Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 122
Sete vidas epílogo vida 6 capítulo 2




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O Trickster estava enganado. A consciência de Benjamin, ao chegar, não ocupou o corpo torturado de Mark Lawson. Talvez porque Benjamin não fosse realmente Mark Lawson. Talvez por Benjamin vir de uma realidade cujas leis físicas eram diferentes. Talvez porque não havia naquela realidade, em que os Winchester nunca existiram, ninguém geneticamente semelhante a ele.

Ou, simplesmente, porque Benjamin Winchester, o homem que não deveria existir, era realmente um indivíduo único. O fato é que o amuleto transportou não apenas sua consciência, mas também seu corpo físico. Havia, portanto, naquele momento, naquela realidade, duas pessoas que se reconheciam como Mark Lawson.

E os dois estavam, naquele momento, frente a frente, numa sala estéril, projetada para garantir o grau de proteção mais elevado contra riscos biológicos. Uma sala transformada em prisão e local de tortura. Um homem transformado em meio de cultura para um vírus mortal.

Benjamin sabia que seria assim. Gabriel lhe informara sobre o homem e sobre o lugar onde se manifestaria. Ele não viera enganado. Gabriel falou do que estava em jogo e contou dos riscos envolvidos. Sabia que suas chances de sobreviver eram quase nulas. Mas, ele não poderia simplesmente tocar sua vida em frente sabendo que bilhões morreram porque ele teve medo.

Nesta realidade, o Mark Lawson seqüestrado não era um menino de 14 anos. Era um jogador de football profissional de 25 anos, com casamento marcado. Quando foi seqüestrado, onze meses antes, era um gêmeo do Mark Lawson que abrigava a alma de Benjamin. Mas, não agora. Sua morte anunciada viria da devastação que o vírus Z causou em seu organismo enfraquecido pela drenagem contínua de sangue. Sua aparência era a de um homem que já deveria estar morto.

Frente a frente com seu gêmeo saudável, Mark Lawson reúne o pouco que lhe resta de energia e lucidez para uma súplica desesperada.

– POR .. DEUS, ... ME .. MATE.

Benjamin observa a aparelhagem da sala e os sensores ligados ao corpo de Mark Lawson. Os sinais vitais do homem eram continuamente monitorados de fora; e a quantidade de sangue drenado era controlada e medida, como se faz com qualquer matéria-prima em qualquer indústria. Devia haver uma sala de controle em algum lugar daquela fábrica da morte. Se ele fosse desconectado da aparelhagem, saberiam. E, em minutos invadiriam a sala.

Benjamin sabia que, a partir do primeiro contato com o vírus, seu sangue começaria a produzir anticorpos para combater a infecção. Retirou a agulha usada para drenar o sangue contaminado do corpo de seu gêmeo e a enfiou em sua própria veia. Tinha que tomar o lugar do outro e transformar aquela instalação em fonte de salvação e não de morte.

Gabriel acreditava que bastariam doze horas para que os anticorpos destruíssem a carga virótica do sangue já recolhido, inutilizando todo o estoque. Era o tempo que teria que resistir até a chegada do resgate.

Muito antes disso, no entanto, Benjamin precisava concluir uma tarefa que ninguém lhe disse que teria que executar, mas da qual não podia fugir. A parte mais difícil de sua missão: trazer a paz definitiva a um homem que já sofrera demais. Depois, restava torcer para que Gabriel fizesse sua parte e o resgatasse dali antes que fosse descoberto.

A guerra pela salvação da humanidade começara, na verdade, 96 horas antes. Antes mesmo de Gabriel convocar Jensen e Jared para assumirem seus postos na linha de frente.

Gabriel se manifestara em todo o seu esplendor e ira sobre um cargueiro que deixara o porto de Chicago, quinze dias antes, rumo ao porto de Santos. Demônios, homens e a carga foram incinerados e uma grande explosão levou o navio a seu porto definitivo, num trecho, a cem quilômetros da costa brasileira, onde a profundidade ultrapassava dois mil metros.

Quatorze outros cargueiros foram afundados em rápida seqüência. Todos eles sobre pontos inacessíveis de diferentes oceanos da Terra. As cargas estavam destinadas aos portos de Vladivostok (Rússia), Shangai (China), Singapura, Sidney (Austrália), Kuala Lumpur (Malásia), Da Nang (Vietnam), Cidade do Cabo (África do Sul), Lagos (Nigéria), Mombasa (Quênia), Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), Mumbay (Índia), Barranquilla (Colômbia), Anchorage (Alasca) e Rotterdam (Holanda).

Os cargueiros tinham sido despachados em datas diferentes, mas deveriam chegar, a seus respectivos destinos, em torno de 48 horas antes da hora escolhida para a disseminação mundial do vírus.

Os cargueiros já tinham sido destruídos quando Gabriel se encontrou com Jensen e Jared em Nova Iorque. A destruição dos cargueiros gerara uma onda de mudança, mas que apenas empurrara para frente em poucos meses a data da morte do último homem. Enquanto o vírus existisse, a humanidade não estaria a salvo. E, agora, com os demônios alertados, tudo seria mais difícil.

Jansen e Jerod nunca encontraram a versão daquela realidade da demônio Ruby e, portanto, nem suspeitavam da existência de uma faca mística capaz de matar demônios. Foi Gabriel quem lhes forneceu, pouco antes de entrarem em ação, facas com propriedades místicas equivalentes, vindas de duas realidades vizinhas.

A destruição, por Jansen e Jerod, de um centro de distribuição de derivados de sangue da Niveus Pharmaceuticals em Fort Lauderdale, na Florida, aconteceu ao final de uma terrível batalha de seis horas. Eles estavam nos seus limites.

– Missão cumprida. Vamos. Temos muito a fazer.

– Espera. Estamos exaustos. Não temos condições de continuar.

O Trickster estala os dedos e os dois sentem uma incrível sensação de vitalidade e disposição. Dores musculares, pequenos ferimentos e escoriações resultantes da batalha desaparecem. Até mesmas suas roupas, antes encharcadas de suor e sujas de sangue, deles próprios e de demônios, ficaram como que novas.

– As meninas têm mais algum motivo de reclamação? Se não têm, vamos. A SWAT foi chamada e estarão aqui em menos de dois minutos. Próxima parada: armazém de cargas do aeroporto de Chicago.

A ação no armazém foi facilitada pelo inexplicável aparecimento de uma densa neblina que cobriu toda a região do aeroporto. O fogo que destruiu inteiramente o armazém começou menos de meia hora depois que Jansen e Jerod foram transportados para a calçada oposta à do portão principal do armazém.

Um imenso ciclone que surgiu do nada destruiu completamente as instalações externas do laboratório texano da Niveus, em San Antonio, facilitando a entrada de Jansen e Jerod nas instalações subterrâneas. Não muito depois, uma série de explosões inicia um incêndio que destrói um estoque capaz de infectar diretamente duzentos e cinqüenta mil pessoas.

Além do laboratório, somente as estradas de acesso ao local sofreram danos significativos. A polícia e os bombeiros só conseguiram atravessar muitas horas depois, quando não havia mais o que fazer. Inexplicavelmente, as construções vizinhas não foram atingidas e o ciclone se dispersou pouco depois.

Foi observando a estranha arquitetura do laboratório destruído que os J’s encontraram a ponta do novelo que os levaria à descoberta da identidade do Trickster. O Trickster, ao dar-lhes as instruções, dissera que o lugar estava protegido por barreiras místicas que impediam sua entrada. E, num insight repentino, Jansen percebeu que a replicagem do logo da Niveus em um determinado arranjo formava uma armadilha para anjos. Seria possível?

– Missão cumprida, Trickster. Apareça.

O Trickster aparece na frente de seus exaustos agentes, sem perceber que eles se encontravam no centro de uma grande armadilha para anjos, que eles próprios desenharam. Jansen e Jerod trocam olhares e disfarçam um sorriso vitorioso.

– Pronto. Novos em folha e prontos para próxima. Temos apenas mais três paradas. Vamos! Nosso tempo é cada vez é menor.

O Trickster estala os dedos, mas nada acontece. Ele olha em torno, em pânico, e baixa cabeça em atitude de rendição.

– Surpreso?

– Ok. Então, já sabem. Mas, isso não muda nada. Só estamos aqui perdendo um tempo que não temos.

– Cara amarrada? Não estou reconhecendo você. Nenhuma piadinha? Onde está aquele sorrisinho cínico com o qual você sempre nos brinda?

– O mundo está em perigo mortal. Não tenho tempo para joguinhos. Libertem-me!

– Um anjo, Trickster? Você é mesmo um maldito anjo?

– Nós libertamos você assim que nos disser seu verdadeiro nome.

– Rapazes ..

– Diga!

– (..)

– Não está com pressa? Diga. Ou vamos ficar os três aqui o resto do dia.

– Gabriel.

– Gabriel? O arcanjo? Está de brincadeira. Só pode.

– Satisfeitos agora? Vamos, então.

– Quando tudo isso acabar, nós vamos ter uma longa conversa.

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Era preciso escolher cuidadosamente o momento e o local de cada ação para reduzir os danos colaterais. Gabriel abate no ar, usando a voz, três aviões de transporte de carga sobre regiões pouco habitadas do território americano. A carga de dois dos aviões foi complemente destruída na explosão que se seguiu ao impacto com o solo. Um lote da carga do terceiro avião, no entanto, não queimou completamente e espalhou sua carga virótica numa área rural ao sul de Salt Lake City. Gabriel não podia correr o risco da infecção se espalhar, não depois de tudo. Fogo celestial devastou dez quilômetros quadrados em torno do ponto de liberação. Um casal que passava numa pequena estrada vicinal não escapou.

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Jansen e Jerod quase não escaparam vivos do centro de distribuição da Niveus da Califórnia. Estavam cercados por demônios num armazém em chamas, com as armas descarregadas, quando o terremoto começou. O chão começou a engolir um prédio após o outro, mas isso parecia não ter importância para os homens possuídos. O único objetivo que tinham era a destruição a qualquer custo dos invasores.

Um demônio levantava um desacordado Jerod pela garganta e estava a ponto de partir seu pescoço, quando é transpassado pela espada de Gabriel. Jansen fora derrubado, e caíra inconsciente, com as chamas perigosamente próximas dele. Gabriel retira os dois do armazém poucos segundos antes deste desabar e ser engolido pelo solo. O terremoto destruíra a integridade das armadilhas para anjos, permitindo que Gabriel agisse. Eles escaparam da morte por muito pouco.

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Neste momento, Benjamin já estava em ação no laboratório de Chicago. Tinha passado os sensores um a um para o próprio corpo. Mark Lawson fora libertado e jazia inconsciente no chão. Benjamin tinha uma seringa vazia nas mãos. Bastaria que injetasse ar na veia do gêmeo para que este ficasse definitivamente livre dos demônios. Mas não foi necessário. Ao segurar o braço, buscando a veia, Benjamin percebe que ele não mais respirava.

Ao morrer, Mark Lawson levava consigo toda a mortal carga virótica contida em seu organismo. O vírus não sobrevivia à morte do hospedeiro. Mas, mesmo com isso e com a destruição de importantes estoques do vírus, a onda de mudança gerada não mudava o essencial. A extinção da humanidade ainda estava lá. Mudavam apenas as circunstâncias.

E restava saber se a morte de um Mark Lawson livraria Benjamin do destino anunciado de todos os que portavam aquele nome.

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A penúltima batalha de Jansen e Jerod foi na base de distribuição européia da Niveus, a cinquenta quilômetros da cidade alemã de Munique. Jerod fora baleado ainda no início da operação e estava perdendo muito sangue. Ele não tinha condições de luta. Com isso, o sucesso da operação e vida de Jerod passaram a depender exclusivamente das ações de Jansen. Os demônios apareciam de todos os lados, mas o treinamento por que Jensen passara nos mundos de videogame mostrava agora a sua serventia. Seus reflexos eram espantosos e a sua habilidade na luta com duas facas lhe garantiria um recorde de pontos se aquilo não fosse o mundo real.

Novamente, sair da área de armazéns - entre chamas e explosões - foi a parte mais difícil. Jerod mal podia andar. Ele implorou a Jansen que o deixasse para trás, mas Jansen preferia morrer a cogitar essa hipótese. Uma terrível tempestade de neve, acompanhada de relâmpagos que providencialmente lhes abriram caminho para fora da instalação, permitiu que fossem resgatados no momento que pisaram fora dos limites da base. Também não fora ainda desta vez, mas passou perto. Perto demais.

Enquanto isso, Gabriel destruíra cinco caminhões de entrega de sangue contaminado de alta concentração de vírus, dois deles em movimentadas auto-estradas. Não havia tempo para sutilezas. A ameaça tinha que ser detida a qualquer custo. Ao lançar um caminhão-tanque de gasolina sobre o caminhão de transporte da Niveus, Gabriel causou a morte de trinta e duas pessoas e ferimentos em certa de cinqüenta. Derrubar um viaduto para deter o segundo caminhão e depois incendiá-lo, matou outros treze e feriu seriamente dois.

As ações de Jansen e Jerod também mataram inocentes. No futuro, Gabriel intercederia por eles e por essas almas.

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Restavam o laboratório principal e a sede corporativa de Niveus em Chicago. A imensa maioria dos funcionários da sede corporativa não fazia idéia dos reais objetivos da organização nem que demônios dividiam com eles o refeitório e os corredores. Apenas ganhavam seus sustentos ali. Não era o caso do laboratório, onde apenas homens possuídos tinham acesso livre.

Gabriel abriria caminho até a diretoria matando quem se pusesse no caminho, mesmo que o prédio da sede corporativa fosse uma grande armadilha para anjos. Isso significava apenas que, uma vez dentro, ele não poderia sair de lá.

Jansen e Jerod deveriam resgatar Benjamim. Gabriel, que se mantinha em contato mental regular com ele, o informou do momento certo de retirar os sensores. A movimentação quando descobrissem que sua fábrica de vírus saíra do ar criaria a oportunidade perfeita para Jansen e Jerod entrarem e cumprirem sua missão.

Demônio algum é páreo para um arcanjo enfurecido. Gabriel mata os demônios-segurança na portaria e sobe de elevador em direção ao andar da diretoria. De dentro, explode a porta do elevador e libera fogo celestial por todo o andar. O fogo se espalha, consumindo os demônios e seus hospedeiros humanos. O tempo para sutilezas estava definitivamente encerrado. Como fizera anos antes, em sua realidade de origem, Gabriel confronta a versão desta realidade do príncipe do inferno Asmodeu, que ocupava o corpo do presidente da Niveus, Erick Johnson.

O incêndio no último andar avança para os andares mais baixos, mas em uma velocidade que permite a evacuação do prédio de seus ocupantes humanos. A propagação de fogo para baixo não costuma acontecer em incêndios normais, a menos que o fogo comprometa a estrutura e o piso desabe, levando o fogo para o andar inferior. Mas o fogo celestial não é um fogo natural e não se comporta igual. É um fogo líquido que se espalha pelas superfícies e queima sem fumaça. Muitos demônios, cercados, abandonam seus receptáculos, mas isso não os salva do fogo celestial que os caça onde quer que se escondam. O fogo convencional que se segue completa o serviço.

Os funcionários que escaparam, reunidos a uma distância segura do prédio, vêem uma explosão de luz branca em meio às chamas e à fumaça que escapam das janelas destruídas do último andar do prédio. E batem palmas quando um helicóptero decola do terraço, escapando das chamas. O júbilo se transforma em horror quando o helicóptero perde altura e cai, explodindo ao atingir o solo.

Os olhos voltados para o helicóptero em chamas não vêem o arcanjo surgir em frente ao escancarado portão principal do laboratório. De fora, o arcanjo pode ver diversos corpos caídos e o barulho inconfundível de tiros e rajadas de mini-metralhadoras e de armas automáticas. Sinal que Jansen e Jerod entraram e estavam em ação. Gabriel garantiria que os demônios não receberiam reforços.

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Benjamin tinha conseguido trocar novamente de lugar com o seu gêmeo e se esconder, enganando momentaneamente os cientistas-demônios. Sabia que não podia ser capturado vivo ou seria transformado em uma nova fábrica de vírus. Precisava também deixar crescer a concentração de anticorpos no seu organismo. Isso era essencial para o que Gabriel planejava. Vacinar toda a população mundial, tornando impossível o surgimento da epidemia no futuro. Para que sua missão se completasse, precisava sobreviver.

O número de cientistas-demônios não era grande e metade já tinha sido abatida, mas três deles eram demônios poderosos. O primeiro explodiu em chamas quando, num arremesso perfeito de Jerod, teve a faca mística cravada na testa. Mas eles não teriam outra chance. Cada demônio vai na direção de um dos J’s e o lança violentamente contra a parede. Presos à parede, os J’s sentem uma pressão crescente que ameaça esmagá-los e dificulta cada vez mais até mesmo respirarem.

Benjamin sai de seu esconderijo e, pela primeira vez, avista sua equipe de resgate. Seu pai e seu tio? Ficara surpreso, mas, pensando bem, quem mais poderia ser convocado para salvar o mundo? Mas o orgulho é logo substituído pelo desespero. O demônio ia matar Dean. Ia matar o homem que seria o seu pai daquela realidade. Benjamin, esquecendo qualquer preocupação com a própria segurança e com sua missão, corre até a faca caída, empunha-a e a crava nas costas do demônio que mantinha Jensen imobilizado contra a parede.

O outro demônio, ainda mantendo Jerod imobilizado, se volta para Benjamin e o lança longe, deixando-o inconsciente. Jansen ainda conservava sua faca consigo. Ele mira e arremessa a faca no peito do terceiro demônio.

Os cientistas-demônios são agora apenas cinco e dois vão atrás de Benjamin. Um erro fatal. Jansen e Jerod agindo de forma coordenada, dão cabo dos outros três com facilidade.

Jansen, armado com uma faca e um revólver, acua o demônio que pressiona um bisturi contra o pescoço de Benjamin. Jansen repara que o rapaz usa um cordão com um estranho amuleto.

Jerod de posse de uma mini-metralhadora atira contra os pontos das paredes, do piso e do teto onde estão as armadilhas de anjo. Fragmentos arrancados de reboco e ladrinhos quebrados desfazem a barreira mística.

Gabriel aparece entre Jansen e o demônio e seu refém. Os olhos de Gabriel emitem uma luz intensa que expulsa o demônio do corpo do cientista. O demônio tenta fugir na forma de nuvem de fumaça, mas antes que consiga explode em chamas.

Benjamin vai na direção de Gabriel e o abraça. Gabriel, surpreso, hesita por um instante, antes de corresponder ao abraço. Somente naquele momento se deu conta que, de todos os humanos, o único com quem tinha uma relação pessoal é Benjamin. É o único de quem é amigo. O único com quem sempre foi honesto. Para ele, foi sempre Gabriel, nunca o Trickster.

Jansen, esquecido do último demônio, sorri aliviado, acreditando que finalmente acabara. A ameaça fora afastada e eles sobreviveram. Ia ficar tudo bem.

Ao buscar Jerod com o olhar, Jensen é paralisado pela antevisão da tragédia. O último demônio, aproveitando que Jerod estava distraído observando o estrago que tinha feito nas armadilhas de anjo, atira com uma arma automática na sua direção. Jerod tem o corpo perfurado por seis balas, das quais três atingem órgãos vitais. Uma transpassa seu coração. Jerod tomba morto, no exato momento em que Gabriel incinera o demônio que o matou.

Jansen se aproxima receoso do corpo caído de Jerod. Tinha medo de constatar o que na verdade já sabia. Ele teria corrido até o corpo se realmente acreditasse que Jerod ainda poderia ser salvo.

– Ele está morto, Jansen.

– Traz ele de volta. Você trouxe uma vez. Pode trazê-lo uma segunda.

– Jansen! Da primeira vez, havia um motivo, uma missão a ser cumprida.

– Eu não acredito! Você tem a cara de pau de dizer na minha cara que não vai trazê-lo de volta porque não precisa mais dele? Não! Eu, é que fui muito idiota. Eu é que não sei aonde estava com a cabeça quando acreditei por um minuto que fosse que você se importava com alguém.

– O Jerod tinha um destino a cumprir e ele o cumpriu. Já não existe um motivo que o prenda a esse plano. Por mais difícil que seja para os homens aceitarem, é assim que funciona. Ele morreu, mas isso não é um castigo. Muito pelo contrário, é um prêmio. É hora dele receber a verdadeira recompensa. Ele está bem, acredite.

– Você me tirou a única pessoa que fazia a minha maldita vida ter algum sentido. É ESSA a minha recompensa? É isso que eu ganho por salvar o mundo? Eu não aceito. Eu vou OBRIGAR você a trazer o Jerod de volta. Nem que seja na base da porrada.

Benjamin se coloca na frente de Jansen. Confiava em Gabriel. Era grato por tudo que ele lhe possibilitara fazer e viver. Ele lhe dera de volta o tio e a avó e, com isso, ele ganhara um pai e um avô melhores. Graças a Gabriel, sua família fora feliz. É verdade que precisara pagar um preço pela felicidade dos seus. Viver afastado da própria família. Mas, acreditava que valera a pena. E tivera compensações. Graças a Gabriel, tivera uma vida extraordinária. Jansen estava sofrendo, mas isso passaria. Ele também sabia o que era sofrer a morte de alguém que se ama. Mas, é assim. Pessoas morrem. Faz parte da vida. Mais dia, menos dia, todos morrem. É preciso aceitar.

– Jansen, escute o Gabriel. Ele não é nosso inimigo.

– Meu amigo eu sei que ele não é. Saia da minha frente ou eu não me responsabilizo por meus atos.

Benjamin se sente dividido. Aquele homem na sua frente não é o pai a quem dedicou toda a sua vida, mas é tão parecido que é como se fosse. Queria encontrar uma forma de aliviar um pouco a sua dor. Ele estava sofrendo pela morte do homem que amava. Benjamin sentiu uma ponta de inveja. Inveja da profundidade daquele sentimento. Nunca vivera um grande amor. Neste quesito, mesmo na tragédia, aquele homem ainda tinha muito mais do que ele, Benjamin, jamais tivera.

Sem que nenhum deles perceba, os ponteiros do relógio de pulso de Benjamin começam a rodar mais rápido.

– Primeiro, se acalme .. p[ai] .. Jensen. Vamos conversar.

– SAIA. DA. MINHA. FRENTE.

Descontrolado, Jansen agarra firmemente Benjamin pelo colarinho e o empurra com toda a força para o lado. Sua intenção era agarrar o Trickster e esmurrá-lo até que ele concordasse em trazer Jerod de volta. Mas, antes que chegasse próximo a Gabriel, Jansen simplesmente cai. Como uma marionete que teve as cordas cortadas. Sem nenhum sinal aparente de vida.

.

– Ele está morto!?! Gabriel, o que foi que aconteceu? Será que ele teve um enfarte? Talvez, se fizermos uma massagem cardíaca ..

– Ele não morreu. Não propriamente. Não AINDA. Mas o corpo não tem mais uma alma para animá-lo. Não só a consciência, mas tudo aquilo que fazia dele a pessoa que era, se foi. O corpo sobrevive à retirada da consciência. Mas sem sua alma, e aqui estou usando o termo alma em seu conceito original, de sopro divino que confere a vida, o corpo morrerá. Benjamin, onde está o seu amuleto?

– Não sei. Não está mais comigo. O cordão deve ter partido quando Jansen me derrubou. Deve estar caído em algum lugar por aqui.

– Não, está com o Jansen, aonde quer que ele esteja. Olhe seu relógio de pulso. Está marcando 21:03. Ele foi adiantado. Neste horário, era para VOCÊ ter retornado à sua realidade. Ao invés disso, Jansen foi transportado para algum outro lugar, alguma outra realidade. Embora a clepsidra não estivesse programada para ele. Pelo menos, não por mim. É impossível saber aonde sua alma foi parar.

– Clepsidra?

– Uma clepsidra é um relógio de água. O amuleto que você trazia no pescoço era a água de uma clepsidra mística. O seu relógio de pulso foi, até momentos atrás, o vaso inferior da clepsidra.

– E não é mais?

– Não. Deixa de ser quando o amuleto transporta o viajante de volta ao ponto de origem. O vaso acompanha o amuleto.

– Outra pessoa que esteja de posse do amuleto não seria igualmente transportada?

– Não. É uma viagem de volta, nunca de ida.

– Então, como pode acontecer? Como a alma do Jansen foi transportada?

– Não sei ao certo. Talvez por intervenção pessoal da senhora da clepsidra, a deusa Tara. Tara pode ter-se apiedado de Jansen e decidido escrever para ele um outro final. Ela pode ter decidido que o amor de Jansen merecia uma segunda chance.

– Deusa Tara?

– Tara é a deusa indiana da compaixão. Foi ela quem me forneceu os meios para trazê-lo para essa realidade, mas, sem o amuleto, receio que você fique preso aqui para sempre. Da mesma forma, Jansen jamais retornará.

– Como pode ter certeza?

– A clepsidra devolve o viajante para o exato momento em que a pessoa partiu. Para quem ficou, é como se a pessoa jamais tivesse sido transportada. O fato de estarmos aqui fazendo conjecturas sobre onde ele está é a prova que ele jamais voltará.

– Então nunca saberemos ao certo se ele está bem?

– Jansen Ackles era a contraparte dessa realidade de seu pai, Dean Winchester, assim como Jerod Padalecki era a contraparte de seu tio, Samuel. O intenso amor fraternal de seu pai por seu tio se manifestou, nesta realidade, como amor físico de Jansen por Jerod, já que não havia vínculos familiares entre eles. Esse amor, seja a forma que tome, é essencial para dar aos Dean, e aos Jansen, a motivação necessária para superarem qualquer obstáculo. O próprio universo se curva a esse imperativo. Como agora. Não duvido que Jansen tenha ido ao encontro do seu Jerod. O Jerod certo para ele.

– Vendo de perto, Jerod não é tão parecido com o tio Samuel quanto Jansen é de meu pai.

– Jansen também não era tão parecido assim o com Dean. Fui eu quem deu a ele esta aparência. Uma longa história.

– Depois vou querer escutar. Mas, agora, o melhor é nos apressarmos. O que fazemos agora?

– O que viemos fazer. Destruir os últimos estoques de sangue contaminado. Acabar de uma vez por todas com a ameaça zumbi.

– E quanto a eles?

– O corpo do Jansen ainda vive. Os recursos da medicina humana podem prolongar esse estado. Depois, veremos. Quanto ao Jerod, .. existe um túmulo que ficou vazio nestes últimos cinco anos. Foi comprado por Jansen com esse propósito e, portanto, acredito que ele o aprovaria como o local do repouso final do corpo terreno de Jerod Padalecki.

– E a alma dele?

– Não poderia estar em lugar melhor.

.

.

Jerod abre lentamente os olhos e não consegue evitar um largo sorriso.

– Eu morri e estou no Céu?

– Tecnicamente você ainda não está no Céu. Mas, eu já criei um pedacinho só nosso no Paraíso, com um pouquinho de tudo que sonhamos juntos. Está lá, só esperando por você.

– Sandy, é você mesma?

– Quem mais poderia estar aqui esperando você? Seus pais, irmãos e praticamente todos os seus melhores amigos estão vivos. Sobrou para mim, que cheguei aqui antes.

– Por minha culpa.

– Não, nada de culpas. Você me fez a mulher mais feliz do mundo quando se ajoelhou e declarou que me amava na frente de todos os nossos amigos. Pode-se dizer que eu morri no momento mais feliz da minha vida. E agora estamos novamente juntos. O que não é nenhuma surpresa. Esqueceu que somos almas gêmeas. Não é a primeira vez que nos reencontramos aqui. E não vai ser a última.

– Eu estava no meio de uma batalha. O mundo está em perigo. Eu preciso voltar. O Jansen precisa de mim.

– A batalha já terminou. E você, meu herói, ajudou a salvar o mundo. Ficou tudo bem. Nada acontece por acaso. Você sabe disso. Só esqueceu. O que é perfeitamente normal. Esquecemos a verdadeira forma de ser do mundo quando estamos encarnados. Você teve uma morte violenta e, quando isso acontece, o espírito leva um tempo para se recuperar. E para relembrar de como são as coisas quando tiramos o véu da frente de nossos olhos.

– Mas, .. o Jansen .. .

– O Jansen vai ficar bem, acredite em mim. A história dele ainda está muito longe de chegar ao fim.


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Notas finais do capítulo

13.11.2011
Renomeei os capítulos do epílogo para dar mais clareza. Pretendo ao final da fic reordená-los.



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