Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 126
sete vidas epílogo vida 2 capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

ANTES:
Jensen Ross é designado para investigar os assassinatos em série em Cedar City
Jensen descobre que existe alguém se passando por ele no escritório de Los Angeles do FBI



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REALIDADE #2


Jensen Ross vai saindo lentamente da inconsciência. Pouco a pouco, vão voltando as sensações. Frio. Muito frio. Depois, a consciência de que não está sozinho naquele lugar. Ruídos esporádicos. Alguém realizando algum tipo de atividade. Metal contra metal. Instrumentos de metal em uma bandeja. Passos. Deslocamentos curtos. Cheiros, também. Álcool. Éter. Os cheiros e os ruídos lhe trazem lembranças de um hospital. Estava em um hospital?

Tentou se mover, mas não conseguiu. Queria abrir os olhos, mas eles estavam pesados. Muito pesados. Ele sentia muito sono. Não, não podia voltar a dormir. Tinha que resistir. Estava em perigo. Não lembrava do porquê estar assim, mas sabia que estava em perigo. Se dormisse, podia não acordar mais.

‘– Deus, não permita que eu morra aqui.’

Em pé ao seu lado, um homem de olhos completamente negros, com um meio sorriso no canto da boca e um bisturi na mão direita. O homem possuído usava máscara e luvas cirúrgicas.

O sono é mais forte que ele. Seus pensamentos ficam desconexos e Jensen mais uma vez adormece.

O homem sorri e desliza o bisturi ao redor da face de Jensen. Tão suavemente que a lâmina não chega a cortá-lo. Quase um carinho.



Jensen caminha num campo florido. O sol brilhava e o aquecia na medida certa. A brisa o tocava como uma carícia. Pequenas e delicadas flores silvestres eram como pequenos pontos de tinta branca e amarela na imensidão verde. Um cheiro bom de capim que ainda retém o orvalho da manhã. Jensen lembra de uma manhã assim, quando ainda era um garoto e passava as férias na fazenda de seu avô. Há anos que não se sentia tão bem. Estava sonhando? Se estava, não queria acordar nunca mais.

Vê, ao longe, um homem de costas olhando para o céu. A cena lhe transmite uma sensação de paz. Jensen caminha na direção do homem, que vestia um sobretudo bege.

O homem se volta na direção de Jensen e o encara com um meio sorriso. Jensen se perde nos profundos olhos azuis do outro. Ia perguntar aonde estava, mas isso parecia não mais ter importância. Sabia, com a certeza que só temos nos sonhos, que não era realmente um homem. Que estava diante de um anjo.

– Eu morri?

Em resposta, o anjo oferece seu braço. Jensen hesita por um momento, antes de seguirem, lado a lado, braços dados, como velhos amigos.

– Há algo que preciso mostrar para você.


À medida que caminham, a paisagem começa a mudar. Nuvens. Poucas, de início. Mas, logo cobriam complemente o céu. Antes muito brancas, eram agora nuvens escuras, prenúncio de tempestade. A brisa se torna vento. Fortes rajadas de vento gelado fazem Jensen grudar seu corpo ao do anjo. As flores logo desaparecem do campo infinito, cada vez mais ressecado. Depois, é a própria grama que rareia. O solo se torna pedregoso e estéril. A própria composição do ar muda. Mais denso. O cheiro característico de enxofre, inicialmente imperceptível, começa a se fazer sentir e logo torna-se dominante. Poças escuras de água parada. Podridão. Insetos. E pequenas criaturas negras, que se movimentam nos limites de sua visão periférica.

Jensen começa a temer que, se estivesse realmente morto como acreditava, o destino de sua alma talvez não fosse o Paraíso, como acreditou de início. Seus olhos refletem o medo que sente quanto a essa possibilidade. Começa a pensar em seus atos em vida e o que poderia ter feito de errado para merecer aquilo. Não, fora severo, mas sempre tentara ser justo. Nunca fizera intencionalmente mal a ninguém. Não merecia o Inferno.

Em resposta ao medo que todo seu corpo começa a demonstrar, o anjo fala com um tom suave, amigável:

– Não tema medo. Está aqui somente como observador. Aqui não é o Inferno, embora fique mais parecido a cada momento. Estamos no futuro, vinte anos no futuro. A cidade em frente é Dallas.

Podia ver a cidade à distância. A sua cidade. Seu perfil característico ainda era reconhecível, apesar de coberta por uma camada de nuvens tão espessa que parecia esmagá-la. A cidade parecia estar sem energia elétrica. Toda a iluminação vinha de relâmpagos, que surgiam inesperadamente, dos mais diferentes pontos do horizonte, em rápida seqüência. Trovões se faziam escutar, alguns de muito próximo.

Colunas de fumaça negra subiam de alguns prédios. Poucos. A maioria parecia ter se incendiado muitos anos antes e estava coberta de uma vegetação estranha. Grossos galhos secos grudados às estruturas de concreto e aço, ramificados como veias. Arbustos surgiam de rachaduras do asfalto. Mas a visão não era a da vida vencendo o concreto e o asfalto. Havia uma aura maligna naquelas plantas de folhas cortantes, naquelas folhas que não eram verdes. Que eram talvez azuis.

Moscas. Havia moscas por todos os lados. Paredes inteiras cobertas por moscas. E também baratas. E outras coisas rastejantes.

Pelas ruas, carcaças de carros e, por todos os cantos, estranhas peças de madeira na forma de um ípsilon invertido cravadas no solo. As maiores tinham proporções compatíveis com a de homens adultos. Mas, havia outras, menores. Jensen lembra dos assassinatos em Cedar City. Olha para anjo, pedindo confirmação para suas suspeitas.

– Estamos no Reino de Lúcifer na Terra. Pode não parecer, mas Dallas está em condições bem melhores que a maioria dos lugares.

As ruas estavam desertas de pessoas, mas Jensen percebe o brilho de muitos pares de pupilas o observando na escuridão. Nas frestas, sobre as marquises, nos becos. Ele gostaria de acreditar que eram gatos. Ou até mesmo ratos. Mas parecia ser outra coisa. Bem mais sinistra.

As ruas vazias não eram silenciosas. Havia guinchos, silvos, uivos e até mesmos gritos. Pavorosos gritos de dor. Gritos de algo que ele tinha certeza não ser humano.

Sente que coisas estavam se movimentando ao seu redor e acima de suas cabeças. Eles estavam sendo cercados. O que Jensen mais queria naquele momento é ter sua arma na mão.

Então, acontece. Tudo muito rápido, tanto que Jensen mal tem tempo de registrar o que houve. Algo com olhos vermelhos e uma grande boca salta na sua direção. Ele não tem tempo de esboçar uma reação. Apenas se sentiu sendo tirado do caminho da fera e pensou ter visto uma lâmina descer certeira e cortar o pescoço da criatura. Mas, surgem outros. Emergindo da escuridão. De todos os lados.

O que eram aquelas coisas?

No instante seguinte, Jensen se descobre em outro lugar. A mesma destruição que vira por toda parte, mas ele podia reconhecer o lugar. Estava em frente à casa onde seus pais moravam. À casa onde morou antes entrar para o FBI. Era uma das poucas do quarteirão que ainda está em pé, mas tinha sido destruída completamente por um incêndio. Sentiu um nó na garganta e um aperto no coração.

– O que foi que aconteceu?

– O Apocalipse aconteceu. Lúcifer caminha na Terra usando um corpo humano. E, como ele, diversas criaturas do Inferno caminham sobre a face da Terra. Ainda existem homens, mas são poucos e estão acuados.

– Meus pais .. ?

– Tiveram sorte. Morreram.

– Porque me trouxe para ver isso?

– Estamos no futuro e o futuro pode ser alterado.

– Por mim?



O cenário muda mais uma vez.

O lugar parecia uma mistura de sala de cirurgia, com laboratório, com sala de taxidermia. No mais, móveis velhos, uma estante com livros técnicos de diversas especialidades médicas, uma cama desfeita e, sobre ela, um crucifixo de cabeça para baixo.

Um mapa feito de fotos por satélite mostrava a região a nordeste de Cedar City. Nele estavam marcados os locais exatos onde as quatro vítimas foram deixadas para morrer e o ponto destinado à quinta vítima. Ligados, os pontos formavam um pentagrama girado.

Jensen pode ver a si mesmo, adormecido. Nú, sobre uma superfície plana e estreita, no centro do ambiente. Frágil. Indefeso. À sua volta, cinco manequins, nenhum deles com o corpo completo. Em quatro deles, a visão sinistra de uma máscara de pele humana. A língua cortada da vítima pendia, às vezes torta, da abertura entreaberta do que seria uma boca. A textura e a coloração originais foram preservadas de forma impressionante. Um elmo formado pelo couro cabeludo da vítima completava o simulacro sinistro de um rosto humano. Não era difícil imaginar o que logo vestiria a cabeça do quinto manequim.

O homem possuído acerta a posição do carrinho onde estão diversos tipos de instrumentos cirúrgicos e uma improvisada, mas potente, lâmpada cirúrgica. Estava pronto para iniciar o procedimento. Joga álcool sobre as mãos enluvadas e pega o bisturi.

Jensen quer deter a mão do homem, mas sua forma astral o atravessa. Olha para o anjo, que permanece impassível, olhando a cena de um canto da sala. Jensen se desespera e se revolta com a passividade do anjo. Depois daquela verdadeira viagem ao Inferno, fora trazido de volta para presenciar a própria morte? Qual o objetivo daquilo tudo?

– Por Deus! Faça alguma coisa. Qualquer coisa. Não deixe que ele me mate.

O homem possuído está prestes a encostar o bisturi no rosto de Jensen Ross quando a porta é derrubada por um forte chute e um homem de terno, armado de um antigo rifle Winchester, invade a sala.

– Afaste-se dele, demônio.

– Então, finalmente tenho a honra de conhecer o famoso Samuel Winchester?

'– O homem que estava se passando por mim no FBI?? O que ele está fazendo aqui?'

Mas, Jensen não tem tempo para formular nenhuma outra pergunta. Ele se sente sendo puxado de volta para o próprio corpo, onde sua consciência é entorpecida pela forte medicação aplicada a seu corpo físico.


A partir daí, ele só lembraria de pequenos flashes do que se seguiu. O homem - o impostor - injetando algo em sua veia e, em seguida, cobrindo seu corpo com um cobertor. Depois, o mesmo homem ao seu lado, o acompanhando enquanto era levado pelos corredores de um hospital. Havia preocupação no rosto do homem. Jensen ainda tentou esboçar um sorriso e agradecer ao homem, mas sua vista escureceu.

Jensen só acordaria dali a três dias. Ele havia recebido uma dose forte de um relaxante muscular de ação paralisante a base do veneno curare. O veneno reduzira seu metabolismo e sua freqüência cardíaca. Ele esteve muito próximo da morte. Soube que a aplicação de um poderoso estimulante, antes de ter dado entrada no hospital, pode ter salvo sua vida. O impostor.

Muitas horas e uma bateria de exames depois, já transferido da UTI para um quarto, Jensen reflete sobre os últimos acontecimentos. Os que realmente vivera e aqueles que apenas sonhara. Um anjo. Duvidava que um dia abrisse a boca para contar a quem quer que fosse que, à beira da morte, sonhara com seu anjo da guarda. Ia ser motivo de chacota em todo o FBI. Sorriu. Seria bom se pudesse contar com um anjo da guarda sempre que estivesse em perigo.

Isso levava ao segundo ponto. O impostor. O que estava esperando para denunciar o farsante? A segurança nacional podia estar em risco. Fora atacado no hotel e acordara no hospital. Tudo o mais foram sonhos. Dera um rosto a um personagem de um sonho. A última coisa que um impostor faria seria salvá-lo. Morto seria uma garantia a mais de que não seria descoberto. Não estava entendendo o motivo de sua hesitação. Não estava se reconhecendo mais.

Objetividade. Precisava definir seus próximos passos. O que sabia com certeza?

Primeiro, a descoberta que alguém se passava por ele no escritório do FBI de Los Angeles. Tinha acabado de identificar o impostor por vídeos gravados no auditório quando bateram de leve na porta e ele, descuidado, a abrira. Lembrava de ter sido espetado com algo e ter apagado. Agora sabia que o atacante usara o veneno curare para derrubá-lo.

Então, aquele sonho estranho. Tão fantástico e tão real. Lembrava claramente de cada momento do sonho - ou alucinação - ou delírio - que tivera. Lembrava do azul dos olhos do anjo e do vermelho dos olhos da besta-fera que o atacara. Lembrava também do verde-acastanhado dos olhos de seu salvador desconhecido.

Sim, porque existia um salvador. Um homem alto, moreno, vestindo um terno escuro entrara com ele no hospital e ficara ali até a confirmação de que estava fora de perigo. O agente Jones e a agente Christine chegaram horas depois do homem ter saído. Descobriu-se depois que as fitas das câmaras de segurança do hospital haviam sido roubadas. O retrato falado do homem batia, no entanto, com a imagem do impostor que identificara nos vídeos e do salvador desconhecido que vira em seu sonho.

Maldito sentimento de gratidão. Detestava estar em débito com alguém. E tinha agora um débito imenso com um desconhecido. Alguém, um completo estranho, o salvara de um destino horrível. Mas ainda era um agente federal. Tinha deveres. Tinha responsabilidades. Tinha que fazer o que era certo: denunciar o homem. Depois, se necessário, pagaria do próprio bolso um advogado para defendê-lo.

É isso! Era o que é certo e é o que faria. Nada de fantasiar as coisas. Sonho ou alucinação, não importa. Precisava voltar ao mundo real.

Estava pensando em como a mente das pessoas pode pregar peças, quando sente uma presença a seu lado. O anjo. Não pode ser. Estava agora vendo coisas? Tinha certeza que estava acordado.

– O homem que o salvou. Ajude-o a salvar o mundo


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Notas finais do capítulo

11.12.2011



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