Capítulo 1: Uma família diferente

O céu azul contrastava com a tonalidade turquesa das águas límpidas do mar das Caraíbas. Uma mancha escura pintava o quadro idílico. Solitário, como se fugisse do resto do mundo, um navio de velas negras navegava calmamente sob o vento favorável. De noite, tinha a companhia de um outro navio, temido pela maioria, mas não deixando de ser majestoso até para a alma mais temerosa. E era nesta pequena frota, solitária de dia, mas poderosa mal caía o crepúsculo, que uma família diferente sobrevivia.

- Mary, sai daí, ou ainda te matas! – Lara gritou desesperada, perante a brincadeira perigosa de Mary. Um ser pequeno, mas bastante ágil tinha-se pendurado num dos cordames que apoiavam as velas.

Lara detestava quando a filha Mary Rose se metia nessas aventuras. Mas por mais que ralha-se, por mais que avisa-se, não havia maneira de a rapariga se comportar.

- Jack faz alguma coisa! – Lara exclamou, para um pirata de trejeitos esquisitos que saía da cabine do capitão.

- Ela sabe o que está fazendo. Tem sangue pirata! – Jack exclamou, levando com o olhar mortal de Lara.

- Ela só tem 5 anos! – Lara desesperou-se, prontificando-se a subir no cordame até alcançar a filha. – Sabe lá o que é perigoso para ela ou não.

- Love, com 7 anos eu já sabia disparar e comandar um navio! – Jack riu exibindo os seus dentes de ouro. A verdade é que embora mulher, Mary era a cópia de Jack. Fazia tudo o que este fazia, seguia-o para todo o lado e olhava-o com um brilho intenso nos olhos. Adorava igualmente a mãe, mas muitas vezes a preocupação maternal desta, era quase como uma prisão para alguém que já tinha nascido no meio de piratas e futuramente seria uma.

Mary foi agarrada por Raguetti e desceu pelas costas deste. Pintel e Raguetti. Eram como as mascotes de Mary. Mary era protegida por todos e adorada. Tomara, era a única criança a bordo, para desgosto de Alicia.

- Nunca mais voltes a fazer isso! – Lara pegou na filha ao colo. O cabelo desta dava pelos ombros e era preto, assim como os olhos. No entanto a cara revelava os traços maternos. Vestia umas calças castanhas escuras e uma camisa branca desbotada, além de calçar umas botas pretas, tipicamente piratas mas em tamanho mini. Esse deveria ser provavelmente o melhor presente que Mary teve. As suas primeiras botas.

- O papá deixa. – Mary agarrou-se ao pescoço de Lara.

- O teu pai deixa porque ainda tem menos juízo que tu. – Lara bufou.

Jack abriu os braços e Mary passou para o colo deste. Era franzina mas tinha força. Que o diga Gibbs, que já tinha levado com uma mordida desta. Tirou o chapéu de Jack e enfiou-o em si, afundando-se neste.

- Não te cansas de me roubar o chapéu? – Jack perguntou.

- É o meu chapéu. – Mary fez beicinho.

- Prometo que no próximo aniversário terás um chapéu ainda mais bonito do que esse! – Lara disse sorrindo.

- Hei, o meu chapéu é o mais bonito de todos! O verdadeiro chapéu pirata. – Jack disse orgulhoso.

- Eu quero este chapéu. – Mary disse, endireitando este, que por ser tão grande tombava para o lado.

Jack botou a língua de fora para Lara e esta rolou os olhos.

- Ok, será um chapéu igual ao do teu pai. – Lara disse, vendo Jack e Mary trocando um piscar de olhos.

- Como é que está a minha netinha emprestada mais bonita do Mundo? – Grace chegou apertando as bochechas de Mary até doer. – Lara, precisamos falar. – Disse num tom sério e puxando-a para o lado.

- Eu vou para o leme. – Jack disse para alegria de Mary.

Lara foi com Grace até ao parapeito do navio e fixou as águas.

- O que é que se passa, Grace? – Lara perguntou, olhando para esta. – Algum problema contigo? – Perguntou arqueando a sobrancelha. Foi difícil para Grace se adaptar no início, mas depois do nascimento de Mary e com a companhia de Barbossa, ninguém diria que Grace vinha do futuro. Era a única mulher da tripulação que vestia saia.

- Não é nada comigo. É com ela. – Grace fez um aceno com a cabeça e Lara seguiu-a com olhos até à parte de superior da proa. Quando o alvo foi fixado, Lara suspirou. – Há meses que ela vive numa tristeza de dar dó. O Will anda de rastos. Nem mesmo quando está com ela, consegue animá-la.

Lara olhou de novo. Alicia estava sentada em cima de um caixote e com os braços apoiados no parapeito, olhava o horizonte sem brilho nos olhos.

- Quanto mais ela se afundar nesse estado, menos hipóteses tem de conseguir o que tanto deseja. – Lara disse.

- O problema é que isso não lhe sai da cabeça. Já viu a cara de tristeza quando olha para a Mary? – Grace disse. Alicia adorava a afilhada. Era mesmo como uma sobrinha. Brincava, fazia-lhe penteados que Mary detestava, mas no fundo adorava Alicia. No entanto, quando olhava Mary de longe, Alicia era um poço de tristeza.

Lara sabia muito bem o que se passava. Alicia e Will estavam casados há 5 anos. Ao contrário de Lara, Alicia não conseguia engravidar e isso a estava matando por dentro. Tudo o que desejava nesse momento era poder ter um filho de Will. Nem sempre foi assim, mas depois de Mary começar a falar, Alicia foi acometida pelo relógio biológico, embora fosse bastante nova. O que é certo é que até agora nada. Lara olhou para Alicia e olhou para o timão. Jack tinha posto Mary ao leme. Era quase indescritível o orgulho que este sentia na filha. Ao lado Barbossa olhava o horizonte pelo binóculo e sorria quando Mary se ria. Grace e Barbossa eram os avós emprestados desta.

- Eu vou falar com ela. – Lara encaminhou-se para a proa. – Pela centésima vez.

Arrastou um barril e sentou-se de frente para a amiga. Alicia olhou para si com o mesmo olhar que um Basset Hound. Depois voltou a olhar o horizonte e suspirou.

- O Will só vem de noite. Escusas de estar aqui, como uma donzela à espera de ser resgatada. – Lara disse, tentando dissolver o ar soturno desta, mas Alicia continuou na mesma. Lara passou as mãos pelos cabelos e mudou de postura. – Qual é Alicia? Por acaso arrependeste-te da decisão que tomaste? – Disse num tom sério, captando a atenção desta.

- É claro que não! – Alicia exclamou.

- Porque parece isso mesmo. Caramba, isto é tudo o que sonhaste e de um momento para o outro ficaste que nem um zombie? – Lara perguntou. – Pensei que era esse o papel do Will, mas sinceramente ele é muito mais animado que tu neste momento!

Alicia olhou duro, mas Lara não ligou.

- O teu estado só está a afectar todos. O Will anda de rastos. Já não sabe o que há-de fazer para te ver sorrir. Achas que é fácil para ele ver a mulher que ama, definhar? – Lara continuou com o sermão e o tom mais alto que empregou, chamou a atenção de alguns piratas. – E não é só ele não! A Grace anda preocupadíssima, eu ando pelos cabelos, achas que não me preocupo?

- Eu sei que vocês todos se preocupam. – Alicia disse cabisbaixa. – Mas o que queres que faça? É mais forte que eu!

- Então luta contra ele! – Lara exclamou. – Quanto mais pensares no assunto pior é. A ansiedade é inimiga, Alicia. Mais tarde ou mais cedo irá acontecer.

- Será? – Alicia levantou a cabeça e Lara pode vislumbrar um rasgo de brilho nos olhos desta. – Às vezes penso, que poderá ser por causa da condição do Will. Afinal a Lizzie também não engravidou.

Lara rolou os olhos e levantou-se.

- Entende uma coisa, quanto mais pensares pior é. – Lara suspirou. – Até a Mary vê que estás diferente.

Alicia arregalou os olhos.

- Ela perguntou ontem à noite, quando a fui deitar. – Lara explicou. – "Porque é que a tia Licia está triste?" – disse, imitando a filha.

Alicia olhou para o timão e sorriu ao ver Mary.

- Até o Jack parou com as brincadeiras acerca do Will. – Lara disse, sorrindo. – E além do mais há outra coisa.

Alicia olhou para a amiga.

- Nós somos piratas. Corremos perigo todos os dias. – Lara disse. – Ficamos parados até a Mary ter idade suficiente para andar e falar. Achas que criar uma criança aqui é fácil? Não imaginas o que é sofrer durante quase todos os minutos com medo que algo aconteça.

Alicia tornou a olhar o mar e levantou-se.

- Eu vou dar um tempo. – Alicia disse. – Mas não te fies que vou desistir da ideia!

Lara abanou a cabeça e abraçou Alicia. Quando chegaram ao tombadilho central, Mary desceu as escadas a correr e atirou-se ao colo de Alicia.

- Não há maneira dela engordar. – Lara observou.

- Credo, Lara! – Alicia exclamou horrorizada. – Até pareces que queres que ela seja uma baleia.

- Claro que não, mas também não quero que seja uma trinca-espinhas! – Lara exclamou.

- Eu não sou tinca-pinhas! – Mary botou a língua de fora.

Lara riu e olhou para o timão. O seu sorriso desvaneceu-se. Jack e Barbossa falavam baixo. Havia três dias que Lara sentia que aqueles dois escondiam algo. Andavam muito misteriosos.

- O que será feito da Lizzie e do Thomas? – Alicia perguntou, chamando a atenção de Lara.

Não sabiam dos dois há quase 4 anos. Depois de chegados ao século XVIII, Elizabeth e Thomas ficaram no Pearl durante 4 meses, mas depois desembarcaram em Tortuga. Durante um tempo, ficaram lá, mas depois mais nada se soube deles.

- De certeza que estão bem. – Lara disse, continuando atenta a Jack e Barbossa.

A noite tinha coberto todo o ambiente e as únicas luzes visíveis eram as lanternas do Black Pearl e as estrelas que polvilhavam o céu em noite de lua nova.

- Tu e o Barbossa andam muito esquisitos ultimamente. – Lara limpava as unhas, sentada na cama e enfiada nos lençóis, quando Jack entrou.

- Eu e o Barbossa? – Jack fez-se de desentendido. – Love, o Barbossa é esquisito por natureza.

- Então será melhor eu dizer… bastante íntimos? – Lara falou com ar soturno.

- Íntimos? Eu íntimo daquele emplastro? – Jack olhou para Lara horrorizado.

- Jack Sparrow… - Lara disse com voz séria.

- Capitão, se faz favor! – Jack exclamou enquanto despia o casaco e tirava as armas.

- Eu conheço-te muito bem. Vocês andam a tramar alguma! – Lara exclamou.

- Love… - Jack caminhou pelos lençóis até chegar a esta, mas Lara continuou com a mesma cara carrancuda. - … estás a preocupar-te sem ter razão. Que tal aproveitarmos a noite?

Jack começou a beijar o pescoço de Lara e esta tentou a muito custo manter a respiração e os pensamentos no lugar certo.

- Jack nem penses que vais-me calar com essa chantag… - Lara não terminou a frase porque Jack a calou com um beijo de tirar o fôlego. Lara quebrou o contacto, mas Jack não desistiu, descendo pelo pescoço e a agarrando pela cintura.

- Jack… a Mary pode acordar. – Lara disse sentindo a respiração ficar cada vez mais irregular.

- Ela tem o sono de leão. – Jack colocou-se em cima de Lara, tirando a camisa. – Além do mais, ela dorme com a Alicia ao lado.

- Dorme quando o Will não está! – Lara disse. – E hoje ele vinha. Ela saiu antes de a Mary adormecer.

- Love, ela nunca acorda. E vamos deixar o casal molusco sossegado. – Jack beijou Lara de novo. – Pode ser que o herdeiro viscoso venha de vez.

- Jack! – Lara colocou as mãos no peito nu deste e olhou-o brava. – Dizes isso mais uma vez e eu vou dormir com a Mary.

- Eu prometo que não falo mais. – Jack sorriu safado. – Afinal somos todos uma família. Um bocado diferente, mas não deixa de ser família!

Continua…