A noite havia chegado. Depois de uma longa e dolorosa caminhada, o grupo chegou ao acampamento na clareira. Estavam todos exaustos, com frio e muito machucados pro causa da luta pelo Caderno Demoníaco.

            Karina, que foi a que mais se feriu, chorou o caminho todo, sem conseguir controlar as lágrimas. Marie colocou-a deitada num saco de dormir e começou a cuidar dos ferimentos da menina. A pedido da professora, os demais alunos ajudaram uns aos outros a cuidarem de suas feridas, já que eram mais leves, montaram as barracas e acenderam a fogueira.

            Estavam todos de pijamas, sentados uns colados aos outros perto da fogueira, desesperados por algum calor naquela noite fria. Crona observava ao redor. Nunca estivera tão unida àquelas pessoas. Aliás, nunca esteve tão unida a ninguém.  Crona sempre se sentiu sozinha, isolada. Mas agora via o contrário... Via-se mais incluída do que jamais imaginou que poderia estar. Ela sorriu timidamente, fechando os olhos por alguns instantes. Ao abri-los novamente, viu que Death the Kid era o único, além de Marie e Karina, que estava fora da roda.  Pelo menos, que ela tivesse reparado. Ela então se levantou, pediu licença para passar e começou a procurar pelo garoto.

           Crona foi achá-lo na área em que havia se tornado algo como enfermaria, sentado do lado de Olívia. Kid estava ali para observá-la.  A garota de cabelos cinza, desde que havia saído do Vazio, não abrira os olhos.  Algo estava doendo em Crona. Era uma coisa estranha, que nunca sentira em sua vida.  Era como se fosse uma raiva de Olívia, um desejo profundo de que ela não estivesse ali e que Kid se juntasse à roda com ela.  Ao mesmo tempo, queria saber por que Death the Kid dava tanta atenção para aquela garota inerte. Crona não soube lidar com aquilo.

            Death the Kid, depois de um longo tempo só olhando Olívia deitada no chão, olhou para trás. Lá estava Crona, segurando com força o braço esquerdo, com uma cara que lhe soou como de desgosto.

            -O que foi, Crona? - Perguntou Death the Kid, olhando nos olhos da menina à sua frente, que estava evidentemente perturbada

            -Kiddo-kun... Por que não está com a gente? - respondeu Crona, com sua voz ligeiramente alterada pelo que estava sentindo, mas não de um jeito muito notável- Está frio...

            -Eu sei que está... - Disse Kid, voltando o olhar para Olívia -... Mas tenho que cuidar dela. É minha responsabilidade... Você entende?

            -Hai... - Disse Crona, meio áspera.

            Death the Kid olhou apreensivo. Observou Crona cuidadosamente. Desde o olhar até a postura física da menina. O olhar meio perturbado, o corpo tensionado e a voz seca.  Tudo aquilo apontava para um sentimento bastante específico: Ciúmes.  Só podia ser aquilo. Agora só restava montar em sua cabeça o que a fazia ter ciúmes.

            Ele então foi juntando todos os pequenos pedaços do grande quebra cabeça mental que estava montando. Primeiramente, lembrou-se do dia em que brigara com Yumi... E foi ela quem o acordou. Crona estava sempre a olhá-lo de lado, ficava meio nervosa com sua presença... Dentre várias outras coisas.  Mas Kid não tratou apenas de analisar o que Crona fazia, mas também o que ele fazia. Ah, quantas coisas ele fazia! Defendia-a, ajudava-a, fazia companhia, chamava-a para as atividades do grupo, sorria para ela... Ele mandava mensagens de que o próprio gostava dela sem perceber! O jovem Shinigami então sentiu-se idiota. Como ele poderia estar gostando de alguém e nem mesmo saber? Que coisa estranha... Pensar naquelas coisas fez o sangue dele subir ao rosto.

            -E-Eu estou congelando aqui... - Disse Crona, batendo os dentes, fazendo Kid voltar à si - Vou v-voltar pra perto do f-fogo...

            Crona virou as costas para Kid. De maneira alguma Death the Kid permitiria que ela fosse embora, não naquela hora. Ele então levantou do chão , segurou a mão da menina, que estava gelada,  e trouxe-a para perto de si. Crona sentiu um arrepio correr por sua coluna vertebral e o sangue negro fluindo rapidamente em seu corpo, subindo com velocidade para seu rosto e acinzentando suas maçãs do rosto. Ela então olhou aflita para os olhos dourados de Kid, que estavam igualmente angustiados.

            Houve um silêncio enorme em seguida. Kid e Crona só se olhavam meio desesperados. O jovem Shinigami então tratou de dar o próximo passo. Aproximou seu rosto do dela, com os olhos fechados. Crona fechou os olhos também, esperando que algo acontecesse. Puramente inocente, a menina não sabia direito o que iria acontecer, já que algo como isso nunca aconteceu á ela antes.  Foi então que os lábios dos dois se uniram pela primeira vez. 

            Crona não soube como reagir. Ficou ali, parada, com os lábios selados aos de Death the Kid, nos braços do menino, esperando que aquilo nunca acabasse. Os poucos segundos que os dois se mantiveram daquele jeito foi como uma eternidade. Passou de um jeito muito devagar... Um jeito especial, que nunca haviam vivenciado ou experimentado antes.

            Os dois então separaram-se.  Afastaram-se, mantendo-se ligados apenas pelos dedos entrelaçados, e ficaram olhando um ao outro com um brilho nos olhos e um sorriso em seus rostos.

            -De fato, está muito frio. - Disse Death the Kid, que havia esquecido de Olívia completamente - Não quer ir para perto da fogueira?

            - Se Kiddo-kun for... -Disse Crona, com um sorrisinho tímido estampado no rosto - Eu vou.

            Death the Kid então sorriu para ela. Sorrira do mesmo jeito abobado que ele sorrira naquele dia em que Crona havia caído da escada da Shikedai. Sem soltarem as mãos, o casal foi em direção à fogueira.  Quando chegaram lá, estavam todos os outros rindo, contando suas histórias de quando eram menores e suas opiniões sobre os acontecimentos daquele ano. Estavam todos unidos de um jeito quase que milagroso. Tudo muito amistoso, sem nenhum tipo de rivalidade, conversa agradável... Em poucos dias, eles já se consideravam melhores amigos.

            Problemas resolvidos, novos mistérios para se desvendar e muitos quebra-cabeças mentais para serem montados por um longo tempo, até que façam algum sentido. Naquele curto tempo de convivência desde o início do ano escolar, um laço forte foi criado entre aqueles alunos, graças àqueles importantíssimos e memoráveis acontecimentos que dividiram. Mas não existe maneira de prevê se este laço não irá se desfazer com o tempo.

            Mas quem sabe não dura para sempre? Mesmo que um dia eles se separem, mesmo que um dia nunca mais se vejam, eles estarão sempre ligados pelas lembranças de seus Momentos.

            O importante não é a freqüência com que nos vemos, mas sim a freqüência com que pensamos em nós, certo?

                                               THE END