Utopia escrita por dastysama


Capítulo 24
Capítulo 24 – Um farol em meio à neblina




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/81561/chapter/24

 

Bill não acreditara no que acabara de fazer. Não acreditara que se atrevera a beijar Biene, quando na verdade estava tendo mais uma das suas visões tão reais com Johanna. Ele não sabia distinguir nem se realmente recebera um tapa e se era de Biene, Johanna ou de ambas.

Seu coração ainda batia fortemente em seu peito e sua respiração parecia estar duplamente ofegante. Ele se sentou na cama, tentando organizar seus pensamentos, tentando se lembrar do que acontecera na visão e do que acontecera na vida real, aonde ambas as coisas pareciam se confrontar.

Mas o que ele falaria para Biene? Como ele poderia justificar o que fizera? Agora sim que ela não iria acreditar no que estava acontecendo com ele. Além de que dizer que beijara ela, pensando em outra era a pior coisa que poderia falar. Talvez ele devesse deixar a poeira abaixar, por que agora não poderia fazer nada nem justificar o que acontecera. Só estava bravo por ter perdido uma informação preciosa que Biene poderia ter.

Levantou-se de mau humor, olhando-se no espelho, tentando descobrir se estava mesmo na realidade ou nas suas visões. Mas decididamente agora ele estava são, então saiu do seu quarto e desceu as escadas onde encontrou os outros na sala, jogando um vídeo-game que Biene havia trazido de sua casa.

– Olá pessoal – Bill disse se sentando no braço do sofá.

– Amanhã vamos ter uma festa, Bill – Tom disse sem ao menos tirar os olhos da tela da televisão – Georg, seu filho da puta! Você me passou!

– Tenta superar essa! – Georg disse rindo.

– Festa? Que festa? – Bill perguntou sem entender nada.

– Aniversário da cidade – Georg disse – Ah, não! Gustav, seu maldito! Você me explodiu! Vou acabar com sua raça agora!

– Vai ter uns negócios legais na cidade, foi o que a Biene falou. Ela não contou para você? Vai ver ela fala tanto que se esqueceu disso – Tom disse apertando os botões com tamanha fúria – Gustav! Você me explodiu também, seu desgraçado!

– Uhul! Eu ganhei! – Gustav pulou do sofá sorrindo – Depois vocês reclamam que eu não falo muito. Se vocês falassem menos, teriam se concentrado mais. E não fale assim da minha prima, é bem legal da parte dela ajudar a gente.

– Falando nisso, onde ela está? – Georg perguntou se virando para Bill e os outros dois fizeram o mesmo.

– Ah... é... ela já foi... precisava fazer alguma coisa importantes – Bill disse engolindo seco – Talvez ela vá ajudar a montar essa festa, não faço ideia.

– Estranho – Tom disse de repente – Pensei que ela iria ficar aqui o resto do dia.

– Por quê?

– Você é cego? Ela gosta de você – Tom disse de repente fazendo todos ficarem surpresos – Gustav que me desculpe, mas é a verdade. Eu sei quando as garotas estão caindo de amores por alguém, sou perito nisso. Ainda mais o Bill que fica dando corda nesse negócio de descobrir o passado, a Biene está adorando saber que encontrou alguém um pouco parecido com ela, afinal vocês são iguais, não calam a boca quando ficam animados.

– Ela gosta de mim? – Bill exclamou realmente não acreditando – Não, você deve estar enganado, ela não pode...

– Por que você acha que ela vem aqui todo dia? Não tem nada a ver com descobrir o passado ou ver se a gente precisa de algo. Ela quer ver você, claro! Então, Bill, se você não tem interesse nela, melhor ir mostrando aos poucos para não quebrar o coração dela.

– Se você quebrar o coração dela, eu te mato – Gustav disse olhando fuziladoramente para Bill – Também venho percebendo isso. A Biene é meio alienada na maior parte do tempo, parece uma criança, então é melhor você tomar cuidado já que você não gosta dela... ou você gosta dela?

– Eu? Não, claro que... Eu não faço ideia... ela é bem legal e... ah... eu não sei – Bill disse cada vez mais tenso, quase a ponto de cair do sofá.

O seu rosto estava totalmente vermelho, ainda mais quando ele se recordou do beijo que havia dado em Biene inconscientemente. Agora tudo parecia mais real e ele se lembrava de vê-la correspondendo seu beijo, antes de ter fugido dele. Bill com certeza a havia assustado e queria muito poder falar com ela. Mas será que ele gostava dela? Será que ela pensa que ele gosta dela só por que a beijou?

Na verdade ele amava ter a companhia dela e se esquecera disso por causa daquelas malditas visões. Será que ele não estava tão interessado no passado que andava esquecendo seu próprio presente? Talvez ele devesse se preocupar com sua situação atual do que com que aconteceu há séculos.

– Eu vou falar com ela na festa, vou tentar esclarecer um pouco as coisas – Bill disse pensativo – Não vou machucá-la, não poderia fazer isso de maneira nenhuma.

 

Ela tirou o molho de chaves do bolso e tremendo tentou abrir a porta, mas as chaves caíram no chão e ela teve que tatear a procura delas. Quando as recuperou, conseguiu abrir a porta finalmente e entrou a fechando com um baque. Deixou-se escorregar pela madeira de mogno na porta e caiu sentada no chão, sem entender o que havia acontecido.

Não se tratava de Bill, ele não era assim. Claro que eles se conheceram há pouco tempo, mas ela já sabia o suficiente sobre ele para deduzir que nunca em mil anos ele faria algo como aquilo. Mas então o que acontecera? Por que ele a beijara daquela forma quando normalmente eles não passavam de amigos? Ela não conseguia achar resposta nenhuma para suas perguntas.

Talvez ele estivesse brincando com ela. Isso já acontecera algumas vezes, quando ela viajava para as cidades vizinhas para comprar alguma coisa que não tinha em Aach. Às vezes ela era parada na rua por alguns caras que achavam que podiam conquistar uma mulher com um cantada barata e vulgar. Quem sabe a maioria não era assim? Enquanto uns preferiam falar, outros já partiam para o ataque.

Mas os outros podiam ser assim. Bill não era. Mesmo que ela não tivesse toda certeza do mundo, ou talvez tivesse, afinal aquela vez que ele a magoou, ele veio atrás para se desculpar. Será que ele faria o mesmo novamente? Será que ele se desculparia apenas por ter dado um beijo nela, quando na verdade ela também retribuíra sem o menor esforço? Pensando bem, ela não exigira desculpas, não quando na verdade, ela gostara de tudo que havia acontecido.

A verdade é que Aach poderia ser cheia de cultura e mistérios seculares, mas havia poucas pessoas jovens por aqui, tanto que a escola onde dava aula só tinha salas pequenas. A maioria da população era formada por pessoas idosas e ela nunca reclamou realmente por ser assim, por que ela nunca precisou ter uma vida social ampla naquele local. Mesmo não querendo sair da cidade, ela sabia que um dia teria que abandonar Aach já que ela não tinha futuro ali.

E quando tudo parecia monótono, ela havia recebido a ligação de Gustav de que ele viria morar com ela. Por um momento pensou que as coisas mudariam um pouco na companhia do primo e agora ela se surpreende por ter passado mais tempo com Bill do que com ele. Antes ela não dava a mínima para os outros da banda, eram apenas amigos, mas agora lá estava um dos integrantes despertando algo nela que nunca havia acontecido antes.

Não sabia ao certo quando aquele sentimento de repente surgira, antes ele era vago, como uma neblina encobrindo um farol. Agora tudo parecia tão claro, como se o beijo despertasse algo nela, como se a luz do farol agora rasgasse a névoa com suas garras cintilantes, tentando atingir algo. E ela fora atingida. Ela sabia que gostava dele, mas será que era tanto quanto imaginava? Ou não passava de um sentimento efêmero?

Biene podia entender muito bem sobre história e saber decorar datas e acontecimentos facilmente. Mas quando se tratava de amor, mal sabia como devia proceder. Queria saber desesperadamente o que fazer, apenas o que dizer caso o visse por aí. Só que ela tinha certeza de que nenhuma palavra no mundo conseguiria expressar o que sentia, afinal havia um turbilhão de emoções confusas dentro de si. Não era ruim, na verdade era uma sensação boa, como se alguém fizesse cócegas em sua barriga para fazer brotar um sorriso em seu rosto.

E ela estava sorrindo. Sentada ali, no chão de assoalho frio, ela sorria. Talvez a coisa emocionante que esperasse fosse algo como uma invasão alienígena, mas agora a única invasão que acontecera foi aquele beijo que conseguira se infiltrar no seu âmago. E ela não ia reclamar quanto a isso. Não mesmo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!