Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 156
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 25




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SANTA MONICA

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– E, então, Κάλαϊς? Aceita minhas desculpas e meu oferecimento de ajuda?

– Pelo meu irmão eu aceitaria me aliar ao próprio diabo.

– Eu não sou o diabo. Eu fui apenas .. humano. Mesmo tanto tempo depois, eu ainda estava sofrendo a perda do Yλας e descontei em você e no seu irmão toda a minha frustração. É claro que eu não podia forçar todos vocês a desistirem da expedição, mas eu também não podia deixar o Yλας para trás. Ele era importante para mim.

– Yλας nunca foi encontrado?

– Não. Eu vasculhei cada centímetro daquela maldita ilha e nada. Poderíamos ter passado a eternidade ali e seria inútil.

– É verdade que não agimos certo com você, Hρακλῆς. Yλας também era um de nós, um argonauta. Não foi certo deixá-lo para trás. Devíamos ter vasculhado aquela ilha. Todos nós. Nós nem mesmo nos oferecemos para procurá-lo. Estávamos ansiosos demais para retomar a expedição e encontrar o velocino. Aceito suas desculpas, se aceitar as minhas.

Calaïs e Hércules ficam um longo tempo abraçados, cada um perdido em suas próprias lembranças daqueles dias de juventude. Calaïs relembra o dia em que cinqüenta rapazes partiram em busca de glórias e aventuras e de como tantos encontraram a morte. Lembra de Hilas, de sua beleza, de seu sorriso confiante, e do quanto ele e Hércules eram ligados. Hércules, por sua vez, sente voltar o pesar pelo desaparecimento do antigo amante, a dor de uma relação interrompida sem qualquer explicação. Quando aceitou resgatar Teseu do Hades, era movido pela esperança de ver ao menos o seu espectro, mesmo que uma única vez.

– Vou como vocês.

A intervenção de Sam traz Calaïs e Hércules de volta à realidade.

– É claro que não vai.

– Não seja ridículo, mortal.

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INFERNO

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A matéria que formava o Inferno podia ser como barro nas mãos de um artesão experiente. E Nathalie Helms aprendera moldá-la, tal como Palemon fazia no Hades. Bem, não exatamente da mesma forma, mas com os mesmos resultados.

Palemon usava força de vontade para criar construtos no Hades, uma dimensão habitada com espectros sem memórias, identidades ou desejos. Espectros sem vontades, e, portanto, incapazes de reunir força de vontade, mínima que fosse, para transformar seu mundo. O Hades era fluido, mas não havia ninguém ali capaz de moldá-lo.

No Inferno, o poder vinha do mal. Sua matéria se dobrava ao desejo de causar sofrimento e dor. E aquele era o elemento que igualava todos que lá habitavam. Mesmo os insetos e as feras infernais não agiam somente para satisfazer as suas necessidades básicas ou mero instinto de sobrevivência. Eram agentes ativos do mal e também eles transformavam o ambiente. Não era necessário um desejo consciente de uma mente racional, mas isso ajudava. A impiedade e o sadismo eram os melhores catalisadores de mudança.

O chão rochoso se ergue e se retorce formando uma gaiola de pedra maciça ao redor de Gabriel. O que seria o equivalente às barras da gaiola formava um padrão elegante. Uma armadilha para anjos. Gabriel não poderia escapar mesmo que estivesse de posse de todos os seus poderes. De suas paredes internas, surgem pontas em lento processo de crescimento. Muitas e em todas as direções. Não havia com fugir. Ele teria seu corpo espiritual transpassado pelas lanças. Era apenas questão de tempo. Não morreria, já que o Inferno foi criado primeiramente como uma prisão para anjos e prisão alguma dá aos condenados o direito de usarem a morte como meio de fuga. Mas seria certamente doloroso. Extremamente doloroso.

Já Idmon, graças à sua presciência, estava prevenido e não se deixou prender. Os padrões da sua quase prisão eram diferentes, mas também o deixariam indefeso se tivesse sido apanhado. Um anulador de magia, da esquecida tecnomagia atlante, da qual Nathalie era a única a detentora viva nos últimos três milênios. Desde quando seduziu e assassinou o arqui-bruxo atlante que se vangloriava de ter afundado a ilha-continente nas águas do Atlântico e ter lançado o feitiço que fez o mundo esquecer-se da sua existência. Se alguém lhe perguntasse, ela diria que aconteceu num castelo a beira-mar na Bretanha francesa, mas a memória a estava traindo. Aconteceu nas terras altas da Escócia. O arqui-bruxo adquirira fobia pelo oceano.

Embora um poderoso feitiço deixasse a bruxa invisível até mesmo à visão profética de Idmon, a presença dela não passava inteiramente despercebida. Idmon estava tão acostumado a vivenciar dois momentos distintos do tempo que podia ver sutis mudanças no ambiente causadas pela movimentação da bruxa, como alguém veria mudanças de padrão da fumaça de uma sala fechada totalmente esfumaçada.

Como precisava mais do nunca de luz para fazer frente à bruxa, era natural que Idmon a atacasse com fogo. Uma parede de fogo avançando em todas as direções a pegaria, não importa onde estivesse ou que se mantivesse invisível.

A bruxa era experiente em batalhas místicas. Não era somente o ambiente que ela podia manipular. No Inferno, ela podia também mudar facilmente sua forma e aparência. Ao ver a parede de fogo se aproximando, a bruxa assumiu a forma de um imenso dragão vermelho e inspirou o fogo para dentro de si. E, então, pondo-se em pé sobre as patas traseiras, ela abriu as gigantescas asas de morcego e aproximou o comprido pescoço do minúsculo inimigo. E soprou.

O hábito de fogo envolveu completamente Idmon. Como a chama de um maçarico de oxiacetileno usado para cortar aço, a chama era branco-azulada, devastadora. Longos minutos depois, onde antes estava Idmon, agora havia uma forma rochosa fumegante, que lembrava vagamente uma figura humana encolhida, numa tentativa inútil de proteção. Não muito diferente das infelizes vítimas do Vesúvio encontradas nas ruínas da antiga Pompéia.

A bruxa volta à forma humana e, livrando-se da capa, apresenta-se para Jasão em sua magnífica nudez. Marido e mulher num acerto definitivo de contas.

– Você está linda, esposa. Muito mais do que nas minhas lembranças. Mais do que qualquer mulher que eu já tenha visto ou com quem tenha sonhado. Você é perfeita. Única.

– Já você, Jasão, está envelhecido e só. Sem reino. Sem súditos. Sem comandados. Sem amigos. Sem descendentes. Sem amores. Sem nada. Eu sou a única coisa que ainda lhe resta. Aqui no Inferno, somos só eu e você. Marido e mulher.

– Sim, eu sou uma sombra daquele homem que chegou orgulhoso à Cólquida e se incendiou de desejo pela sua bela e decidida princesa, ainda quase menina. Conquistar você, Μηδεια, valeu todos os sacrifícios, todos os companheiros que morreram na expedição.

– Até aqueles que o seguiram nesta nova jornada patética?

– Se alguém perguntasse isso antes que eu voltasse a vê-la, eu diria que minha lealdade estava com eles. E eu estaria dizendo a verdade. Mas, com você aqui na minha frente, eu me dou conta que, comparado a você, tudo perde a importância. Você, e não o velocino de ouro, foi o grande prêmio que conquistei. Minha maior glória. Vendo você eu redescubro um desejo tão grande que me faria sacrificar o mundo inteiro para saciá-lo. O seu amor vale as vidas de todos os habitantes do planeta.

– Esqueceria aquele por quem iniciou essa busca, deixaria seus companheiros para trás, trairia a todos que lhe confiaram suas vidas e me seguiria cegamente.

– Sem pestanejar. Você é tudo que me importa. Terá de mim sempre tudo o que desejar. O que quer de mim? Basta pedir e farei.

– Quero que cumpra sua promessa. Você me prometeu seu amor eterno.

– E você terá.


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Notas finais do capítulo

02.07.2012