Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 143
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 12




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HADES

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Segundos antes de mergulhar no interior da boca do cão, Jasão é salvo por Gabriel que, manobrando com habilidade suas poderosas asas, envolve Jasão com os braços e arremete para cima, para longe da boca monstruosa que se fecha contra o vazio.

Após deixar Jasão no convés da Argo, Gabriel investe contra Cérbero, usando sua voz contra o cão do Inferno. Cães escutam freqüências inaudíveis para os seres humanos. O arcanjo, ao gritar numa freqüência ultrassônica, causa uma dor insuportável que faz o cão bater em retirada, com o rabo entre as pernas.

Zetes conseguira garantir o pouso seguro da Argo, mas o esforço fora excessivo e esgotara suas forças. Zetes sente sua vista escurecer e seu corpo perder substância até desaparecer por completo.

A nave ainda nem pousara e Palemon já reconstruíra os pontos onde os danos eram visíveis. Uma vez a nave no chão, se apressa a identificar os pontos que ainda precisavam de reparo. Desta vez, seria menos fiel ao projeto original. Metal reforçado no lugar de madeira. Sabia que precisavam sair logo dali. Não existiam lugares verdadeiramente seguros no Inferno.

No fundo do Estige, Autólico luta para afastar o medo que havia tomado conta de sua mente, impedindo-o de pensar claramente. Os lamentos dos mortos instilavam desespero e desesperança em sua alma e aqueles sentimentos estavam minando sua capacidade de raciocínio. Seu maior trunfo sempre fora sua prodigiosa inteligência e precisava mais do nunca pô-la a serviço da própria sobrevivência.

Sua vida sempre tivera o dinheiro como eixo. Sempre buscara se cercar de riquezas: gado na antiguidade, ouro no passado, sofisticados títulos de alto rendimento oferecidos pelo mercado financeiro hoje. Acostumara-se a pensar que o dinheiro compra tudo. Não estava sendo cínico. Sabia, mais que ninguém, o poder que o dinheiro tinha no mundo dos vivos. Mas não estava mais no mundo dos vivos. Estava no Hades, no fundo do Estige, cercado de mortos que ...

Ele teria dado um grande sorriso se não precisasse prender o fôlego. Dinheiro podia parecer inútil no mundo dos mortos. Mas não era. Uma moeda era a diferença entre entrar no Hades e cumprir o destino de todos os mortais ou vagar desesperado na fronteira dos dois reinos, sem pertencer a nenhum. Em nenhum outro lugar, uma simples moeda valia tanto quanto no reino dos mortos.

Autólico busca em suas roupas moedas de ouro. Se era verdade que naquele plano tinha à sua disposição os elementos que faziam parte de sua auto-imagem, seus bolsos jamais ficariam vazios de moedas. Moedas que os espectros precisavam desesperadamente para escapar da eternidade no fundo do Estige. Autólico distribui moedas para os espectros até se ver livre das mãos que o mantinham no fundo do rio.

Mas é um alívio provisório. Antes mesmo de chegar à superfície, novas mãos vêm ao seu encontro. O número de mortos insepultos era infinito, o Estige era um rio largo e ele estava longe das margens. Autólico mal consegue capturar um pouco de ar antes de ser novamente arrastado para o fundo. Ele repete a estratégia uma, duas, três vezes. Na quarta, ao emergir, encontra as mãos fortes de Eufemo que o arranca das águas.

O dom de Eufemo de poder caminhar sobre a superfície das águas impedia que ele fosse puxado para baixo pelas mãos que se erguiam aos milhares do fundo do rio. Autólico consegue se acomodar sobre os ombros de Eufemo e logo ambos estão em segurança do outro lado do rio.

Ao aproximarem da Argo já reparada, são recebidos por Idmon e Palemon. Autólico não consegue esconder a surpresa quando um Idmon sorridente e aparentemente amigável investe com uma adaga contra o seu abdômen e ela se parte contra a sua pele.

– Que diabo .. ?

– Eu não disse que ..

Autólico não esperou que o bruxo completasse a frase. Um murro bem dado derruba Idmon e faz com que um filete de sangue escorra pelo canto de sua boca.

Aquilo era de certa forma surpreendente e a constatação disso não passou despercebida de nenhum deles. A forma como seus corpos espirituais reagiam da mesma forma que seus corpos físicos reagiriam. Seria porque ainda viam a si mesmos como seres materiais? Era assim porque estavam condicionados a esperar que assim fosse? Se passassem a ver a si mesmos como seres espirituais será que o braço de Autólico não atravessaria Idmon e este seria incapaz de sentir o golpe? Mas questões filosóficas teriam que esperar.

– Não acredito que esse cretino tentou me matar.

– Calma, Autólico. Você não correu nenhum risco. Idmon estava apenas demonstrando que agora arma alguma pode penetrar na sua pele. Você mergulhou no Estige - e saiu dele - estando vivo. O fato de nossos corpos serem espirituais não altera a nossa condição de vivos. Quando um homem vivo é lançado no Estige, sai dele invulnerável. Como aconteceu com Aquiles.

– Ele não tinha certeza absoluta que seria assim. Por isso fez o teste com a faca. Eu podia estar morto agora. E morrer no Hades é o que de pior pode acontecer a uma pessoa. É a extinção. A morte definitiva.

– Aaii!. Você tem uma mão pesada, sabia? Estou com o queixo todo dolorido. E você está sendo injusto. Eu tinha certeza, sim. Esqueceu que vejo o futuro?

– Você foi pego de surpresa pelo meu murro. Confessa que foi. O que aconteceu? Não consegue mais ver o futuro imediato?

– É verdade que seu murro me pegou de surpresa. Eu também não pressenti o ataque de Cérbero. Ainda tenho visões do futuro, mas elas estão erráticas. Não posso, como fazia antes, dizer exatamente quando cada uma acontecerá. Mas realmente eu vi uma lança arremessada por um demônio quebrar-se contra o seu peito. Eu não arriscaria a sua vida. Não arriscaria a vida de nenhum de vocês.

– Desculpe, mas não acredito em você.

– Que motivo eu teria para matá-lo?

– Você previu que um de nós não sairia vivo do Inferno. Mas não sabe quem. Não está acostumado a não saber o que vai acontecer. Talvez não queira arriscar. Um morto e sua previsão estará cumprida. Essa sina estaria automaticamente afastada dos demais e, o que realmente interessa, de você. Você não precisaria mais ter medo.

– Isso nunca me passou pela cabeça. Mas estou vendo que passou pela sua. Não me julgue por você mesmo. Sempre foi egoísta, sempre colocou seus próprios interesses na frente de tudo e de todos. Sempre roubou no jogo. Porque agora seria diferente? Agora que o que está em jogo é sua própria vida?

Eufemo precisou segurar Autólico para que ele não esmurrasse Idmon até desfigurar-lhe o rosto.

– Eu já tinha um motivo para matá-lo e você acaba de me dar outro.

– Não banque o valentão comigo, Autólico, que eu não sou um garotinho indefeso.

– Está me ameaçando, Idmon?

– Não. Apenas apresentando um fato.

– CHEGA! JÁ TIVERAM UMA AMOSTRA DO QUE NOS ESPERA. E MAL ATRAVESSAMOS A FRONTEIRA DO HADES. VAMOS. TODOS A BORDO!

O chamado de Jasão encerra a discussão. Mas, outra discussão começa em seguida.

Estavam discutindo se saíam ou não à procura de Zetes, quando a forma adormecida de Chad Murray começa a tornar-se visível no convés da Argo. Visível, mas ainda intangível. As tentativas que fizeram para acordá-lo somente dispersavam sua forma. Ele ficaria desacordado até bem depois da Argo voltar a alçar vôo.

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INFERNO

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– Você é uma desgraça para o Inferno, Crowley. Seu lugar não é aqui, é lá cima. Às vezes eu acho que você sente pena dos condenados. Só isso explica você ser tão brando com eles. Ou você acha que torturar é fazer que derramem lágrimas. Caiu a primeira lágrima, ‘Oh! Como ele deve estar sofrendo. Oh! Como eu sei ser malvado’.

– Alastair, quando você quebra um braço, pode até doer muito por um tempo, mas a dor passa, o osso calcifica e aquilo logo vai estar esquecido. Aqui, no Inferno, mais cedo ou mais tarde, o corpo se regenera. Sempre regenera. É da natureza do Inferno ser assim. Já quando o espírito é quebrado, a dor não passa. A mais leve brisa e, o que parecia ter se transformado em cinzas, volta a arder.

– Eu soube que Adam Winchester se ofereceu para se torturado no lugar do irmão. Seus métodos são tão ridículos, que os condenados PEDEM para ser torturados por você. PEDEM. Mas, você pode ser ainda mais malvado, não é? Vai bolar uma tortura tão terrível, que logo eles vão vir a você IM-PLO-RAN-DO para serem torturados.

– Já os seus métodos são os mesmos usados por qualquer demônio iniciante. Qualquer um pode causar dor. Corta, quebra, rasga, fura. Sem estilo nem imaginação. Nada diferente de ser jogado num poço de suplício.

– Você pode dizer que meus métodos não têm estilo, mas não pode negar que são eficazes. Comigo, Adam Winchester não vai se oferecer para ficar no lugar do irmão. Ele vai implorar é para que eu torture o irmão no lugar dele. Ele próprio vai querer cortar o querido irmãozinho em pedaços e distribuir os pedaços para os cães comerem só para não voltar a ser torturado por mim. Essa é a minha arte.

– Sim, você é realmente MUITO eficiente. Mas, se bem me lembro, você não conseguiu dobrar o pai dele. E você teve mais que um ano terrestre para isso. Ou mais de cem anos, no tempo do Inferno. Falhou e não vai ter outra oportunidade para tentar, porque John Winchester simplesmente fugiu do Inferno e nunca mais voltou. Deve estar agora no Paraíso. Então, me explique. Como isto pode acontecer com um homem que estava sob a SUA guarda? Como foi que um reles humano passou a perna no todo-poderoso torturador-mor do Inferno, o arquidemônio Alastair?

– Mais respeito, verme escocês. Ou vai poder julgar a eficácia de meus métodos por experiência própria.

– Quanto mau humor! Aposto que você não sorri nem mesmo quando está torturando alguém. Se não for para nos dar satisfação, qual a graça de se torturar alguém? E por falar em apostas, o que acha de comprovar sua habilidade por meio de uma aposta?

– Uma aposta?

– É, uma aposta. Você não dobrou o pai. Aposto que também não consegue dobrar o filho. O tempo seria o mesmo que teve para o John: um ano, doze dias, quatro horas, vinte e seis ..

– Vamos simplificar: um ano.

– Feito. Você tem um ano terrestre para conseguir que Adam Winchester implore para que o irmão seja torturado no lugar dele. Ou acha que precisa de mais tempo? Vinte anos, talvez?

– Um ano. Na verdade, eu nem preciso de tanto tempo. Uma semana seria mais do que suficiente. Mas, porque abreviar minha diversão? Tenho certeza que será um ano que me proporcionará MUITA diversão. Ao contrário do que você pensa, imaginação é o que não me falta.

– E muito em breve teremos aqui, conosco, o próprio Samuel Winchester.

– Por falar nisso, mande o íncubo me procurar. Enquanto o verdadeiro Sam Winchester não chega, eu posso me divertir um pouquinho de outra maneira.

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SIOUX FALLS

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Nos arredores de Sioux Falls, em South Dakota, um homem exausto com o coração inquieto busca novas informações zapeando os noticiários de TV.

– .. na maioria são fotos tiradas de longe com celulares e, mesmo não tendo boa resolução, são muito chocan ..

– .. estamos transmitindo ao vivo de Rodeo Drive, Beverly Hills. Continua repercutindo em todo o País as imagens da explosão de violência que resultou na morte de um homem em circunstâncias ainda não esclarecidas. Estranhas também são as circunstâncias que envolvem o desaparecimento do corpo do homem. As autoridades locais ..

– .. que terminaram com um homem morto em circunstâncias bizarras em plena Rodeo Drive. Era domingo de sol e a rua estava tomada por turistas. Diversas testemunhas falam de estranhas colunas de fumaça negra que convergiram para o local pouco antes ..

– .. cercada pela polícia. Os peritos já estão vasculhando o local em busca de pistas, mas, principalmente, em busca do corpo do homem que teria morrido empalado. Diversas pessoas que transitavam na área por ocasião dos estranhos acontecimentos deram entrada em hospitais e em clínicas particulares próximas ou de bairros vizinhos. Muitas com transtornos mentais por terem supostamente sofrido, segundo elas próprias, um tipo de possessão demoníaca. Outros, com escoriações e traumatismos mais sérios. Uma atendente de uma das ..

– .. morto ainda não foi identificado. Sabe-se apenas o que as fotos mostram. Um homem jovem, bastante alto, pelo menos 1,90 m, caucasiano, traços finos, cabelos lisos ..

– .. até agora. Foi a cena mais assustadora que eu já vi. Ainda não consigo acreditar. O homem foi lançado para trás e para cima. Sei lá, uns dez metros. Ele foi lançado de encontro ao mastro da bandeira. Depois, ficou lá. Com o mastro da bandeira atravessado no peito. Foi horrível. Queria esque ..

– .. aquele vento todo. Foi assustador. Imagina um tornado se formando do nada em plena Rodeo Drive. As pessoas estavam em pânico. Foram poucos minutos, mas parecia que o vento ia devastar tudo. Quando o vento amainou, o corpo preso ao mastro tinha desaparecido. Estou abalado até agora. Eu ..

– .. fotografia tirada por um turista japonês pouco antes do início do tumulto mostra nitidamente o rosto do homem que teria morrido empalado no centro de Beverly Hills. Um homem branco, de vinte e pouco anos presumidos, ainda não identificado.

No ferro-velho, Bobby Singer se serve de uma generosa dose de whisky, que bebe num único gole, e desaba no sofá. Naquele momento, ele se sente mais velho que o próprio mundo.

– Meu Deus! Como isso pode acontecer? O que aqueles demônios fizeram com você, Sam?

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GRAND CANYON

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Uma explosão devasta a mansão incrustada no rochedo lançando vidro e aço no fundo do canyon.

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IDAION ANTRON

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As sombras se espalham pelo interior da caverna sagrada e uma escuridão gelada que parece capaz de engolir o próprio sol toma conta do lugar. As sombras que cercam Kälï forçam sua forma de chama a contrair-se mais e mais até que esteja reduzida a um pequeno ponto.


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Notas finais do capítulo

11.03.2012
Os ritos funerários dos gregos antigos incluíam a colocação de uma moeda sob a língua do morto, para pagamento da travessia do Estige na barca de Caronte. Sem pagamento, os mortos não seguiam viagem e caminhavam desorientados na fronteira dos dois mundos.