Todolist escrita por AnaBorguin


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

ToDoList é inspirada pela banda My Chemical Romance e pelo filme My Life Without Me.Ambos (filme e banda) não possuem nenhum tipo de ligação comigo, portanto, apesar de saber que o Mikey realmente é uma gracinha, não posso passar o telefone dele para você. o/



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Prólogo -

- Sr. Way?

Sempre me orgulhei de ser uma pessoa quieta e “na minha”. Era a tentativa frustrada de mostrar que poderia ser útil, afinal, muito ajuda quem não atrapalha. Fui dotado de enorme paciência, capaz de me mostrar calmo diante das situações mais desesperadoras.

Bom, essa era uma situação desesperadora. E, bem, eu estava calmo. Adoraria poder gritar naquele momento, mas não conseguia ver motivos para isto.

- Sr. Way?

Às vezes entrava em uma espécie de “estado de torpor”, uma fuga que inventei desde criança. Fixava meus olhos em algum ponto e deixava minha mente vagar solitária por alguma dimensão. Funcionava bem enquanto minha mãe brigava comigo. Mal me lembro do que ela dizia, mas posso me recordar com perfeição todos os detalhes dos mundinhos que visitava. Vejam só, as coisas eram muito melhores neles, tinham até coelhinhos!

Mas, bem, comecemos... do começo. Desculpe, sou um pouco prolixo.

- Sr. Way? – não me lembro quantas vezes repetiu aquilo, mas acho que foi um bom número – O senhor está bem?

- Bem, eu... – tentei voltar ao mundo real.

- Eu entendo. Não é fácil receber este tipo de notícia... – Ele estava envergonhado, um pouco culpado. Apoiou os cotovelos na mesa e trançou os dedos, sustentando a cabeça a seguir. Olhava-me diretamente. Tentava passar segurança, mas só havia receio ali. – Se quiser um copo d’água...

- Ahn... Quanto tempo – As palavras saíram da minha boca naturalmente – você disse que tenho?

Relutou em repetir.

- Cinco meses, mais ou menos. Talvez seis, se seguir um simples tratamento.

Bom, seis meses era um tempo considerável, não é? Uns cento e oitenta dias. Se eu tivesse dez anos poderia contabilizar mais de duas mil horas de videogame. Videogame, nossa, como fazia tempo que eu não jogava videogame!

- Sr. Way, sei que esta é uma sentença bem cruel, mas infelizmente não há outra saída. Se tivéssemos diagnosticado o tumor há mais tempo, poderíamos ter dado um tratamento mais eficiente...

- E achei que fosse apenas cansaço... Pensei que analgésicos resolveriam... Engraçado.

Bem engraçado, na verdade. Costumei a ignorar aquela enxaqueca chata durante tanto tempo, seria sinal de fraqueza recorrer a um médico logo de cara. Engraçado, realmente.

- Acho que você gostaria de telefonar, não é? Talvez chamar sua família, sua esposa...

Foi então que dei adeus aos coelhinhos do meu mundo. Para sempre. Acho que foi a primeira vez que eu acordei de verdade. Eu era casado e tinha um filho e uma mãe e um irmão... É, eu tinha família. E eu deixaria essa família em seis meses.

- Não. – me pareceu óbvio – Eu não vou contar nada.

- Mas... Sr... O apoio familiar talvez seja necessário...

- Para quê? – Acho que soei agressivo. Não foi proposital. – Para obrigá-los a acompanhar a contagem regressiva?

Pareceu pensar. Tentava encontrar a melhor forma de abordar aquilo. Mas eu não deixei que continuasse com o papo calmante. Arrancaram-me do torpor, agora teriam que agüentar.

- Dr. Brooke, o meu pai morreu faz três anos, você se lembra, não é? – se lembrava. Já era médico da família naquela época - Ele ficou três meses preso a uma cama de hospital! Durante todo esse tempo fui obrigado a ver minha mãe seguir uma rotina de casa-hospital, hospital-casa. – gesticulei largamente. Isto não era hábito. - O meu filho conheceu seu avô em tubos de oxigênio! – Gritei, talvez. Não me recordo.

Ficou em silêncio, tirei-lhe as palavras.

- Não desejo que isto se repita. Não quero enterrar minha família comigo.

Foi uma bela frase de efeito, modéstia a parte.

- Eu respeito sua decisão. Mas será difícil conviver com este segredo.

Convivi com tantas coisas pesadas dentro de mim que mais uma não faria diferença.

- Nesta altura do campeonato, nem quimioterapia traria resultados. Prolongaria alguns dias, mas lhe tiraria o prazer deste pouco tempo.

Concordei com a cabeça.

- Tomará alguns analgésicos e uns medicamentos mais leves, para cortar a dor.

Concordei novamente. Entregou-me uma receita com algumas coisas rabiscadas, que guardei a seguir.

- Quantos anos tem, Sr. Way? – me surpreendi com a pergunta. O médico havia tirado os óculos, e relaxado a posição.

- Dezenove.

Reprimiu a vontade de dizer “Tão jovem...”, mas não deixou escapar um olhar de pena. Odiei aquilo.

- Sua esposa a mesma idade, suponho...

- Kath tem dezoito. – e completei, lhe ofertando mais um banquete de compaixão – Tinha quinze quando engravidou.

Apoiou a cabeça nas mãos, novamente. A sala ficou bem silenciosa. Pude ouvir o tic-tac que o relógio fixo na parede fazia. Tínhamos um relógio assim em casa, quando eu era criança. Era bem caro, coisa de família. Mamãe se orgulhava muito dele, o limpando umas três vezes ao dia, para que reluzisse. Foi uma das primeiras coisas que meu irmão vendeu.

Que saudades sentia desse tic-tac!

- Tenho que ir – aquele som me alertou o horário – Estou atrasado para pegar Julian na escola.

- Ah, Claro.

Levantei e caminhei até a porta.

- Sr Way.

Aquilo já estava excessivo.

- Me chame pelo nome, por favor. – pedi, já me virando para ir.

- Sim... – disse embaraçado – Michael.

Virei o pescoço para vê-lo.

- Se quer um conselho – Não eu não queria – Divirta-se. Aproveite estes dias.

- Ah... – fiquei sem muito que dizer. – Sim.

E me retirei.

Este era o primeiro dia do resto da minha vida.


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