitou, parecendo estudá-la.

- Dra. Sarah Peterson, Cardiologista do UCLA Medical Center. – Se apresentou.

- E o que faz aqui? – Indagou Murray, arrogante. – O que fez com meu paciente?

- O que o senhor deveria ter feito, Dr. Murray.



- Tem certeza que não quer que o motorista a leve? Garanto que o Sr. Jackson não irá se importar.

- Não, está tudo bem.

- Obrigado por tudo, doutora.

- Não foi nada. E agradeça por mim a Sra. McDowall pelo chá, estava ótimo!


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