Um folheto branco com a imagem da bateria dos “The Beatles” e letras elegantes descreviam uma coisa que eu tinha esquecido completamente: o baile de formatura.

Todo fim de ano esse maldito baile apavora o povo da 8ª série. E agora era minha vez. Uma menina que passava por ali me viu olhando o folheto, meio espantada, e veio falar comigo.

-Ah! O baile! Você não sabia que seria mês que vem? –fiz que não com a cabeça- Bom, mas vai ser. Amanhã, na aula, eles vão entregar o convite com hora, data e local. Apenas alunos da 8ª série podem participar e seu convidado, lógico!

Lógico! O convidado! Quem iria se esquecer do convidado! Além de você ser morto de vergonha tentando dançar na festa, você pode levar alguém com você. Uma pessoa a mais para te zoar é sempre bom.

Pelo menos vai tocar Beatles. Eu não ia suportar ouvir a voizinha irritante do tal do “Justin Bieber” por quase 5 horas! Afinal, aqui é Liverpool, terra da maior banda de todos os tempos.

Eu tentei me conformar, mas não consigo. Eu não tenho vestido, não tenho sapato, não tenho um cabelo que preste...E o Ruddy ainda vai estar lá! Ele deve ser convidado de alguém, porque já está no terceiro colegial. O problema é...de quem? Um amigo? Um parente? Uma...namorada nova? Isso não deixou de me dar um pouco de ciúmes. Meus Deus! Nunca me imaginei com ciúmes.

Assim que todos esses pensamentos pessimistas me ocorreram, eu fiz a primeira coisa que pensei em fazer: sair correndo pro meu quarto e contar para Livvie (que já estava lá) o que eu tinha visto.

-LIVVIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIE!

Bati feito louca na porta. Tinha esquecido a chave. De novo.

-Puxa, quem será que é?

Ouvi ela dizer, com tom sarcástico (no qual ela era muito ruim), antes que abrisse a porta.

-BAILE! O BAILE DE FORMATURA!

-E ela viu o folheto...

Ela virou de costas enquanto falava isso com uma pitada de desgosto.

-Sim! Eu vi o folheto! Pêra aí...você também viu o folheto? –olhei para ela desconfiada- Quando estava vindo para cá?

-Não, Sophie. Eu vi o folheto faz alguns dias.

-Porque não me contou?

-Por causa disso.

Ela apontou para mim com uma sombracelha erguida, eu estava ofegante. Tinha corrido muito.

-Ah! Qual é! Você acha mesmo que eu estou dando outro chilique?

-Acho.

Eu estreitei os olhos para ela.

-Você não esta preocupada porque você é linda e maravilhosa, como seus vestidos, sapatos e acessórios e não tem que se preocupar em NÃO ter um vestido. Ou acessório. Ou sapato...Você me entendeu!

Ela revirou os olhos. Só ai que eu percebi que ela estava de pijama e com o cabelo solto de suas marias-chiquinhas, o que só fazia quando ia dormir.

-Boa noite, Sophie.

-Mas...mas... –ela esperou eu continuar minha frase, o que nunca fazia. Ela sempre me interrompia no segundo “mas”. Eu não tinha formulado uma frase, apenas falava “mas” em protesto- Maaaaaaaaaas...

-A arma de Rupert afetou seus miolos, sério.

-MAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAS...

-Boa. Noite. Sophie.

Ela fez uma cara brava para mim, o que era raro. Devia estar com sono. Então se virou, deitou-se e adormeceu. Era incrível sua facilidade em adormecer tão rápido, eu ficava horas me revirando até pegar no sono. Ainda mais quando algo me incomoda, e, naquela noite, duas coisas me incomodavam muito: Rupert com sua arma de fogo, e o baile de formatura.

Acordei com o som esganiçado de dois galos gritando. Será que a Livvie não podia MESMO trocar o som do alarme? Aquilo me irritava profundamente.

Eu levantei, morrendo de preguiça, e me arrumei para a aula. Que foi a mesma chatice de sempre. Mas, depois do almoço no 6º tempo, entregaram vários convitinhos em envelopes fofos e vermelhos escritos em prata, com letras elegantes e com textura:

Baile de Formatura

Aquilo me deixou mais preocupada ainda. E, como eu previa, ia ser daqui a um mês (ou quatro semanas, como havia dito Ruddy). Aquilo me deixou inquieta.

Não conversei com Livvie sobre isso e descarreguei minha raiva no time adversário, na hora da luta. Dois meninos, mais ou menos da minha idade, tentaram me segurar por trás para outro, um pouco maior e mais forte, me bater pela frente.

Ai, ai. Esses meninos burrinhos de hoje em dia. Os meninos que me seguravam eram mais fracos que o da frente, foi fácil livrar meus braços deles e derruba-los antes que o grandão desse seu primeiro soco em minha barriga.

Daí, foi só torcer o braço do garoto e ganhar a luta de novo. Mas teve uma coisa meio inesperada. No começo do jogo.

Lucy e Brandon sempre disputavam quem iria escolher os participantes primeiro. Lucy nem sabia meu nome direito, então ela apontava para mim sempre que podia, em primeiro lugar. Ela sabia que eu era a única menina que lutava bem. E, se ela desse prioridade para suas amiguinhas pululantes, Brandon ficaria comigo. Bom...no TIME dele.

Dessa vez ela conseguiu ganhar de Brandon no “Par ou Ímpar” e escolher seu participante primeiro. Mas não fui eu. Ela apenas estreitou seus olhos azuis para mim, com um pouco de raiva (creio eu), olhou para Steven e deu um sorrisinho sem graça, olhou para Ruddy aumentando um pouco o sorriso e, por fim, escolheu uma de suas amiguinhas pululantes.

Conclusão: o time de Brandon ganhou, fiquei mais incomodada ainda e Lucy está dando em cima de Ruddy.

AIIIIIIIIIIIIIIIIIIII! Que confusão de nomes e acontecimentos...escola é muito complicada! Vou me formar o ano que vem e já começar a trabalhar, mas sem colegas de trabalho. Vou acabar com minha vida social (se é que eu tenho uma) e deixar todos esses nomes para trás...

Bom, quem dera!

Continuando: eu quis um lugar para relaxar. Sem Livvie. Sem Lucy. Muito menos num céu com diamantes. Sem Ruddy. Sem baile. Não tive escolha, eu tive que ir para o bosque. Lá ninguém entrava, era proibido mesmo.

Cheguei na mesma árvore em que Rupert e Miguel estavam usando para mira dois dias antes e encostei. Fechei os olhos e fiquei lá...esquecendo do mundo ao meu redor.

-Sofia? SOFIAAAAAAAAAAAAAAA!

Eu abria meus olhos devagar. Que sono...que dor! AI! Tentei levantar mais o torcicolo era muito, assim como a dor nas costas. Abri os olhos e levei um susto, dei até um gritinho.

-Calma mulher. Sou eu! Sofia?

Eu abri melhor os olhos, piscando e aproximando mais minha cabeça.

-Rupert?

-Prazer.

-O que você ta fazendo aqui?

-O que VOCÊ ta fazendo aqui?

-Eu estava descansando e acabei cochilando.

-Desde quando está aqui?

-Desde que a aula acabou, umas 4:00 da tarde, porque?

Eu ainda estava meio sonolenta, então não percebi o quanto escuro estava. Ele olhou para o céu, meio que me mostrando.

-São 19:30 agora.

-Nossa, acho que eu dei uma BOA cochilada. -eu dei um risinho besta e ele me olhou com uma sombracelha erguida- Foi mal...

Eu levantei desajeitada e vi que ele estava segurando sua arma com balas de borracha. Mas que doíam.

-Veio treinar?

-É...até perceber que tinha alguém dormindo na mira. Achei que era um mendigo, sabia?

-Eu quis vir num lugar solitário. Onde ninguém me enchesse o saco. Cadê Miguel?

-Ele não veio hoje. Acho que ele vai desistir da competição.

Ele treinou um pouco, depois disso, e eu fiquei observando. Ele era bom mesmo, mas seu jeito de atirar era engraçado. Não sei se mencionei antes, mas ele afastava os pés e erguia a mão de trás, como se procurasse equilíbrio. Nunca vi ninguém fazendo isso, nem profissionais em filmes, nem Miguel (que era iniciante).

Depois fomos até os dormitórios sem dizer nada um pro outro. O que estava começando a me incomodar. Eu peguei outro caminho, dizendo “tchau” para ele e dormi tranqüila.

Não antes de Livvie me dar uma bronca dizendo como estava preocupada e não era para eu ficar sumindo escola afora.

Fora isso, eu não estava muito preocupada com o baile. Sei que arranjaria alguma coisa...