Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 155
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 24




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SANTA MONICA

Já estava tarde e o pessoal da agência, que tinha trabalho no dia seguinte, já tinha ido quase todo embora. Bobby há muito tinha se retirado para o quarto de hóspedes e dormia profundamente, um sono mais pesado e relaxante que o habitual. Cortesia de Necker, quando ele reclamara do barulho pela segunda vez.

Claro que, para evitar mal-entendidos, Necker pedira autorização para Bobby antes de sugestioná-lo. A última coisa que queria era voltar a levantar suspeitas de quem já era paranóico por necessidade de sobrevivência.

Apenas uma aspirante a modelo não arredava pé, apesar de já ter recebido diversos passa-foras de Sam. O que ela tinha de bonita, tinha de inconveniente. Como não conseguira enredar Sam em sua teia de sedução, queria a todo custo arrancar de Sam a confissão que havia um envolvimento amoroso entre ele e Necker. Quando ela disse com todas as letras que para resistir a ela só sendo muito gay, Sam perdeu a paciência e a empurrou porta afora.

Sam ainda estava com as costas apoiadas na porta, respirando fundo para afastar toda a irritação que estava sentindo pela garota, quando escutou as vozes exaltadas.

– Pensei que isso aqui fosse melhor freqüentado.

– Comprando as dores do irmãozinho, Κάλαϊς? Ou é dor-de-cotovelo, mesmo?

Calaïs tinha se condensado próximo à janela aberta e caminhava com a expressão fechada na direção a Necker e Hércules.

– Hércules, se eu estou vivo é graças ao Calaïs e, portanto, ele é muito bem-vindo aqui. Calaïs, por favor, pega leve com o Hércules. O que aconteceu, aconteceu há muito tempo. É hora de passar uma borracha no passado.

– Estávamos muito bem aqui antes da sua chegada. Aos incomodados, a direção da porta é aquela. Se o Lars não se importar, posso conduzi-lo até lá para que não se perca no caminho. Já se preferir a janela ... O prazer vai ser ainda maior.

– Ainda não nasceu quem consiga me tirar de onde eu não quero sair. Seus músculos não me impressionam, Hρακλῆς. Mas, sou eu que não tenho nenhum interesse em respirar o ar que você está poluindo. Eu vou sair assim de tratar do assunto que me trouxe aqui. Podemos conversar um instante a sós, Necker?

– Não sabia que você respirava.

– Vamos, Callum. A gente conversa no quarto.

Sam, que estava esperando uma oportunidade para conversar a sós com Hércules, vai em sua direção. O Hércules do mito tinha resgatado Teseu do Hades, e Sam queria o máximo de informações que pudesse sobre o assunto. Mas, é surpreendido quando Hércules, sem dar atenção a ele, levanta e segue na direção do quarto de Necker.

– Não. Não tenho nenhuma notícia deles desde que eles partiram.

– Droga. Acordei angustiado, com um mau pressentimento. Como se algo ruim tivesse acontecido ou estivesse prestes a acontecer com o Zetes. Repeti para mim mesmo que era besteira, mas estou cada vez mais angustiado. Queria ir atrás deles, mas não tenho a menor idéia de onde fica o portal para o Hades.

Sem pedir permissão, mas olhando para o chão, para sua atitude não ser interpretada como uma afronta a Calaïs, Hércules entra no quarto.

– Um dia fomos amigos, Κάλαϊς. Eu quero passar uma borracha no passado. Posso ajudá-lo. Eu conheço o caminho para o Hades.

.

INFERNO

MOMENTO #1

O fogo infernal avançava rapidamente na direção deles. Estavam cercados. O fogo logo os envolveria. Ignorando os apelos dos companheiros, Zetes cria uma barreira de ar em movimento circular em torno do grupo. Então acontece. O ar é composto de nitrogênio e oxigênio. O fogo é uma reação química que consome oxigênio e libera energia e calor. O fogo infernal, ao fazer contato com a barreira de ar, consome todo o oxigênio da forma etérea de Zetes. Como numa reação em cadeia, toda a massa de ar em movimento inflama-se a um só tempo. O resultado foi um flash acompanhado de uma explosão abafada.

A ameaça fora afastada a um custo muito alto. Os argonautas voltam os olhos para Idmon que balança a cabeça no inequívoco sinal de negação. Zetes se fora.

Jasão dá um grito pondo para fora todo seu inconformismo. Ainda escoava em seus ouvidos a risada alegre de Zetes quando eles se encontraram no cais de Venice Beach depois de tantos milênios. Ele arrastara Zetes para a morte. Mais uma morte sobre seus ombros. Quantas mais viriam?

Idmon vai em direção de Jasão, coloca as duas mãos sobre seus ombros e, olhos nos olhos, fala suavemente a seu antigo comandante. Ninguém estranha, já que o Idmon de agora não era mais o Idmon da expedição da Argo. Apesar de rejuvenescido e da aparência exótica que exibia, ainda carregava 4000 anos de experiência e a sabedoria que uma vida longa trás.

MOMENTO #2

Uma sombra em meio a tantas outras. Mas, completamente diferente delas em natureza. Nathalie Helms tinha seu modo particular de se deslocar pelo Inferno. A sombra que serpenteava entre as dunas não afundava na areia macia. A sombra que se deslocava pelo deserto rochoso não se feria nas bordas afiadas da rocha vulcânica. A sombra que insinuava através do capim cortante e do bosque espinhoso não tinha sangue para ser derramado.

Ela voltou à forma humana para admirar as árvores retorcidas da floresta infernal e cipós tentaram envolver seu corpo e seu pescoço. Ela simplesmente sorriu e voltou à forma sombria. Os cipós acabaram agarrando a criatura réptil que se preparava para dar o bote na presa enganosamente indefesa.

Ela podia se deslocar numa velocidade dez vezes maior que o grupo de resgate e logo os alcançaria. Mas não pretendia confrontá-los de imediato. Juntos, eram perigosos. À exceção do arcanjo, ela conhecia muito bem todos eles. Tivera a todos como hóspedes no palácio de seu pai na Cólquida. Seu pai, o rei Eetes, oferecera diversos banquetes para os guerreiros que vieram do mar. Como era costume na época, ofereceram aos estrangeiros jovens mulheres na esperança que os filhos gerados herdassem a coragem dos pais. Mesmos aqueles que depois seduziriam guardas do palácio deixaram descendentes cólquicos.

Seu pai pretendia trair e matar os estrangeiros depois que estes gerassem novos guerreiros para o reino da Cólquida. Ao invés disso, recebera a traição da filha e perdera o herdeiro do reino, o príncipe Absirto. Ela traíra a família e recebera traição do homem que amava. Ainda hoje, ela era incapaz de enxergar a justiça oculta destes fatos.

Por outro lado, o mesmo Jasão que a traíra, sempre fora leal a seus homens, e eles se mostravam leais a ele mesmo agora, milênios depois. Continuaram leais mesmo sabendo que esse Jasão era apenas uma cópia criada por magia a partir do coração do verdadeiro príncipe tessálio. Tanta lealdade não combinava com uma história recheada de traições.

Ela faria Jasão trair os companheiros e o faria sofrer a traição deles. Depois o faria testemunhar a morte de cada um deles. Ela faria que o último pensamento de cada um deles fosse amaldiçoando Jasão. Sem descendentes, sem amores e sem amigos, só lhe restaria ela. Seria ela ou nada.

MOMENTO #3

Eles avançavam com dificuldade pela estreita trilha que margeava o desfiladeiro íngreme. A profundidade do despenhadeiro era impossível de se avaliar já que a escuridão cobria tudo ao redor, mas parecia ser grande. Os sons vindos do fundo do desfiladeiro pareciam vir de muito longe. Isso era tudo que sabiam. Isso e que não estavam sozinhos ali. Os sons e a escuridão despertavam medos ancestrais a que nem os deuses estavam imunes.

As esferas de fogo invocadas pela magia de Idmon serviam tanto para iluminar o caminho quanto para manter as criaturas afastadas. Eles podiam ver movimentos furtivos na fronteira entre a luz e a total escuridão. Para sorte deles, as criaturas evitavam a luz. Eram muitas e de espécies diferentes. Havia criaturas voadoras que pareciam grandes morcegos com poderosas garras. Criaturas pequenas e grandes semelhantes a lagartos que caminhavam agarradas às paredes verticais do despenhadeiro. E havia criaturas imensas perambulando no fundo do desfiladeiro.

O movimento de Idmon foi rápido e ninguém mais viu acontecer. A rocha partiu-se sob os pés de Jasão e ele caiu na escuridão para desespero dos companheiros. O vento forte que subiu do fundo do despenhadeiro lançou uma nuvem de areia sobre todos, obrigando-os a protegerem o rosto. O vento também fez as chamas ondularem loucamente, diminuindo a área iluminada e tornando as criaturas mais atrevidas.

Os sons vindos do fundo do despenhadeiro se acentuaram. Aparentemente, as criaturas estavam disputando algo de forma selvagem. A imagem de Jasão sendo destroçado pelos monstros passou pela mente de todos e eles temeram por eles próprios, por sua missão e pelo destino do mundo. A recente morte de Zetes abalara profundamente a moral do grupo.

Muitos minutos depois, um grito de socorro reacende as esperanças. Jasão conseguira se firmar numa saliência do paredão rochoso cerca de dez metros abaixo e estava tendo sucesso em se defender com a espada das coisas répteis. Idmon invocou mais esferas de fogo e a luz afastou as criaturas que rodeavam Jasão.

Muito depois, quando o grupo finalmente saiu do desfiladeiro e eles se viram temporariamente a salvo, Jasão foi cercado pelos companheiros, que comemoravam sua salvação com abraços e velhos gritos de guerra. Estavam felizes demais para estranhar o demorado abraço entre Jasão e Idmon e as palavras trocadas entre eles.

MOMENTO #4

Eles não estavam tendo um minuto de descanso. Parecia que alguém tinha mandado todos os demônios do Inferno atrás deles.

O corpo de Adam Winchester sofrera injúrias terríveis e continuadas. Mas se reconstituía para ser quebrado de novo. Um processo que podia se repetir eternamente. Mas isso é porque ele estava morto. O processo era diferente para quem estava vivo.

O corpo espiritual de quem caminha vivo no Inferno não passa pelo mesmo processo automático de regeneração integral. Nos mortos, é um processo natural, necessário para garantir a danação eterna. Nos vivos, têm mais a ver com crença, com também acontecia no Hades. Não é natural um braço decepado se reconstituir, portanto a crença de que isso vai acontecer é muita baixa. E por isso não acontece. Já um corte no pé ou um esfolamento cicatrizam com o tempo. A dor passa e um dia descobrimos que não deixou marca. No plano espiritual, se esse tipo de ferimento for esquecido, ele vai desaparecer. De forma mais rápida e completa que no plano material.

A saraivada de flechas derrubou Eufemo e o deixou caído no campo de batalha. Visto à distância parecia morto. A esfera de fogo que flutuava próximo a ele se apagou e as criaturas mantidas a distância pela luz avançaram. Os sons que vinham da escuridão não permitiam alimentar esperança.

A baixa seguinte foi Palemon. Os dentes das criaturas não atravessavam seu exoesqueleto, mas a proteção existia apenas da cintura para baixo. O monstro que o lançou na escuridão parecia a mistura de um triceratops com um gliptodonte, com recursos de ataque e defesa, e investiu com uma fúria e uma ferocidade que pegou a todos de surpresa. Eles ouviram o estrondo do galope da criatura se aproximando e, então, viram Palemon sendo atropelado e arrastado pelo monstro para longe de seus campos de visão. Correram atrás, mas os sons apavorantes vinham de um ponto cada vez mais distante. E, então, cessaram. Tudo que sabem é que ele não retornou.

Os diabretes vieram aos milhares, de todas as direções. As espadas de Jasão e Gabriel eram rápidas e os atacantes tombavam às centenas, mas seu número não diminuía. Parecia até que os diabretes estavam se lançando deliberadamente na frente das espadas. Eles se estavam na defensiva e se viam forçados a recuar. Os diabretes estavam fazendo que se afastassem uns dos outros, levando-os à exaustão. Gabriel podia manter o ritmo inalterado por ainda muito tempo, mas Jasão estava no seu limite.

Idmon criara diversas barreiras de fogo a seu redor e lançava esferas de fogo contra a massa de inimigos, mas isso não os detinha. Uma a uma suas linhas de defesas estavam caindo. Então, sem aviso, os diabretes bateram em retirada. Desapareceram completamente. Os argonautas, quando se reagruparam, deram por falta de Autólico. Ele era agora invulnerável, mas sabe-se lá o que fariam com ele. Queriam ir em seu socorro, mas não sabiam nem por onde começar a procurar.

Agora eram apenas Jasão, Idmon e Gabriel.

Fora do campo de visão deles, a sombra reassumiu o aspecto de mulher e sorriu.


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Notas finais do capítulo

11.06.2012