CRETA

Enquanto aguardava as malas aparecerem na esteira, Hércules agilizava os procedimentos para alugar um carro. Estava irritado porque as agências do aeroporto não trabalhavam com modelos esportivos.

Não bastava ter sido obrigado a viajar de classe econômica num avião de plástico. Teria que passar pela humilhação de alugar um carro popular.

Ele, Hρακλῆς, o filho favorito de Ζεύς.

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Olhando ao redor, era impossível não notar que os funcionários do aeroporto estavam agitados. Havia uma tensão quase palpável no ar. Algo estava errado e as pessoas pareciam pressentir.

Sem saber que Hércules dominava a língua local, dois carregadores de bagagem falavam assustados de testemunhos da volta de antigos deuses, de uma batalha entre deuses que estaria acontecendo nas montanhas e que a assustadora tempestade que estava prestes a cair seria prenúncio do fim do mundo.

Ao buscar informações sobre as condições da estrada para Anogeia, Hércules soube no balcão da companhia aérea que uma rádio acabara de noticiar que o tráfego para o sul da ilha estava bloqueado.

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CIDADE PRATEADA

A morte de Uriel e os graves ferimentos infringidos ao corpo espiritual de Anna causaram comoção e revolta na Cidade Prateada. Fazia mais de três milênios que um deles fora morto. E havia também perplexidade pelo desaparecimento de Castiel e de Balthazar. Não sabiam o que pensar. Aquela era uma situação totalmente inédita. Não estavam mortos, já que suas essências não se reintegraram à luz, mas suas presenças não eram sentidas em lugar algum da Criação. Como isso era possível? Aonde estavam?

Mas o que os inquietava era a pergunta não formulada. Quem era o responsável por essas baixas?

Estava sendo difícil para Miguel conter os ânimos exaltados. Mas a resposta não podia improvisada. Eram um exército, existia uma hierarquia, existiam táticas de batalha. Uriel seria vingado, mas não era sensato descerem ao plano material sem conhecerem a face do inimigo. Não agora, quando estavam tão próximos de porem em prática o Grande Plano. Aquilo podia ser muito bem uma armadilha. Lúcifer tinha muitos agentes no plano material.

Rafael, cujo nome significa Deus cura, estava com Anna. Seu corpo espiritual fora envenenado pelo sangue coagulado do demônio Raktabija presente na lança de Kälï. Os poderes de cura de Rafael eram sua única chance de salvação, mas Rafael, como todos os anjos, era, antes de tudo, um guerreiro. Mais importante que a vida de um soldado, era erradicar a ameaça ao objetivo maior. O Grande Plano. E, para isso, precisavam de informações.

Um traidor. Rafael escuta o relato de Anna e cada palavra é como um punhal sendo cravado em seu coração. Um anjo do Senhor conspirava para sabotar o Grande Plano. Para retardar a chegada na nova Era de Ouro. A reação inicial de Rafael fora de dor e pesar, mas, a cada nova revelação, mais ele se deixava dominar pela revolta e pela ira. Gabriel, a quem um dia chamara de irmão, trilhava um caminho sem volta. Não haveria clemência. Não haveria perdão.

Gabriel conspirava com a deusa-demônio Kälï e com bastardos das entidades que um dia se intitularam deuses na antiga Grécia para sabotar o Grande Plano. Naquele exato momento, agia para impedir que o Primeiro Selo fosse quebrado. Lúcifer precisava ascender para ser definitivamente destruído. Todos seriam chamados a escolher um lado e, ao final, haveria um único e definitivo vencedor. O Exército de Deus triunfaria. A Batalha Definitiva tinha que acontecer para que o Mal fosse erradicado de vez da face da Terra.

Gabriel pretendia privar Miguel e Lúcifer de seus receptáculos, o que atrasaria o Grande Plano por, no mínimo, uma geração. Ele atraíra Samuel Winchester e Adam Winchester para uma cidadezinha infestada de criaturas demoníacas, onde os irmãos quase perderam suas vidas. Mas Gabriel não os deixou morrer. Mortos, eles poderiam ser ressuscitados e voltariam em renovados corpos perfeitos. Por isso a intervenção da deusa-demônio impedindo a morte de Samuel. Por isso a ação do ghoul que era agente de Gabriel para salvar Adam. O traidor precisava arruinar-lhes os corpos perfeitos. Seja promovendo a troca de seus órgãos internos, como fez com Samuel; seja prendendo-lhes as almas em corpos humanos normais, como planeja fazer com Adam.

Rafael se junta a Miguel e, em frente às falanges reunidas, revela a todos as ações do traidor. Rafael pede a Miguel o comando de uma falange de dezesseis anjos das tropas de choque celestial na missão de extermínio da deusa-demônio e do arcanjo traidor Gabriel.

Destruiria Gabriel, seus aliados e todos que se pudessem no caminho.

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LOS ANGELES

– Já tinha me dado conta disso. Mas, é difícil deixar tudo para trás e começar do zero.

– Eu vi fotos de antigas campanhas suas, Necker. Fotos de dez anos atrás. E a única diferença perceptível é o corte de cabelo. É até estranho que até agora ninguém tenha achado isso suspeito.

– Devem achar que uso truques de maquiagem ou que as fotos passaram por photoshop. Afinal, sou um modelo de moda e as fotos têm sempre uma produção, um exagero. Dificilmente, as fotos são de cara limpa.

– Mas, não vai funcionar para sempre. Mais cedo ou mais tarde, alguém virá atrás de você. Para arrancar o segredo da sua eterna juventude.

– Obrigado por me alertar, Sam. Eu vou fazer alguma coisa a respeito. Prometo.

Sam segue para a cozinha e Necker vai na direção da varanda, de onde contempla, pensativo, o mar. Samuel estava certo. Lars Necker teria que sumir por uns tempos. Talvez para sempre.

Já estava sob os holofotes há dezessete anos. Estaria velho para a carreira, caso envelhecesse no ritmo humano. Já escutava piadinhas sobre estar conservado em formol. Não era velho para sua espécie. Pisara pela primeira vez na América quando tinha noventa e três anos e uma aparência de dezoito. Fez as contas. Já estava com pouco mais de duzentos e oitenta anos e aparentava no máximo vinte e cinco.

Existiam milhares de fotografias suas, todas datadas. Fora um idiota. Devia ter usando sua habilidade para simular envelhecimento. Agora era tarde. Muito mais suspeito seria se mostrar subitamente envelhecido. Iam achar que estava doente. Não. Precisava tornar-se outra pessoa.

No passado, seria muito mais fácil. Era só mudar de aparência e de cidade e, automaticamente, se tornaria outra pessoa. Com dinheiro na mão, arranjavam-se documentos. Agora, não. Registros digitais podiam ser facilmente acessados de qualquer lugar e todos tinham sua história pessoal registrada em centenas de bancos de dados tanto privados quanto governamentais. Não podia surgir do nada. Não. Precisava tomar o lugar de alguém que já existisse.

Gostava de ser modelo, mas não queria ter que se tornar uma pessoa diferente a cada dez anos. Gostava de ser admirado. Gostava de aplausos. Não suportaria viver longe dos holofotes. Poderia ser, talvez, .. um ator. Atores podem envelhecer em atividade. Tinha familiaridade com câmaras. E, afinal, não representara a vida inteira o papel de humano?

Mas não ia começar do zero. Se podia escolher, porque não alguém mundialmente famoso ou com potencial para isso. Jovem e bonito, claro. Afinal, era top model de primeiríssima linha e ninguém quer ser menos do que já foi um dia.

Seus olhos se detêm numa revista de astros da TV caída no chão da varanda. Na capa, uma foto do sorridente galã do seriado Gossip Girl, Jared Padalecki. Lentamente um sorriso se forma em seu rosto.

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Se Samuel Winchester pudesse ver a expressão de Necker naquele momento, ia achar que Lars Necker talvez não fosse o cara legal que parecia ser.