Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 51
vida 4.2 capítulo final




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ANTES

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Benjamim sabia que não deveria existir. Afinal, quando sua suposta mãe deu à luz, nasceu uma menina. Chegou a pensar que talvez não fosse realmente filho de Dean Winchester e de Lisa Braeden. Talvez tivesse sido adotado e não soubesse. Quando, muitos anos depois, surgiram os testes de DNA e o resultado confirmou que era realmente filho deles, a prova científica de uma impossibilidade, acreditou por todo um minuto que não era louco. Depois, voltou a não ter tanta certeza disto.

Lembrava de ter sido envolvido pela explosão que destruiu a casa dos Winchester e lembrava de ver esta explosão acontecer do lado de fora. Lembrava que - por todo um segundo - deixara de existir. Tinha medo que voltasse a acontecer. Medo que, sem aviso, simplesmente desaparecesse, apagado da existência. Esquecido por todos. Mais uma vez.

Sabia que os Winchester não guardavam qualquer lembrança dele ter convivido com eles no dia da explosão. O dia mais importante de sua vida, quando descobrira quem era realmente o pai e tivera orgulho de suas raízes, só existira nas suas memórias. Toda sua infância feliz e sua juventude nem tanto, ao lado dos pais, só existira nas suas memórias.

É por causa disso que gostava tanto de fotos. Gostava de aparecer em fotos. Eram registros de que existia. Se algum dia desaparecesse no ar, gostaria de saber que permanecera existindo em pelo menos uma foto.

Voltaremos a nos encontrar daqui a alguns anos, no dia em que você iniciou essa viagem. Até lá, viva intensamente a sua vida.’ Volta e meia, essa frase martelava na sua cabeça. Às vezes, interpretava a frase como uma ameaça. O que aconteceria quando esse dia chegasse? Uma coisa era certa. A partir deste dia, se sobrevivesse a esse dia, tudo seria novidade. Não teria mais informações privilegiadas.

Viera do futuro. Mudara o destino de seus pais, tio e avós, mas também o de Matthew Logan. O conhecimento que tinha do futuro fez de Matthew um homem rico. Convivera com ele por dois anos como seu padrasto. Sabia quais empreendimentos dariam certo, porque viu esses empreendimentos já transformados em prósperos negócios. Sabia quais as tendências que se consolidariam na música e no comportamento. Quais ações dariam lucro a longo prazo. Os rumos da política e da economia americana e mundial.

Com esse conhecimento, tornara-se também ele próprio em apenas cinco anos um homem muito rico, embora nem mesmo Matthew Logan imaginasse o quanto ele tinha enriquecido.

Foi um choque para Benjamim quando soube que o tio escapara por pouco de morrer numa nova explosão de gás. Saber que sua missão talvez não estivesse terminada. A partir daí, resolveu acompanhar mais de perto os passos do pai e do tio. Trazê-los para perto de si. Cuidar deles. O acidente aéreo que quase matou Logan foi a inspiração para criar a empresa de resgates.

Lembrava de como o pai era infeliz num trabalho burocrático. Talvez fosse mais feliz atuando na linha de frente. Mas o desempenho do pai foi muito além do que poderia imaginar. Quis que ele se sentisse um herói. O que não sabia, é que o pai nascera para ser um herói no verdadeiro significado do termo. Não só ele, também o tio. Ele só pusera as engrenagens em movimento.

Era a vez que promover a felicidade da mãe. Sabia que Lisa fora apaixonada por Dean, mas também sabia que não fora feliz com ele. Ou, pelo menos, não por muito tempo. Só lembrava da mãe feliz depois de casada com Logan. Aproximou os dois. E, como da primeira vez, não demorou e estavam de casamento marcado.

Não deixava de ser estranho conviver com a mãe como se ela fosse apenas a esposa de seu melhor amigo. Vivera com a mãe até os 17 anos. Sentia falta do seu carinho e do seu amor de mãe.

Rico e bonito, Benjamim passou a ser muito assediado pelas mulheres. Mas nunca deixara de ser o nerd tímido que confessara ao pai que nunca antes saíra com garotas. Se sentia intimidado com os avanços de algumas e com o mal disfarçado interesse no dinheiro da maioria. Simplesmente deixava acontecer, sem maiores envolvimentos emocionais.

Em parte, sua armadura emocional vinha de acreditar que o tempo adicional que ganhara podia ser retirado a qualquer momento. Que ele não envelheceria para acompanhar a trajetória dos próprios filhos. Mas essa experiência ele não podia dizer que não tivera. Com o passar dos anos, pensava e agia em relação a Dean mais como um pai do que como o filho que realmente era.

Os anos passavam e a data do encontro marcado há tanto tempo atrás ficava cada vez mais próxima. Dez anos. Um ano. Um mês. Uma semana.

E, cada vez com mais intensidade, Benjamim acreditava que, na data marcada, o paradoxo que permitia que continuasse existindo seria desfeito de uma vez por todas. Queria poder se esconder, mas suspeitava que não adiantaria. Além disso, fugir seria indigno de um Winchester. Decidiu enfrentar de frente o seu destino.

Queria manter o pai afastado daquilo, como se isso fosse possível. O resgate de turistas na Catalunha lhe pareceu um trabalho fácil e sem riscos. E o que era melhor, a meio mundo de distância. Mas Dean estava no centro de tudo. Como Benjamim, ele também encontraria seu destino, não importa onde estivesse.

Foi muito estranho para Benjamim rever o Blue Mountains Motel, de pé, depois de tantos anos. Ficou um bom tempo olhando o prédio, enquanto reunia coragem para entrar. Tinha feito a reserva com bastante antecedência. Queria ficar no mesmo quarto.

Embora o estranho não tivesse marcado um local, ele não tinha dúvidas. Se era para tudo terminar, que fosse onde tudo começou.

Em La Grande, no Oregon.

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AGORA

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— Oi, Benjamim.

— Matt? Aqui? O que aconteceu? ESTAMOS SOTERRADOS? HOUVE OUTRO TERREMOTO? Um segundo atrás, eu estava no quarto, tinha acabado de tomar um banho. O que aconteceu?

— Eu sou Gabriel e mais uma vez nos encontramos depois do que - para você - foram 20 anos. Hoje sua missão se completou. O mundo foi salvo. Obrigado por corrigir meu erro.

— O que acontece agora? Eu morro? Deixo de existir?

— Não tenho resposta para isso. E não estarei aqui para ver. Vim para me despedir e agradecer. Não tenha medo. Já garantiu um lugar no Paraíso.

— Não estou com medo. Obrigado por esses 20 anos. Foi maravilhoso ter feito tanto.

A atenção de Benjamim se fixa no pequeno despertador de mesa nas mãos de Gabriel. Lembrava tê-lo visto na mesa de cabeceira do quarto que ocupava. Gabriel reajusta o horário de 21:07 para 21:03.

— ADEUS.

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DEPOIS

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Matthew Logan fora resgatado dos destroços por voluntários, horas depois, com um olho muito inchado e o maxilar fraturado, mas sem ferimentos sérios. SOMENTE ELE. Não havia nenhum outro corpo naquela ala do motel destruído. Recebera alta no dia seguinte e retornara no mesmo dia para Los Angeles. Declarara à polícia não lembrar o que viera fazer em La Grande. Mas seria intimado a depor sobre o paradeiro de Benjamim Campbell.

O computador onde eram feitos os registros dos hóspedes do Blue Mountains fora destruído pelo terremoto, assim como o lap top de Benjamim, cujo banco de dados estava irrecuperável. Mas a polícia abriu investigações sobre um Chevy Impala 2009 encontrado abandonado no estacionamento do motel destruído. O carro estava registrado em nome de Benjamim Campbell, sócio de Matthew Logan.

As investigações da polícia do Oregon geraram manchetes em jornais e publicações de todos os tipos. De tablóides sensacionalistas a revistas de análises econômicas. Havia especulações de todos os tipos sobre o que teria acontecido com empresário milionário Benjamim Campbell, que há anos se mantinha recluso.

Era irônico que Benjamim Campbell só se tornasse conhecido depois que - literalmente - deixara de existir.

Mas Benjamim tivera muito tempo, 20 anos na verdade, para tomar as providências necessárias. A polícia receberia provas que Benjamim Campbell estava vivo no exterior e as acusações contra Matthew Logan seriam retiradas.

Benjamim gravara vídeos e áudios ao longo de todo o ano anterior, que mostrados em ordem inversa simulavam passagem de tempo. Esses vídeos, associados a programas de computador, simulariam sua presença em conferências virtuais e eventos da Global Rescue durante alguns anos.

Também dispunha de um programa que transformava a voz de outra pessoa na dele, permitindo conversas telefônicas em tempo real. Claro que para isso era preciso que alguém operasse o programa. Tinha que ter um cúmplice, alguém de total confiança. Sua irmã, Sarah Winchester.

Benjamim destinara a maior parte da sua fortuna para garantir a continuidade das operações da Global Rescue, que passaria a atuar também em ações humanitárias.

Um fundo já garantia pensão para as famílias dos empregados que se acidentassem ou morressem em serviço.

Fora isso, um seguro de vida milionário beneficiando John, Mary e Sarah fora feito pela empresa especificamente para Dean e Sam Winchester. Seria pago se fossem declarados oficialmente mortos. Fora a forma que encontrara para dar segurança financeira à sua família, se alguma coisa acontecesse ao pai ou ao tio, depois que desaparecesse.

Dean e Sam Winchester foram dados como desaparecidos. Apesar do empenho da equipe da Global Rescue, não foi encontrada nenhuma pista que esclarecesse o que podia ter acontecido a eles.

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IMEDIATAMENTE DEPOIS

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— Ele está acordando. Pode me ouvir? Entende o que eu digo? Quantos dedos você está vendo?

— Três.

— Bom. Você nos assustou, rapaz. Podíamos jurar que estivesse morto, você estava sem sinais vitais aparentes. E, de repente, você se mexe e recobra a consciência. Um verdadeiro milagre. Lembra do seu nome?

— Ben. Benjamim.

— NÃO. NÃO É. Conhecemos ele. O nome dele é MARK. Mark Lawson. Ele é nosso amigo. Colega de faculdade. Companheiro de time. Mark, tudo bem com você, amigão?

Benjamim com o pescoço imobilizado e cercado por dois paramédicos, não consegue ver quem está falando. Mas não precisa. Ele sabe de quem se trata. O mesmo estudante que o resgatou dos destroços do motel, depois do primeiro terremoto.

— Owen, não é?

— Mark, fiquei preocupado com essa de BENJAMIM. Está MESMO tudo bem? Você está sangrando na cabeça. O pedaço do tronco que desabou sobre você era enorme.

— Eu estou um pouco confuso.

— Não se preocupe, Mark. Eu e o Kyle vamos cuidar de você. Afinal, para que servem os amigos?

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MUITO DEPOIS

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Benjamim ainda estranha toda vez que se olha no espelho.

Não era fácil se olhar no espelho e ver refletida a imagem de uma outra pessoa. Ele fora moreno de olhos escuros, estava com 36 anos e precisava de óculos. Mark era louro de olhos azuis, tinha 21 anos e uma visão perfeita. Ele nunca gostara de fazer exercícios, menos ainda quando tinha aquela idade. Mark era um atleta.

Será que se acostumaria a essa nova vida? Enfrentar os desafios de ser jovem uma segunda vez.

Parte de sua fortuna estava numa conta numerada. Ele poderia fazer uso do dinheiro mesmo sendo agora o estudante do Alabama Mark Lawson. Mas esperava não precisar.

Começaria novamente do zero. Tinha 21 anos, a experiência de um homem de 36 e uma vida inteira pela frente.


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Notas finais do capítulo

ESCLARECIMENTOS:
1. Optei por deixar implícita a parte em que Gabriel/Trickster manda Dean para outra realidade (que veremos em vida 5), logo após ambos terem sido soterrados. Ele o fez da mesma maneira que usou depois para se transportar: ajustando o despertador de mesa para 21:03.
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2. O corpo físico de Benjamim Winchester que surgiu depois da explosão foi criado pelo Trickster, que acompanhara Benjamim ao passado, e deixou de existir quando ele saiu daquela realidade para sempre.
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3. Não foi o Trickster que transportou a consciência do Benjamim Winchester para o corpo do recém-falecido Mark Lawson. Aconteceu naturalmente, conseqüência das leis físicas daquela realidade.4. Os deuses da luz e da escuridão da realidade vida 3 continuaram existindo na realidade vida 4.2 após a partida do Trickster. Eles não foram transportados para vida 5 (o que não significa que não existam lá).