Utopia escrita por dastysama


Capítulo 23
Capítulo 23 - O Encontro dos Dois Mundos




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O quadro estava em suas mãos e ele olhava atentamente para os detalhes. Desde que o comprara, já estava acostumado a pegá-lo nas horas vagas só para poder dar uma olhada, como se precisasse se certificar que a pintura estava intacta. Mas ele tomava o máximo cuidado para que ninguém descobrisse o quadro, principalmente seu pai que sempre fora rígido.

Ele sabia que precisava esquecer Johanna, ainda mais quando seu orgulho gritava fremente que ele era um duque enquanto a jovem era uma pseudo-meretriz. Os dois não tinham nenhum futuro, não que Will pensasse em um futuro para os dois, ele apenas queria confrontar a realidade. Ele também queria poder ajudá-la de alguma forma, mas sabia que ela odiaria qualquer auxílio vindo dele.

Pela primeira vez na vida, ele não sabia o porquê de suas atitudes. Suas ideologias se confrontavam dentro de si, brigando constantemente com suas ações precipitadas. Will não conseguia mais se concentrar nem no seu trabalho, o tempo todo, sua mente vagava pelas ruas estreitas de Aach até chegar ao cabaré, onde só via o rosto de uma mulher, aquela que estava no quadro escondido, em seu guarda-roupa.

Mas naquele dia ele havia decidido fazer algo diferente, algo que não fazia há anos por causa da tristeza que sentia dentro de si. Ou na verdade por que seu pai o mandara esquecer, por que ele nunca iria seguir em frente se não se esquecesse de um passado que ainda era apegado firmemente. Só que ele precisava de um lugar onde poderia pensar, um lugar onde ele sempre encontrara refúgio quando precisava ficar só.

Na pequena cidade de Aach havia uma igreja Luterana, não era muito grande, afinal não tinha necessidade de abrigar muitas pessoas já que a população era muito pequena. Ela era toda branca, apenas com uma torre com clara-bóia e vitrais, onde havia um sino que só tocava em finais de missas. Will sabia que havia ali alguns quartos na igreja, onde abrigava monges e padres, além das pessoas que a igreja geralmente ajudava, dando abrigo.

Na parte de trás da igreja, havia o cemitério, era lá que Will passava a maior parte do tempo antigamente, desde que sua mãe morrera há anos. Ele nunca fora a igreja também desde a morte da mãe, aos poucos ele foi desacreditando em qualquer coisa divina e se Deus não parecia ligar para ele, ele também não dava a mínima para Deus.

As portas da igreja estavam abertas como o de costume, mas com uma grande quantidade de velas acessas, talvez mais para aquecer o lugar do que para rezar. O lugar estava extremamente vazio e Will achava que era melhor assim, afinal sua vontade mesmo era cortar caminho pela igreja para chegar ao cemitério. Mas era estranho estar na igreja, aquele lugar mórbido e sombrio ao mesmo tempo, ele já havia se esquecido de como era estar em um lugar sagrado como aquele.

Ele atravessou o corredor central, enquanto seus sapatos faziam barulhos conforme se chocava com as lajotas de pedra. Isso foi o suficiente para fazer uma sombra se mexer em um canto escuro da igreja, o que chamou a atenção de Will. Perto das velas, havia alguém as acendendo, mas o rosto da pessoa estava obstruído pela escuridão, onde as luzes das velas não podiam alcançar.

– Desculpe por assustá-lo – Will disse colocando suas mãos no bolso do terno – Apenas vou cortar caminho para ir até o cemitério. Serei breve.

– Não precisa se importar, Senhor Baumgärtner. Desde que não esteja me perseguindo novamente – a voz da pessoa mais que conhecida logo fez jus a sua imagem quando das sombras Johanna apareceu. Ela tinha os cabelos pretos preso em um coque e vestia um casaco de pelica sobre o vestido branco, enquanto segurava em sua mão um fósforo.

– Johanna? O que faz aqui? – Will exclamou realmente atônito.

– Sei que segundo a opinião de muitas pessoas, sou indigna de estar em solo sagrado, mas convivi na igreja desde pequena, não posso simplesmente abandoná-la – ela disse acendendo outro fósforo com bastante habilidade já que aquilo geralmente era bastante inflamável, e voltando a acender algumas velas – E por que você está aqui?

– Já falei – ele disse secamente, percebendo que ela estava sendo tão insolente quanto sempre fora – Vou ao cemitério. Não é minha culpa que justamente hoje, você decidira vir também à igreja.

– Aqui é minha segunda casa. Quando meus pais morreram, meu irmão e eu fomos acolhidos pela igreja, eles nos deram não só abrigo, como comida e também uma educação privilegiada. Agora não podemos mais viver da ajuda deles, queremos seguir com nossa própria vida, mas sempre que posso, venho aqui para ajudá-los com algo.

– Talvez a igreja não seja minha segunda casa, mas o cemitério sim. Passei a maior parte da minha vida dele, ao lado do túmulo da minha mãe. Agora vou lá raramente, mas às vezes é um bom lugar para pensar.

– Você gostava muito de sua mãe, não é mesmo? – Johanna perguntou apagando o fósforo e se virando para ver o rosto de Will – Sei que é uma pergunta tola, mas você a perdeu quando era mais jovem. Digo isso por que perdi meus pais quando tinha por volta dos oitos anos e muitas vezes eu acabo me esquecendo deles, mesmo não querendo.

– Claro, eu nunca poderia esquecê-la – ele disse ultrajado – Ela era tudo para mim, tudo que meu pai e meu irmão nunca foram e nunca vão ser. Sei que passei muito pouco tempo ao lado dela, mas foi o suficiente para que nunca fosse esquecida por mim.

– Desculpe por minha insolência – ela disse o olhando piedosamente – Por mais que sejamos de mundos diferentes, passamos um pouco pelas mesmas coisas. Acho que a dor e a tristeza são algo que todas as pessoas têm, independente de que classe social seja.

Will não disse nada, apenas ficou fitando seus próprios sapatos. Era estranho conversar com uma garota mais nova que ele de igual para igual, ainda mais quando ela falava como se soubesse de tudo. Era como estar na frente de sua própria mãe, parecia mais um sermão dela, tentando fazê-lo não virar um tirano como aconteceu com seu pai e seu irmão.

– E obrigada também, por ter me protegido aquele dia no mercado – ela disse apertando suas mãos em desconforto – Mas não faça mais isso, posso me proteger e você corre o risco de sujar sua própria reputação.

– Como se você se importasse com minha reputação – ele disse debochadamente.

– Não dou à mínima. Mas você se preocupa com ela, afinal com o que mais se preocuparia?

– Com você – ele disse de repente, antes que pudesse cerrar os seus lábios. Aquelas palavras astuciosas e escorregadias conseguiram sair sem muito esforço, antes mesmo que o cérebro mandasse a informação que aquilo devia ser calado.

A expressão de Johanna era pura surpresa, seus olhos se arregalaram e ela ficou petrificada sem saber o que dizer. Will abandonou o seu posto no meio do corredor e atravessando os bancos de madeira, foi até onde Johanna estava, perto das velas que tremeluziam com suas chamas sombrias.

– Sinceramente, Senhor Baumgärtner, você está se sentindo bem? – ela perguntou, talvez pensando que ele estivesse maluco ou quem sabe bêbado. Só isso poderia fazê-lo dizer algo como aquilo.

– Por que eu não estaria? – ele disse com seus olhos brilhando intensamente, levantando o rosto dela com o polegar, acariciando seu rosto para que os olhos dela fitassem o seu.

Então os lábios deles finalmente conseguiram realizar o seu desejo quando tocaram os dela. Era o gosto que imaginava ter, doce e suave como uma manhã quente. Para a sua surpresa, ela não o empurrou nem decidiu dá-lhe um tapa como já imaginava. Johanna apenas pousou suas mãos no peito de Will, enquanto ele passava seus braços em volta dela, tentando aprofundar o beijo.

Agora ele sabia, mesmo que ele lutasse para dizer que não. Ele, William Baumgärtner, Duque de Aach, havia se apaixonado perdidamente por uma jovem meretriz. Naquele momento, não importava se estavam em uma igreja, se alguém pudesse ver aquela cena e contar para o pai dele. Nada realmente importava, desde que a tivesse em seus braços mais e mais vezes.

Sempre fora contra o romantismo, mas lá estava ele como um simples vassalo, dependendo do amor de sua suserana. E a garota nem ao menos tentava se separar dele, ela o deixava provar-lhe os lábios com tamanho desejo, enquanto Will a empurrava de encontro à superfície gélida da igreja, passando suas mãos em volta de sua cintura.

Então um dos candelabros com velas caiu no chão, fazendo um enorme estrondo. Foi o máximo para que Johanna o empurrasse, seu rosto pálido agora estava totalmente vermelho e lábios mais rosados do que nunca, fazendo Will querer voltar a senti-los novamente. Mas ele não pode fazer isso, por que ela lhe deu um tapa em seu rosto, o olhando estupefato, enquanto saía da igreja, tentando arrumar seu casaco de pelica.


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