Ars Olins, estado de guerra escrita por MT


Capítulo 6
Capítulo 3° — Ademir não é um cozinheiro




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Nefertari - meia mutasaliq

 

 

— Em alguns lugares, v-veja bem, pessoas trocam parte de si por estruturas mecânicas complexas, seja um… um órgão ou um braço, e existe, sabe, uma forte iniciativa para viagens espaciais — disse com a voz arrastada e soltou um soluço. — a maior parte das favelas poderia ser comparada aos bairros de classe média de três d-décadas atrás — pois o gargalo na boca e fez descer mais do líquido alcoólico. Gélido e queimava ao percorrer a garganta. Baixou a garrafa e limpou a umidade da boca com as costas do punho, então apontou para a menina a frente com o indicador. — e agora, olhe t-também — soluço, as pálpebras pesavam e sentia a língua consideravelmente dormente. — se encarar os hospitais das su-super po-po-potências irá vê quase todos com… com… ah! Com salas vazias por causa da nanotecnologia que a B-BioforLiiiife desenvolveu para a medicina faz, sei lá… uns treze anos? Oh! E o transporte para a parcela rica da sociedade, os burguês safrado, e uns outros que fazem cortes no orçamento capazes de os deixar até sem comer, são carros voadores! Para viagens nacionais… e até i-internacionais de acordo com o Clarim Mundial! Sabe? A reportagem que apontou três vezes em que fronteiras foram transpostas por veículos privados cujo dono pagou um funcionário da fiscalização do espaço aéreo. Claro que… que o sujeito lá, o pobre, foi demitido e o riquíssimo empresário agrícola Sérgio Berrante, o matador de onça, não recebeu qualquer repercussão por incentivar a corrupção além de pagar uns trocados a-ao país lá, ééé… Cubatão. Um milhão, mas para o matador de onça isso aí é dinheiro de limpar bunda — bebeu outro gole da garrafa de whiskey. Amargo. — Entende o que quero dizer, pirralha? Lentamente, as coisas estão melhorando, yay!

— Tia, só me devolve a bola — a criança, com desgosto estampado na face e estendendo a mão. 

Hum? Ah. Agarrou a esfera que prendera entre as pernas e atirou para a garota. Ela pegou e voltou correndo para o grupo de crianças na quadra da praça. Estavam no topo da montanha Seth, uma das treze que circundavam Ozymandias, que é um deserto marcado por pirâmides fazendo o papel de apartamentos, ao invés de tumbas funerárias, e a pender a três metros do solo conectadas umas as outras por pontes com um sistema de transporte de trilho magnético para bondes e trens. Essas estradas faziam curvas acima, esquerda, direita e abaixo, como uma montanha russa. Mas ainda assim são retas até nos pontos em que se inclinam aos céus ou a terra, bem organizadas e olhar para elas não te faz pensar em uma tigela de macarrão liso misturado de qualquer jeito

Estava na frente de um restaurante e a dianteira pairava uma praça e além dela, uns sete metros, uma queda direta ao mar. Alguém poderia dizer que há certa crueldade em por um local para crianças perto de um precipício. Bebeu mais da garrafa e ela secou, fez uma careta. E outra pessoa poderia dizer que não é uma queda direta, há irregularidades na lateral da montanha onde a criança se esborracharia antes de chegar a trinta e três metros da água. Teria rido, mas a bebida acabara e isso significava que logo iria lembrar que foi demitida da força militar responsável por vigiar a dianteira de Seth com um sistema altamente avançado que mistura o auge da tecnologia e da programação através de magia para destroçar qualquer coisa que se aproxime sem permissão e não ultrapassasse a velocidade mach nove. Eu amava meu emprego, gritar com os de baixa patente para checarem os dados do espaço a frente que meia dúzia de super IA´s já fazia só para vê-los choramingar dava a minha vida um toque quase divertido. Oh, e a máquina de achocolatado. Meu deus, eu amava aquela coisa

— Ei, tem clientes lá dentro, Nerf, era para você ajudar.

Os olhos foram a cima e direita. Oh, papai. Ele era gordo, com tufos de cabelo castanho as laterais e retaguarda da nuca e um espaço vago acima, trajava vestes brancas sob um avental negro com a pimenta simbolo do restaurante ao centro.

— Por Rá! Isso é uma garrafa de Whiskey Monte Belo! Pelo amor de deus, não pode assaltar a adega, filha! 

Nerf soluçou e desviou o olhar ao chão. Estava na borda da varanda que dava a rua e com os pés calçados tocando o pavimento.

— Mas papai, eu tô triste, eu… eu precisava disso como se fosse água em uma aula de crossfit! Não, espera — ela ergueu a palma na direção do pai. — Posso fazer melhor! Um, dois, três e… como se fosse pornô para um virgem adolescente! Não, ainda dá para melhorar! Éééé…. como se fosse matar para aquela doidinha irmã do rei de Marte!

O sujeito esfregou o rosto e soltou o ar pela boca.

— Só não incomode os clientes, tá bom, filha?

— Ok, papai. E-eu sou uma boa garota — soluçou e caiu para esquerda com um baque surdo.  — Só vou planejar invadir meu antigo local de trabalho e… e resgatar meu amor! 

O pai dela voltou para dentro do restaurante soltando um ´´certo, certo, papai tem orgulho de você``. Mas eu não acho que ele tenha… tipo eu sou uma desempregada, bêbada e apaixonada por um eletrodoméstico que nunca irá corresponder meus sentimentos

Se eu soubesse que acabaria assim, não teria disparado treze vezes só para acertar treze passáros. Fiz aquilo para testar o sistema com um alvo em movimento ao invés de só atirar no mar, como eu ia saber que eram os malditos bichos de estimação da Cleópatra? Aquela vadia gorda devia arranjar uns animais mais caseiros… tipo os maridos gostosos dela. Nerf riu e agarrou a garrafa e parou. Vazia e fria. Os lábios bambearam e lágrimas subiram aos olhos. Maldição!

 

A luz do dia seguinte atravessou as frestas da janela do quarto dela. Nerf bocejou e atirou a coberta para o lado. A mão foi ao criado mudo a direita, tateou a madeira por sete segundos. Parou. Eu joguei o despertador no mar. Pôs-se sentada na cama e removeu os fios negros de sobre os olhos com as costas do punho. 

Meu pai deve ter me posto no quarto. De novo… bom, pelo menos dessa vez eu não estava no terceiro andar de Seth dividindo uma parede com um velho amante de tomates. Ponto para mim, yay! Ergueu um punho ao alto. Deslizou para fora da cama, abriu a janela e foi acertada por um lufada gélida de ar que fedia a mato. A região superior da montanha possuía verde plantado em canteiros nas suas sete praças, ao redor do aeroporto e em pequenos, médios e grandes jarros a frente de estabelecimentos comerciais e de três em três metros na calçada das ruas. Os andares abaixo, cavados na pedra e preenchidos por prédios cobertos por hologramas montados nas paredes e por estradas com esteiras rolantes, além de uma pista para veículos flutuantes(skates, carros, motos e outros do gênero), eram progressivamente, de cima abaixo, dotados de um pequeno para nulo nível de vegetação. As estruturas externas e laterais da montanha haviam sido moldadas para esconder armamento e o térreo era o centro nervoso desse poderio.

Até que sinto falta do cheiro de terra, metal e pessoas se preparando para uma guerra que talvez nunca venha porque, mesmo que ninguém tenha coragem de dizer, ou, melhor parafraseando, ninguém tenha o desejo por ter um assassino enviado ao seu quarto a noite, Nictoris tem medo de Ars Olins. Ela pensa que a doidinha de Marte vai começar uma guerra. E que se o fizesse, teria chance de vencer. Primeiro havia as armas nucleares, então os sistemas de ataque capazes de acertar e destroçar quase todo tipo de resistência exceto matéria escura, a trinta e três quilômetros de distância. Existiam satélites que com um tiro poderiam fazer treze quilômetros quadrados sumirem e eram aptos a fazê-lo em intervalos de seis horas. Uma guerra entre superpotências seria o apocalipse. Mesmo se Ars for louca o bastante para isso, o irmão dela e rei é diferente. No máximo ocorreriam disputas entre tropas em algum buraco longe de suas terras, apoio de lados divergentes em certa disputa ou ameaças vazias. Oh, claro, também a corrida espacial, tecnológica e disputa pelo mercado mundial.  

Um dos sonhos de Nerf era rir da cara da cleópatra na cara da cleópatra. E atirar uma torta de creme no rosto dela.

E dar uns amassos nos cônjuges que mantém em sua corte. Para quê uma pessoa precisa de tantos? Tá fazendo coleção de todos os modelos de

Tremeu. Vestia uma blusa sem mangas. Seu pai tirou-lhe o casaco que usava ontem à noite. Ugh, só aguentei três minutos disso. Fechou a janela. Bom, bora começar o dia. Foi para o espaço à frente da borda inferior da cama, se abaixou e começou a fazer flexões. Havia tido a nanotecnologia da BioforLife instalada em si, ressaca era coisa do passado. 

´´Homens preferem mulheres gordinhas em Ozymandias``. ´´Você deveria parar de se exercitar tanto``. Posso ter tido a maior parte dos meus relacionamentos com estrangeiros, mas subi alto no ramo que escolhi, ganhei dinheiro, adquiri medalhas quando participei de uma campanha do outro lado do mundo e vi todo tipo de gore perturbador que faria um aficionado por terror vomitar as tripas fora. ´´É, mas foi demitida, né?``. Atingiu o chão. Praguejou sob a dor no queixo e girou de um lado ao outro até que ela diminuiu. Parou de barriga para cima.  

O que vou fazer agora

Soltou o ar pela boca ruidosamente e pôs-se a executar abdominais. 

Pensara em virar mercenária ou se unir a força militar da ONU, mas Ozymandias não é do tipo que deixa alguém com informações delicadas tomar partido de outras nações, grupos ou indivíduos. Não posso nem mesmo sair país como o ´´não seria saudável deixar Ozymandias, capitã Nefertari`` teve intenção de me lembrar, ignorando que eu mesma já havia enviado soldados para apagar antigos servidores do exército que sabiam demais para serem deixados nas mãos de potenciais inimigos.

Então, restaurante da família? Ganhar peso para atrair o olhar de algum conterrâneo e fingir não estar com extrema raiva do desperdício de quinze anos de treino e aperfeiçoamento? Soa como um pesadelo disfarçado de sonho

Bom, ainda é melhor do que um pesadelo puro.

Meia hora depois o som de punho contra a porta soou. 

— Um minuto — ela, pondo-se de pé e esfregando parte do suor para fora do rosto. Foi à entrada do quarto e a abriu. — Oi, pai.

— Vamos abrir em meia hora. Tome banho, coma algo e quando terminar se apresente ao serviço, filha. 

A mão foi reta e lateralizada para a frente da testa.

— Sim, senhor! — então riu e o homem também antes de ir.

 

Passou o dia anotando e repassando pedidos, entregando-os, retornando e trazendo utensílios e, com um sorriso desnecessariamente largo, aceitando gorjetas. Embora com o que ganhei na carreira militar eu meio que seja rica. O lugar fedia a caldos de carnes variadas, mesclado ao ligeiro calor trazido pelos vinte graus selecionados no ar condicionado. O assoalho tinha o formato triangular com base na entrada e ponta na porta três metros após o balcão onde hologramas dos pratos disponíveis, o tempo médio de preparo e o preço deles, pendia, a partir dali outra estrutura triangular que continha a cozinha e metade do andar superior se estendia dando ao edifício a figura de uma ampulheta. O espaço interno era amplo, doze mesas estavam dentro e seis na varanda.

— Boa tarde, senhor, algum pedido em mente? — para o sujeito que sentara-se na mais próxima ao balcão pela fileira esquerda.

As íris azuis do elfo subiram rumo a Nerf. Ele tinha a pele branca com barba loira curta nas bordas do maxilar e um bigode, o cabelo era penteado para trás e ligeiramente bagunçado e tinha o físico magro e atlético. Olha, ele é bonitinho.  

— O-olá, linda… d-digo, hum-hum, olá, o que recomenda? — o elfo.

Tá ok, o cara deve ser estrangeiro. Sorriu largamente. Excelente.

— Olha, eu recomendaria o hamaam — se pondo a direita dele, estendendo o tronco a frente até terem os rostos na mesma altura e erguendo o cardápio a dianteira de ambos. O elfo emitia o odor de capuccino achocolatado. Ah, amo esse cheiro! — Embora mais como uma afronta a amada ditadora de nossa querida Ozymandias e seu amor por aves do que pelo fato de ser uma iguaria notável. Porém, é muito boa e meu expediente, como filha do proprietário e amável dona de uma grande soma de dinheiro, termina a qualquer momento em que assim eu decida, então… me faça um favor e eu te faço o favor da minha adorável companhia. O que me diz? 

— Hamaam —  ele.

— Hamaam! — e girou rumo a cozinha com o cardápio à frente do peito e um curto saltitar.  

No topo de Seth as estruturas eram retrô, com pistas para veículos que friccionam seus pneus contra o chão, calçadas imóveis e edifícios pintados usando tinta ou cobertos com azulejos. Haviam trezentas construções, sendo cento e cinquenta domiciliares, setenta de comércios variados, trinta centros esportivos, contando também os voltados a videogames, e cinquenta de indústrias de manufatura de roupas à engrenagens. Levou o elfo a duas ruas e uma igreja a sudoeste do restaurante do pai, ao Grande Museu dos Filmes, um prédio de borda superior circular, paredes pichadas com personagens da cultura pop e uma porta dupla que tocava a música tema do pai do Luque Caminhador dos Céus ao ser atravessada. Nerf segurava a mão do elfo, Ademir, equanto emergiam para dentro do estabelecimento. Cartazes de produções cinematográficas estavam acima de portas ladeadas pelo holograma de um personagem da obra e o ar era marcado pelo fedor de pipoca amanteigada. Ela soltou o homem e o encarou.

— Pode escolher.

Ademir coçou a bochecha com o indicador e os olhos foram a esquerda.

— Eu meio que… queria te conhecer e conversar. 

Ah

Nerf corou.

Faz sentido.

As mãos foram para trás das costas, entrelaçaram-se e um dos pés deslizou para retaguarda, ficando à traseira do outro. O rosto pendeu para baixo.

Ah, fui uma idiota. Será que pega mal ir embora e fingir que nada aconteceu? Esse não é o único estrangeiro do mundo, sempre posso começar outra vez com outro cara gato de um país tão tão distante. Suor a marcou o rosto.

— Haha, claro, claro. Éééé… então, vamos indo? — Nerf murmurou e apontou a saída com o punho aberto.

O levou a borda da montanha, sentou com as pernas pendendo sobre o céu e bateu no chão ao lado de si. Ele pôs a bunda na grama, o cabelo balançando e olhos estreitando-se sob a brisa gélida. Ademir riu, abriu os braços e deitou as costas no chão. Nerf sorriu.

— Primeira vez nas alturas, elfo?

As pálpebras dele baixaram.

— Fora de um veículo fechado, sim. 

— Piloto?

— Não. E você, garçonete?

Ela ergueu o braço à lateral e o flexionou. 

— Com uma gracinha dessas? Sinto dizer que as bandejas não são tão pesadas.

— Pode ser porque frequenta academia.

— Quem sabe. E vossa pessoa, o que faz da vida além de seduzir donzelas plenamente capazes de se defender como eu?

Ademir riu e um calor agradável passeou pelo tronco dela. Tão lindinho.

— Sou cozinheiro, filho de cozinheira e neto de outro. 

— Tentando mostrar seu currículo para a filha de um dono de restaurante? Movimento ousado sabendo que posso achar que está tentando me usar para arranjar trampo.

— Talvez — a íris azul encarou a de Nerf. — Você gosta desse país?

O abdômen da mulher contraiu.

— Bom, é pacífico e tem de quase tudo.

— Hmmm… ouvi que Nictoris é uma soberana cruel.

— Certamente não é uma concorrente ao Nobel da paz.

— Entendo… você é do tipo que ficaria feliz sem ter ela no poder? 

Como é as conversa…? Papinho de revolucionário da porra…

Deu de ombros.

— Claro, por quê não? 


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Notas finais do capítulo

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