Victorio era extremamente agradável, seu papo era “cabeça” e às vezes acabava me perdendo nas viagens dele, ele tinha assuntos bem interessantes, mas que acabavam me confundindo às vezes. Então começamos a falar sobre as pretensões para o futuro, ele disse que pretendia ser um advogado, era a coisa mais comum do mundo.

     − E você, o que pretende ser?

    Olhei para ele, era um pergunta difícil...e eu nem se quer tinha sonhado em pensar nisso.

    − Eu não sei. Eu nunca pensei nisso... − disse confusa.

    − Tudo bem que ainda é cedo pra pensar nisso, mas já seria legal se você começasse a pensar.

    − É.

    Olhei o relógio e já estava quase na hora de voltar a tempo de mentir pro Noah.

    − Acho que temos que ir.

    Victorio conferiu o relógio e afirmou com a cabeça. Peguei minha mochila e me preparei para levantar.

    − Mellody Clarkson Thompson!

    Congelei na hora.

    − Noah! − disse sorridente.

    − Mellody! Caralho não acredito que tava matando aula!!! Você é louca?! Vou te matar quando chegarmos em casa.

    − E você, fazendo o que aqui? − Victorio perguntou, que eu saiba eles não se conheciam o que provavelmente indicava que ele estava tentando me defender.

    − Victorio. − Noah disse com desdém. − Vim falar com a Mellody. Mellody o que você faz acompanhada desse idiota?

    − Não te interessa. E o que você veio fazer aqui?

    − Vim te informar de algo. − de repente sua expressão ficou triste, triste de mais.

    Eu fiquei a postos, noticia ruim vinha ai.

    − Ahn... Essa manhã nós não vimos Annya, John e Stacy. Claire estranhou e acabou desaparecendo também, eu fiquei preocupado. Então ainda a pouco ela ligou pra escola, pra eles me chamarem. Eu fui lá e ela tava no telefone, ela me informou que... − os olhos dele encheram de lagrimas. − Annya, John e Stacy sofreram um acidente esta manhã, eles estavam vindo para a escola e um carro desgovernado veio na contramão, eles bateram de frente.

    Ele parou, eu estava em choque.

    − Eles estão bem?

    − Ahn... Stacy e John estavam na frente, Annya a trás. John está em estado grave na UTI, Annya está fora de risco. Mas Stacy... Mel, Stacy faleceu.

    Meu coração quase parou, não podia ser!

    −Você... ta brincando?....

    Minha visão ficou turva e escureceu por completo, eu estava caindo....

    Abri os olhos, tudo estava brilhando de mais. Ouvi choros ao meu lado, eu estava deitada com a cabeça no colo de alguém. Tentei enxergar melhor e pulei quando vi no colo de quem eu estava: John.

    − Não vou te matar... − disse ele com a voz estanha, ele estava visivelmente ruim, mas como o normal da maioria dos homens insistia em não soltar as lagrimas.

    Olhei ao redor e vi Annya e Claire chorando muito. Annya estava sozinha num canto de cabeça baixa, Claire estava encostada em Noah, ela estava chorando muito mesmo.

    − Primeiro o papai e agora a mamãe...

    Olhei para John, uma solitária lagrima conseguiu descer pelo seu rosto. Eu tinha meu pai, só que ele nem ligava, mas ele não estava morto. Agora John, Claire e Annya não tinham ninguém, não agora.

    Eles não tinham família nem nada, agora estavam sozinhos...

    − John o que vão fazer agora?

    − Não sei. Provavelmente vamos passar um belo tempo num orfanato, Claire logo saí porque faltam cinco meses pra ela fazer 18, agora eu e Annya... Não sei o que fazer Mellody.

    − Porque me chamou de Mellody?

    − Porque é seu nome.

    − Nunca me chama de Mellody, só de Mel.

    − Te chamei de Mellody porque não sou mais nada de você, não que eu quisesse.

    − Me traiu sem querer?

    − Te trai porque não sabia o quanto era maravilhoso estar ao seu lado. Nós só valorizamos o que temos depois de perder. Não sabia o quanto você era especial até ver o quanto as outras eram ridículas.

    − Tarde de mais.

    − Só é tarde quando se quer que seja. Sei que ta puta comigo e que já namorou nesse tempo um cara muito melhor que eu, mas quero que saiba que não importa o tempo, não importa quantas vezes você quiser me chutar, sempre vou estar aqui. Não ligo se você vai me dar atenção ou não, só sei que sempre estarei aqui. Quando você precisou eu estava, agora se você precisar eu estou, no futuro se precisar eu estarei. E agora nesse momento sou eu quem precisa de você. Se quiser me ajudar eu aceito.

    − E o que faço pra te ajudar, dou um beijinho pra parar de doer? − perguntei irônica.

    − Se quiser dar eu agradeço, mas tudo que eu preciso é da sua presença, porque só ela já me deixa feliz e aconchegado. Só preciso de você aqui ao meu lado.

    Aquilo me surpreendeu, eu podia ouvir a sinceridade em sua voz; algo que não era comum com John.

    − Você vai fazer isso, vai fazer isso que te peço?

    − Farei, mas não abuse.

    − Não preciso de abusar, se tiver você aqui não preciso de mais nada.

    Olhei para ele, então relaxei e continuei ao seu lado; vendo aquela cena de pura tristeza. Ficaria ali quanto tempo fosse preciso. Eu ficaria ou lado deles.

    As três da manhã meu tio Daniel chegou, Claire havia dormido de tanto chorar; Annya estava no cantinho do banco calada, sem nenhuma palavra e com o olhar fixo em algum ponto que não pude perceber qual ela permanecia; John estava quietinho ainda sentado do meu lado.

    Noah conversou com tio Dan e veio até mim.

    − Mel, o tio sugeriu que fossemos para casa. Todos nós dormimos lá e depois voltamos pra ver os detalhes do enterro.

    − John, você não tava na UTI?

    − Tava, por erro deles. −disse ele apontando pros médicos. − Eles se enganaram dizendo que eu tinha fraturado uma costela, depois fizeram um outro exame e confirmaram que eu tava bem. Disseram que foi um milagre eu estar só com alguns arranhões, e talvez seja mesmo. Tudo em mim dói e to meio leso, mas eu to bem.

    Assenti.

    − Então acorda a Claire e vamos.

    Noah assentiu.

    Ele acordou Claire e eu convenci Annya a vir conosco. Agora que John se levantara eu pude perceber que ele estava roxo em certas partes.

    Quando chegamos em casa eram nove horas da noite, levei Claire pro meu quarto e pus ela pra dormir em minha cama. Meu tio Dan disse que ele podia dormir no sofá enquanto eu e Annya podíamos dormir na cama de casal. Mas Annya estava bem autista então foi definido que ela dormiria sozinha no quarto de Noah.

    Depois de algumas discussões e objeções acabou sendo definido que eu e John dormiríamos na cama de casal juntos, Noah dormiria no sofá-cama e tio Dan no sofá.

    Me troquei e vesti uma camisola bem longa e feia. John nem me olhou direito, me deitei na ponta mais distante de John.

    − Faz tanto tempo que nós não ficamos juntos...

    Ele se virou para mim.

    − Mellody me perdoa? Me perdoa por ter sido um idiota lesado? Me perdoe por ter errado feio com você?

    Olhei pasma pra ele. O que eu faria?! Era uma decisão difícil perdoar um cara idiota que só tinha te feito mal... Minto.

    Não posso de forma nenhuma dizer que ele tinha só me feito mal; e todos os momentos legais que tivemos juntos? E todas as vezes que ele me fez sorrir e me fez feliz?

    − Me diz alguma vez que eu forcei a barra com você? O seu amado ex te tirou a virgindade com menos de um mês de namoro, nós namoramos quanto tempo e eu nunca tinha forçado a barra pra tentar fazer isso com você? Você nem conhecia ele, você me conhece como a palma de tua mão como eu também sei tudo de você.

    “Sei o quanto você sofreu com a morte da sua mãe, e quem estava lá ao seu lado pra acabar com a dor? Me lembro de quando teu pai botou você e o Noah pra fora, quem te acolheu na própria casa te ajudando e te dando amor?

    “ Eu estive do teu lado o tempo todo... Eu errei eu sei! Mas as vezes é preciso um erro para podermos conseguir ver o certo. Eu escorreguei em uma mentira de que talvez existisse outra garota melhor que você, se hoje estou aqui falando tudo isso é porque sei que não existe ninguém como você!

    “ Mellody você é perfeita, eu preciso de você pra viver! E eu não vou te abandonar, nunca mais! Por que te amo mais do que a minha vida, quero que você me ajude a reconstruir o que minha idiotice destruiu. Quero você ao meu lado, preciso de você...”

    Os olhos dele se encheram de lagrimas novamente.

    − Isso no seu pescoço não foi por mim, eu sei que foi pelo seu Tim. Mas isto no meu pescoço foi por você.

    Ele tirou a camisa e pude ver um corte ainda em cicatrização no pescoço dele. Pulei em cima dele o comecei a ver de perto... havia sido fundo.

    − Quando percebi que não te teria novamente por culpa da minha idiotice eu só queria morrer. Dizem que não existe ninguém perfeito, existe sim! Só que a perfeição é pra cada um, a pessoa perfeita para você era o Tim, para mim a pessoa perfeita é você. Se você me disser sim mas disser que nunca vai me amar como o amou eu não ligo. Só quero você ao meu lado, mesmo que seu coração não seja meu...

    O que eu faria agora?

    Eu não sabia, não era porque meu coração não queria. Meu coração simplesmente gritava implorando para que eu o beijasse agora e me perdesse nele, mas minha mente não queria... algo em minha mente não queria.

    Os olhos de John brilhavam, podia ver que ele realmente estava desesperado... mas o que eu faria?

    − Sim... mas por favor não cobre de mais de mim.  

    Um sorriso brotou em seu rosto, um sorriso imenso.

    Então ele me beijou...

    Um beijo de puro amor, sem malicia, sem conotação sexual nem toques absurdos. Era só o mais puro e lindo amor.

    Tinha me esquecido que podia ser assim...

    Ele me abraçou e começou a chorar. Finalmente ele soltou toda a dor que lá estava presa pela morte de Stacy, finalmente ele estava soltando tudo.

    E naquela noite ele dormiu com a cabeça no meu colo.

    Aprendi uma lição importante: Devemos perdoar independente de qual seja o erro do outro, o perdão é sempre o melhor caminho. Os outros que erraram pagarão por seus erros, mas nós humanos não somos juízes para condenar ninguém, as penas para todos vão vir mais tarde.

    E eu também dormi, aliviada por ter meu John novamente.

    Abri os olhos preguiçosamente, estava chovendo lá fora e estava muito frio aqui dentro. John estava deitado ao meu lado, ele dormia quietinho. Me levantei de forma que ele não acordasse, então desci e lá embaixo também não tinha ninguém acordado.

    Fui pra cozinha fazer um café, a cozinha americana de meu tio Dan era divinamente pratica. Fui nos armários que ficavam os mantimentos e peguei o café, hoje faria café sem a cafeteira, faria da forma antiga! Esquentei a água e esperei, peguei o coador e coloquei uma colher e meia de café, joguei a água e o resultado como normalmente foi maravilhoso.

    Logo tio Dan e Noah acordaram, eles se sentaram na bancada e tomaram o café elogiando estar bom. John apareceu e se juntou a nós, não sabia se ele estava feliz ou triste. Claire desceu e agora só faltava Annya.

    − Cadê a Annya? − John perguntou.

    − Deve tar dormindo, vou chamá-la.

    Levantei-me e fui no quarto de Noah.

    Abri a porta.

    − Annya nós estamos....

    Parei.

    Sangue

    Sangue

    Muito sangue.

    Annya estava jogada no chão com os pulsos cortados e o pescoço também.

    O sangue inundava o quarto molhando tudo.

    Annya estava morta.

    Por essa eu não esperava.