Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 166
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 35




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Ιρονωηεελ era uma cidade como todas as outras.

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Uns poucos detinham o poder e podiam tudo. Os outros se limitavam a obedecer quando tinham juízo. Ou a pagar eternamente o preço da ousadia. E o preço da ousadia era sempre muito alto.

Esses poucos não apreciavam dividir o muito que tinham. Eles queriam mais. Sempre mais. Não aceitavam limites às suas vontades e desejos. Pegavam o que queriam. Eram predadores e estavam no topo da cadeia alimentar. Era onde pretendiam ficar por toda a eternidade. Esmagavam sem piedade quem os desafiasse, quem os contrariasse ou simplesmente quem os aborrecesse.

Ou mesmo sem nenhum motivo, pelo simples prazer de ver o outro sofrer.

§

Havia os que sonharam alto e ousaram muito. Estes aceitaram pagar o preço quando ainda eram simples mortais. Por isso mesmo acabaram ali. Idiotas ambiciosos. Incapazes de enxergar que venderam algo inestimável em troca de ninharias que se evaporaram num piscar de olhos ou de uma ilusão de poder que se mostrou muito curta.

Quando chegaram, descobriram que a conta não estava quitada. Faltava pagar os juros. A dívida era impagável.

O que encontraram não era bem o que imaginaram em vida, mas já tinham ido longe demais e não havia um caminho de volta. Não que eles quisessem voltar atrás. O que eles queriam não estava lá atrás. Restava-lhes seguir em frente e pegar o que acreditavam ser seu de direito. E eles acreditavam ter direito a tudo.

Podiam ter apostado e perdido, mas estavam dispostos a dobrar a aposta. Nada nem ninguém os impediria de conquistar seu lugar. Não tinham nada a perder e acreditavam ter muito a ganhar. Eles seguiriam tentando. Eram mais ambiciosos do que inteligentes. Um em mil acabaria ascendendo ao seleto grupo dominante.

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Muitos que ali estavam não acreditaram que seriam condenados à danação eterna. Não acreditaram que haveria um preço a pagar no final. Afinal, em vida, eles nunca pagaram por nada. O que fizeram impunemente os levou exatamente aonde queriam chegar. Fez deles homens poderosos. Porque depois haveria de ser diferente? E mais: nem sabiam se existia realmente um depois. Porque se preocupar por antecipação?

Lembravam da sensação de sentirem-se poderosos. Agora, não tinham nada. Mas, recusavam-se a aceitar que aquele era seu destino definitivo. Iam virar o jogo a seu favor. Retomariam a escalada do zero. E quando estivessem no topo, se vingariam de todos que os humilharam, feriram, desprezaram ou subestimaram. Ou seja, de todo mundo. Fariam todos pagarem. Fariam todos sofrerem. Por ora, se empenhavam em tornar ainda mais insuportável a vida de seus companheiros de infortúnio.

§

Havia ainda aqueles que se sentiram em casa ao chegar. Estes sempre souberam o que os esperava. Mas também sabem o que precisam fazer para virar o jogo. Ser ainda piores do que foram. Passar de torturados a torturadores. Sonhavam com o momento em que os papéis se inverteriam. Eles ensinariam a seus atuais torturadores o que é realmente causar dor. Seus algozes não perdiam por esperar. 

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A grande maioria, no entanto, era covarde e traiçoeira. Sempre conspirando nas sombras. Sempre se mostrando obsequiosos com quem estava por cima e odiosos com quem estava por baixo. Demonstrando um falso respeito a seus mestres. Mas somente até poderem cravar uma faca nas costas daqueles a quem fingiam servir. Não eram de confiança. Ninguém naquele lugar era. Pegavam com sofreguidão tudo o que se colocasse ao alcance das mãos. Ou patas. Ou tentáculos. Pensavam pequeno. Desde que obtivessem um pequeno ganho, por menor que fosse, não se importavam com a destruição que tenham espalhado para consegui-lo.

Se um dia chegassem ao topo, conseguiriam ser piores que os que lá estavam.

§

Havia ainda os incontroláveis. Os insanos. Os irracionais.

Alguns perambulavam sem destino pelas ruas da cidade infernal ou ocultavam-se em seus becos. Alguns pareciam ser o que realmente eram: monstros no corpo e na alma. Outros, de tão belos, pareciam anjos perdidos no Inferno. Mas o Inferno era o seu lugar de direito: sua crueldade chocava até mesmo demônios.

Outros até pareciam inofensivos. Permaneciam imóveis por longos períodos, completamente apáticos, indiferentes a tudo a seu redor. Mas, sem qualquer aviso, podiam passar da catatonia para um estado de fúria assassina e destruir a tudo e a todos que cruzassem seus caminhos.

Os que não eram suas vítimas diretas divertiam-se com sua violência e os atiçavam para que fizessem ainda mais vítimas. Não seriam vítimas inocentes. Ninguém ali era inocente.

§

Ιρονωηεελ era uma cidade como todas as outras do Inferno.

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Ιρονωηεελ era antiga.

Já era antiga quando os humanos deram os primeiros passos em direção à escuridão que existia dentro de si próprios. Quando, ocultos pela noite dos olhos de outros aldeões, fizeram as primeiras invocações de poderes que apenas suspeitavam existir e que se iludiam acreditando que poderiam controlar.

O chamado inesperado atraiu a curiosidade daqueles antigos habitantes de Ιρονωηεελ, seres que não haviam construído a cidade, apenas a ocupavam há tanto tempo que pensavam que a tinham construído.    

Esses seres descobriram que humanos podiam abrir portais ligando seu mundo escuro e confinado àquele outro, onde o ar era límpido e o céu estrelado. Muitos gostaram tanto deste outro mundo que se mudaram definitivamente para ele. Estes acabaram descobrindo que, uma vez no plano material, estavam sujeitos às leis físicas e à ação do tempo. Quando morreram, dezenas ou centenas de anos depois, suas almas, se é que as tinham, não voltaram para Ιρονωηεελ.

As marcas de sua passagem pelo mundo, no entanto, não se apagaram. Alguns procriaram com humanos e milhares de seus descendentes hoje caminham com desenvoltura no mundo humano, acreditando serem humanos.

Outros fizeram algo ainda mais irresponsável.  Eles atraíram, por diversão, humanos para Ιρονωηεελ. Suas almas, melhor dizendo, já que Ιρονωηεελ existia num plano espiritual. Mas, não acharam divertido por muito tempo. Viam-nos sempre submissos e desejosos de agradar e esqueceram que humanos podiam ser brutais e cruéis. Principalmente AQUELES humanos que os invocavam, justamente aqueles que já tinham inclinação para o mal.

Acabaram expulsos de sua cidade. Viram à distância aqueles humanos se moldarem em algo novo. Uma nova categoria de seres. Uma raça astuta e impiedosa. Aqueles humanos tornaram-se demônios.

Algumas raças antigas resistiram e foram exterminadas. Outras abandonaram as cidades e passaram a viver da domesticação de algumas espécies de feras infernais.

Uma raça, no entanto, escolheu se submeter aos novos senhores do Inferno. Assim mantiveram um certo status e confortos que só a classe dominante dispunha. Raramente eram torturados severamente, embora castigos não faltassem. Havia um motivo para isso. Eram insuperáveis numa arte que os tornava altamente valorizados e não somente no Inferno: o sexo.

Eram chamados, conforme o sexo que assumissem, de íncubos ou de súcubos. Embora se mostrassem solícitos e agradáveis aos seus mestres demônios, os odiavam como somente demônios são capazes de fazer.

Fariam qualquer coisa para destruí-los.

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O íncubo entra despercebido na câmara de torturas de Alastair e se desliga a máquina ligada às terminações nervosas do abdômen de Adam.  

- Adam! Adam! Sou eu, Sam. Vai levar ainda algumas horas para ele retornar. Descanse, deixe seu corpo se recuperar. Você tem que resistir. Sabe que ele apostou que o quebraria em menos tempo que nosso pai levou para fugir deste lugar medonho? Não podemos deixar que ele vença, maninho. É a honra dos Winchester  que está em jogo. Eu estou aqui para ajudá-lo a resistir. Sabe que tudo que faço, as coisas horríveis que às vezes digo, é para poder continuar ajudando você secretamente. Sabe disso, não sabe, Adam?

- Sei sim, Sam. Obrigado, irmão. Nós vamos fugir daqui. Os dois.

- Agora, durma. Vou velar pelo seu sono.

O íncubo toca com carinho o rosto de Adam, que fecha os olhos e rapidamente adormece.

O íncubo estava sendo muito bem pago por Crowley para sabotar os esforços de Alastair para dobrar Adam, mas saber o quanto Alastair ficará frustrado e desmoralizado ao falhar no que se gaba de ser especialista já justificava o risco que estava correndo. Como o odiava.

Lembrou das palavras de Adam. Fugirem os dois do Inferno. Se ao menos isso fosse possível. No plano terrestre, não viveria eternamente, mas talvez pudesse sentir algum tipo de satisfação verdadeira.


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Notas finais do capítulo

11.11.2012
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Ιρονωηεελ = Ironwheel
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Desculpe a demora em postar, pessoal. Oi. Tem alguém ainda aí? Muito trabalho.