Prelúdio escrita por CamillaVicter


Capítulo 2
Capítulo 2 - Stephanie




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Capítulo II – Stephanie

 

O silêncio era quase perturbador na mesa de jantar. Por mais que eu estivesse mantendo os olhos em meu prato intocado, eu podia sentir os olhares de todos voltados para mim. Um cochicho ou outro eram ouvidos de vez em quando. Meu nome estava na maioria deles. Tomei coragem e levantei a cabeça pra olhar em volta. Como eu imaginava. Todos desviaram os olhos de mim quando eu me mexi. O único que permaneceu me olhando foi Viktor. Retribuí o olhar e ele me sorriu carinhosamente.

Viktor era o mais velho dos vampiros do nosso clã. Parou de contar sua idade quando completou oitocentos anos. Mas a aparência dele era de alguém de pouco mais de trinta. As criaturas mágicas demonstram seus poderes, na maioria das vezes, com dezoito anos. Mas isso não significa que elas param de crescer. Na verdade, algumas até envelhecem. Isso porque elas só se tornam imortais quando estão suficientemente maduras. No geral, a idade varia entre dezoito e trinta anos. Dimitri, por exemplo, parou de crescer com dezenove anos, mas a diferença entre nós é tal sutil que ele passa tranquilamente por um adolescente de dezessete.

Continuei olhando para Viktor enquanto ele dava mais uma garfada na lasanha. Seu semblante era imponente e transmitia uma serenidade inexplicável e contagiante. Ninguém conseguia ficar irritado com Viktor por perto. Ele é o líder do nosso clã. Ele que nos diz o que é prudente ou não fazermos. Ele que nos contém para que não façamos algo muito insensato que possa revelar nosso segredo aos humanos.

O silêncio finalmente foi quebrado pelo arrastar de cadeiras dos que já se retiravam para dormir. Percebi, nesse momento, que eu não havia nem tocado na comida. Mas eu não estava com fome.

— Você não vai comer nada? — falou a voz grave e autoritária de meu pai em meu ouvido.

— Eu não estou com fome. — falei, mas ele levantou uma sobrancelha para mim. — Não se preocupe. Se eu sentir fome à noite, eu como alguma coisa. — ele continuou me encarando incrédulo. — Eu prometo!

— Vou fingir que acredito em você! — ele sorriu e foi andando comigo no caminho para nossa casa. Quando entramos na sala, ele parou de frente para mim.

Ele estava sério.

— Escute, Chris! Provavelmente você já sabe que nós reforçamos a sua guarda...

Meu humor tornou-se negro na hora.

— Olha, pai! Eu acho isso totalmente desnecessário! O que aconteceu hoje foi um acidente, poderia ter acontecido com qualquer um! Eu confio plenamente no Dimitri.

Não consegui conter a minha indignação frente a esse excesso de cuidado que parecia pairar sobre mim nos últimos meses. Eu não podia fazer nada sem estar sob os olhares vigilantes de algum vampiro — ou de uma ninfa, nossas aliadas —, em especial meu irmão. E agora, como se não bastasse, aumentaram ainda mais o número de olhos sobre mim.

— Eu também! — sua resposta me deixou paralisada. As palavras ficaram entaladas em minha garganta frente ao consentimento de meu pai. Eu sabia que ele confiava em Dimitri, mas não esperava que ele admitisse tão facilmente. Ele continuou. — Foi ele que sugeriu que reforçássemos sua proteção.

— Não acredito! — pronunciei a frase bem devagar. Eu mesma estava tentando absorvê-las. Isso explica tudo. Dimitri e sua mania de culpar-se por tudo.

— Ele não se vê muito claramente, não é? — meu pai me disse lançando-me um sorriso torto.

— Ele é um completo idiota, isso sim! Eu vou já espancá-lo até a morte!

Meu pai riu.

— Você sabe que ele está ouvindo, não sabe?

— Ah, tudo bem! — exclamei indignada. — Como se eu não conhecesse a audição perfeita dos vampiros.

Vladmir riu mais uma vez, mas logo seu rosto adotou novamente o semblante sério.

— Olha, o que importa é que Viktor concorda com Dimitri. E amanhã você será acompanhada por mais três de nós.

Soltei um muxoxo de desgosto. Não havia como discutir. Já estava feito.

— Escute, Christinne! O que eu queria lhe dizer é que você terá que tomar muito mais cuidado a partir de hoje. Aja com cautela. Não faça nenhuma estupidez. — seu olhar era angustiado. Eu podia ver o medo em seus olhos. — Deixe que eles te acompanhem. Os lobisomens vão agir mais cedo ou mais tarde. Queremos estar prontos.

Aquele olhar extinguiu todos os meus argumentos. Eu podia sentir o receio que parecia emanar dele naquele instante. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa que o reconfortasse, ele me pegou com seus braços fortes em um abraço. Recostei a cabeça em seu peito.

Não precisávamos de palavras naquela hora. Aquele gesto exprimia tudo o que sentíamos. O medo dele de que eu fosse pega. O medo de que eu pudesse ser usada pelos lobisomens. E o meu medo de não corresponder às expectativas de todos. Meu medo de ser normal.

Era como se estivéssemos transmitindo os receios de um para o outro. Dividindo as angústias.

Ele se separou de mim devagar e deu um beijo na minha testa.

— Boa noite, filha.

— Boa noite, pai.

Me virei para sair, mas ele me segurou delicadamente pelo braço.

— Espere! Você ainda vai ao quarto do seu irmão?

— Claro! Eu preciso garantir que ainda existe alguma coisa na cabeça dele.

Ele riu, mas então levantou a cabeça levemente como se estivesse ouvindo algo além dos corredores. Depois se dirigiu a mim.

— Não será preciso! Ele mesmo vai até o seu quarto.

— Se ele prefere assim! Boa noite, pai.

— Boa noite, Chris! Tenha bons sonhos.

Caminhei até o meu quarto alguns metros depois. Quando virei o corredor, não me surpreendi ao encontrar uma ninfa parada na minha porta. Os cabelos negros caíam graciosamente em cachos até a cintura. Seus olhos eram azuis e o vestido turquesa combinava perfeitamente. Sua pele era branca, mas as maçãs do rosto tinham um leve tom avermelhado que a diferia das vampiras. Mas a maior diferença era, sem dúvida, o fato de que a ninfa não tocava os pés no chão. As finas asas transparentes em suas costas a faziam flutuar pelo menos uns trinta centímetros acima do chão. É claro que essa particularidade não era presenciada por todos, uma vez que as ninfas tinham seus próprios métodos para passarem despercebidas pelos humanos. Parei de analisá-la quando seu rosto angelical se contorceu em um semblante falsamente sério e ela cruzou os braços se dirigindo a mim.

— Pensei que passaria a eternidade aqui enquanto te esperava!

Passei direto por ela e abri a porta do meu quarto. Fiz um gesto com o braço convidando-a a entrar.

— Se você queria falar comigo, por que não disse nada durante o jantar? Você estava bem na minha frente.

Ela me afastou delicadamente para fechar a porta e olhou-me como se eu estivesse falando a maior asneira do mundo.

— Ah, é mesmo! E deixaria que todos ouvissem a nossa conversa! — disse ela sarcasticamente e então virou de costas para mim e murmurou um feitiço em ninfês. — Barkren Vons!

— O que você está fazendo? — perguntei quando não reconheci o feitiço.

— Só estou garantindo que ninguém vá nos ouvir! — ela continuou me encarando atentamente. Sua expressão brincalhona alterou-se drasticamente dando lugar a um semblante sério e um tanto cauteloso. — Mas então, e você? Como está?

Bufei exacerbada e me larguei na cama. Será possível? Eu não posso fazer nada sem que todo o mundo mágico fique sabendo? Mas Stephanie sempre foi minha melhor amiga. Eu não iria deixá-la ainda mais preocupada expondo a ela as minhas preocupações.

— O que você já sabe? — perguntei.

— Bom, a história que chegou até mim foi que você e Dimitri foram perseguidos por lobisomens, Joe e os outros chegaram a tempo, mas os lobisomens te ameaçaram. — ela parou para respirar, mas continuou me encarando esperando uma resposta. Eu não me mexi, então ela continuou. — Estou certa?

— Perfeitamente certa! Você já sabe de tudo!

— De quase tudo! — ela me concertou. Pude perceber um sorriso passar brevemente por seu rosto. — Você esqueceu que nós ninfas da água podemos perceber sentimentos com facilidade. — ela sorriu quando eu cruzei os braços e suspirei derrotada. Não tinha como esconder os sentimentos dela. — Você está intrigada com alguma coisa.

Não era uma pergunta.

— Ai, Stephanie! — gemi desgostosa. — Você é cruel. Não dá pra esconder nada de você!

Ela deu um sorriso torto e adotou novamente a expressão brincalhona.

— Isso é porque você ainda não ouviu a minha risada do mal.

Nós duas rimos gostosamente por alguns segundos, mas o clima de antes logo voltou a tomar conta do meu quarto. Ela me olhou seriamente de novo.

— Não me desvie do assunto, Chris! Você ainda não me disse por que está intrigada.

— Você não vai desistir disso tão cedo, não é?

— Não mesmo!

Acabei contando a ela, detalhe por detalhe, o que tinha acontecido mais cedo naquele dia. É claro que não precisei detalhar o que eu tinha sentido naquela rua cercada de lobisomens, uma vez que ela absorvia cada sentimento meu enquanto eu revivia o que tinha passado. Por fim, quando terminei a narrativa, ela me olhou profundamente e o azul límpido de seus olhos me envolveu completamente.

— Você acha que ele sabe de alguma coisa? Alguma coisa ruim?

— Talvez!

Ela pareceu pensar por alguns segundos, mas acabou sacudindo a cabeça discordando de seus pensamentos.

— Não! Não há motivos para os lobisomens e os ogros — os ogros estavam do lado dos lobisomens na guerra, assim como as ninfas estavam com os vampiros. — desejarem algum mal a você. Muito pelo contrário! Eles querem que você se transforme em um deles! E, obviamente, não lhe farão nenhum mal até que saibam em que exatamente você vai se transformar.

— Eu também pensava assim, mas depois de hoje eu não duvido mais de nada.

— Eu ainda não vejo um motivo pra eles ansiarem algum mal a você!

— Mas Stephanie, e se eles realmente não desejam nada de ruim pra mim? Mark disse que eu me juntaria a eles por bem ou por mal. E se eles descobriram alguma maneira de eu me transformar em um deles?

Stephanie pareceu analisar a minha teoria por alguns minutos, mas novamente sacudiu a cabeça discordando.

— Isso é impossível, Chris! Não consigo pensar em nenhuma maneira de eles fazerem isso.

— Nem tudo é impossível, Stephanie! Eles podem ter descoberto uma forma de tornar isso possível.

— Eu vou pesquisar. Talvez Maia — a líder das ninfas. — ou Viktor saibam de alguma coisa, mas...

— Não! — eu quase gritei no impulso. — Stephanie eu te proíbo de falar isso com mais alguém! Se você contar eu vou me esquecer de que somos amigas há tanto tempo. Como se já não bastasse a quantidade de cuidados que eu tenho que tomar. Se Dimitri ou meu pai sequer cogitassem a idéia de que os lobisomens possam fazer tal coisa, eles me trancariam neste quarto até os meus dezoito anos. — ela podia sentir a minha irritação, por isso não teceu nenhum comentário enquanto eu explodia. — Me prometa, Stephanie! Prometa que não vai falar disso com ninguém! Ninguém mesmo!

Ela ficou me olhando sem dizer nada. Não havia muitas pessoas para quem ela pudesse contar. O pai dela era um lobisomem desgostoso pelo que ela se transformou. E a mãe dela, assim como as outras, morreu no parto.

Este era um dos motivos das ninfas gostarem tanto de mim. Elas eram as únicas criaturas mágicas que só possuíam representantes de um único sexo. Todas as ninfas eram mulheres e, como as outras, eram inférteis. Por esse motivo nenhuma ninfa tinha parentesco direto com outra. Exceto eu. Eu era a única, independente do que eu me transformasse, que possuía parentesco direto com uma ninfa, minha mãe. Stephanie vivia me lembrando disso, chamando-me constantemente de irmãzinha.

Ela olhou para mim. Era claro que ela discordava do meu comportamento.

— Eu prometo, por mais que eu ache que você esteja errada.

Eu ia replicar o comentário dela, mas Stephanie repentinamente fechou a cara e reclamou.

— Será que ele não consegue ficar sem te ver nem um segundo?

Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, alguém bateu três vezes na porta.

— Vá com calma, Chris! Ele está irritado. — avisou-me ela e depois levantou para abrir a porta. Parado do lado de fora estava, ninguém mais ninguém menos, que Dimitri. Ele entrou sem nem pedir licença, mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Stephanie colocou-se entre nós.

— Boa noite, Chris! Até amanhã.

Ela me deu um beijo estalado no rosto e sorriu para mim.

— Boa noite, Stephanie! Amanhã a gente se fala melhor!

Ela virou se dirigindo a Dimitri.

— Tchau, Dimitri! — exclamou secamente.

— Tchau, Stephanie! — replicou ele. E antes que ela pudesse sair, dirigiu-se a ela. — Não desfaça o feitiço, Stephanie! Eu ainda quero conversar com a Chris em particular!

— Se você quer assim. Mas devo avisar que ele vai perder o efeito em menos de uma hora.

— É tempo suficiente! Obrigado.

Stephanie saiu lançando-me um olhar de aviso.

Dimitri estava parado na minha frente, suas sobrancelhas arqueadas só confirmavam o aviso da Stephanie. Eu não precisava dos poderes dela para perceber o quanto Dimitri estava irritado. Ele pousou os olhos no fundo dos meus, deixando-me paralisada.

— Porque vocês insistem em fazer isso comigo? — perguntou ele. Meu Deus, o feitiço. Eu tinha me esquecido o quanto Dimitri ficava preocupado quando Stephanie o impedia de ouvir o que estávamos fazendo.

— Ah, Dimitri! Eu me esqueci! — levantei-me da cama parando de frente para ele.

— Pois não podia esquecer! Ainda mais depois do que aconteceu hoje, você... — ele parou percebendo o que tinha falado. Ele lembrou-me porque eu estava tão irritada com ele mais cedo. Franzi as sobrancelhas adotando a minha melhor expressão estressada e observei enquanto ele se encolhia discretamente.

— Dimitri, eu não acredito que você fez isso comigo! Eu não agüento mais! — pronunciei uma palavra de cada vez. Ainda bem que Dimitri decidiu manter o feitiço do silêncio, porque eu estava gritando. — Será que agora eu poderei respirar sem que alguém venha conferir se está tudo bem?

Parei esperando alguma reação dele. Ele suspirou resignado.

— Você tem toda a razão para estar chateada comigo, mas eu não me arrependo do que fiz!

Procurei em minha mente qualquer coisa que eu pudesse dizer a ele. Eu queria magoá-lo, eu queria que ele experimentasse como eu estava me sentindo agora. Mas eu não conseguia desejar mal algum a ele. Por mais que eu estivesse chateada com ele, ele só teve intenção de me proteger. Tolo superprotetor!

Amaldiçoei-me mentalmente quando percebi que não havia conseguido segurar as lágrimas e desabei na cama. A expressão dele desmoronou e ele sentou ao meu lado consolando-me. Acabei me entregando às lágrimas e despejei em meu irmão o que eu estava sentindo.

— Eu não agüento mais, Dimitri! — falei, entre soluços, com a voz embargada. — Eu não vejo a hora de fazer dezoito anos e acabar com isso tudo.

— Chris, eu não sabia que você iria ficar assim! Se for fazer você se sentir melhor, eu peço ao Viktor para diminuir a sua guarda. Nós tomaremos mais cuidados, é claro! Mas eu acho que eu posso...

— Não é só isso, Di! — interrompi. — É todo o contexto do que a minha vida tem se tornado nos últimos meses. Toda essa expectativa que parece pairar em cima de mim.

Ele pareceu entender o que estava acontecendo comigo. Quando me pareceu que ele iria falar, eu continuei.

— E se eu não for nada do que eles esperam? E se eu não puder definir em nada essa guerra? E — e é com isso que eu mais me preocupo, mesmo que eu não exponha em palavras — se eu me transformar em um deles? Papai ficaria decepcionado comigo, como aconteceu com Mark e...

Dimitri tapou minha boca com uma de suas mãos e com a outra segurou a minha.

— Não diga isso! Papai só ficou decepcionado com ele, porque Mark foi um insensível e voltou-se contra nós. Você não é como ele!

Livrei-me da mão que tapava minha boca e despejei nele o que realmente estava me preocupando.

— Mas, se eu me transformar em uma lobisomem, se eu me juntar a eles, você será capaz de me tratar, de me amar do mesmo modo que hoje?

Foi impossível definir em palavras a expressão de Dimitri naquele momento.

— Eu não acredito que você está duvidando do amor fraterno que eu sinto por você! — disse ele ultrajado. — Escute bem, Christinne! Nunca, jamais volte a repetir isso! Ouviu bem? Nada poderá mudar o fato de que somos irmãos e que nos amamos como bons irmãos! Nada poderá mudar o que eu sinto por você! Independente do que você vá se tornar!

Eu sorri analisando a expressão injuriada dele.

— Eu também te amo, Dimitri!


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Notas finais do capítulo

Façam uma autora feliz! Comentem!! Pleeeaaseeeee!



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