Ars Olins, estado de guerra escrita por MT
Notas iniciais do capítulo
42
O garçom serve duas taças de champanhe e recua com a garrafa em mãos.
— Deixo na mesa? — encara-os, a mão treme levemente e uma gota de suor frio o desce as costas do pescoço.
A mulher, Nars, terceira filha do antigo rei de Marte, tinha cabelos e olhos rubros, na garganta trazia uma joia cinzenta atada em um cordão de ouro. O rosto do homem com quem dividia a mesa era marcado por uma longa queimadura mal cicatrizada no lado esquerdo e íris vermelho rubi.
Silêncio. A mulher levanta e suas mãos atingem ruidosamente a mesa redonda, amassando a toalha branca com aberturas quadrangulares nas bordas por onde se via a madeira negra abaixo. O conteúdo das taças de vidro balançaram e uma gota respingou no tecido.
— Qual a sua resposta? - ela para sua companhia, então o olho fitou o funcionário do estabelecimento de esguelha, semicerrado, e a ponta do lábio pendeu levemente para baixo. O garçom se afastou e o encarar dela tornou ao homem na mesa. - Ars está começando uma guerra! Na verdade ela já começou! Faça alguma coisa!
As pálpebras do homem baixaram, subiram, e ele encontrou o rubro dela com o próprio.
— Ela é adulta - Antares, rei de Marte, respondeu em tom frio. Ele soltou o ar pela boca, suavizou a tensão na testa, timbre e nariz. Sorriu. - E me surpreende que também o seja. Seus peitos cresceram ou é enchimento?
Uma veia formou-se na têmpora da mulher e os punhos fecharam sobre a mesa.
— Um quarto do mundo perdeu todas as suas formas de vida e você quer arriscar atrair a ira de quem quer que tenha feito isso?!
— Hers disse… - o rei começou e a mulher parou. Um vento gélido atravessou a janela do restaurante e passeou pelas mesas vazias além da deles, por suas peles e cabelos. A lua alta no céu por um momento pareceu prender o brilho dentro de si. - ´´A causa do décimo terceiro mistério terminou por mais tempo do que você e sua prole viverão``.
Ela fez uma careta de desagrado. O colar com a jóia ́ ́espelho``, cuja cor seguia-lhe o humor, passeou entre negro, vermelho e cinza até fincar-se num rubro sombrio. Ela cruzou os braços sobre a camisa vermelha e blazer negro. Girou a direita, rumo a cidade janela a fora. Luzes de postes pendiam sete metros abaixo e o cheiro de eucalipto produzido artificialmente por aromatizantes chegava até ali suavemente. Nars piscou devagar, puxando o ar de modo profundo, tentando não pensar no quão longe o irmão estava indo para deixar a irmã maluca ir à guerra… de novo. Mordeu o canto da boca para segurar uma série de xingamentos para dentro. Casas de porte médio erguiam-se por sete ruas antes dos primeiros arranha céus.
Hers não falava, os ouvidos haviam apodrecido aos três anos e os olhos terminado de degenerar aos treze. Era preciso alimentá-lo com papas, limpar seus dejetos, dar banho e arrastar sua carcaça ossuda para onde quer que fosse preciso. Ele era o primogênito do rei anterior, Kars, então foi mantido vivo. E aos quinze avisara dos explosivos colocados no salão de audiências. O rei Kars mandou vasculhar o local. As bombas foram encontradas. O monarca de Marte, sua família e empregados, mais cem dos ceos das maiores empresas nacionais viram-se livre do que teria sido suas mortes.
Hers foi levado ao laboratório para estudos e ninguém além dos pesquisadores, e Antares em busca de previsões, o vira nos quinze anos após sua internação. Boatos diziam que a habilidade especial dele era vislumbrar o futuro, o primeiro a ter essa capacidade confirmada como algo além de trabalho de adivinhação de cartas e outros truques enganosos.
— Por que pega tão leve com Ars? - disse por fim. - Consultou até Hers só para deixá-la fazer como bem entendesse.
Antares suspirou.
— Eu a coloquei no comando do exército. Isso significa que decidi confiar em suas decisões, mesmo que uma delas seja guerra.
Nars o encarou de canto, face ainda rumo a janela.
— Não, é assim desde que éramos crianças. Você a tirou do contendor dos instáveis da família. A deu seu nome e quase matou a todos nós deixando que ela vivesse no palácio. Convenceu papai e mamãe a permitirem aquela bomba em casa… e continuou cobrindo as tolices perigosas dela até hoje. A entregou Alfred… ele era mais um pai para mim que nosso pai!
Antares bebeu o vinho na taça, ergueu o indicador e o anelar, o sinal para que o garçom trouxesse as sobremesas, então fechou os olhos. O restaurante fedia a café, café o fazia lembrar de quando ele jogava jogos de tabuleiro com Ars após um longo dia lidando com políticos e cidadãos cheios de queixas. Tomávamos várias xícaras porque sem eu não continuaria acordado.
— Pensei que fossem amigas - ele.
Um assobio nervoso escapou de Nars. Os dedos dos pés subiram e desceram, os das mãos tamborilharam sobre os antebraços.
— Eu não… odeio Ars - respondeu. - Ela nunca foi intencional ou diretamente má para mim. Geralmente o contrário. Mas…
— Ars é perigosa. Eu sei. A queimadura no meu rosto e metade do tronco não deveria permitir que creia que não.
A irmã do rei se sentou. Dois pudins de frutas vermelhas foram deixados na mesa. Ela deu uma colherada daqui, Antares deu uma de lá. Era frio e doce e gelatinoso.
— E se ela perder? O que será de Marte? - falou a duas levas do fim do doce.
— Não irá. Estou preparando todo suporte necessário e Xizih foi convencer seus irmãos a ceder parte do conhecimento do seu povo. Se com isso descobrirmos a impossibilidade de vitória… - a mão tensionou, pairando a meio caminho de fechar. - Eu mesmo paro Ars e…
´´Se tarde demais para um recuo pacifico frente aos demais países, a taxo como uma rebelde que agiu por conta própria`` deixou por dizer. Os músculos enrijeceram, o ar entrou-lhe num fio curto e lento.
Faço mesmo?
— Você faz mesmo? - Nars, a colher parada sobre o pudim.
Antares a fitou.
— Não questione seu irmão mais velho - com um sorriso e tom leve. - Que feio.
Ela soltou a colher e cruzou os braços.
— Responda - insistiu.
O sorriso de Antares morreu. A íris da metade queimada da face soou um grau mais vivido.
— Não questione seu rei.
Ele vestia um sobretudo negro, sobre camisa e calças negras. A pedra no anel indicador era sombria como o próprio Thanatos. Não soava a um rei. Eram as roupas que usava para andar pelas ruas, não o carmim e branco e amarelo para reuniões, aparições televisivas e eventos públicos.
— Então quem devo questionar?
Antares tornou a comer.
Nars perguntou mais três vezes.
O pudim acabou. O rei se retirou e quando não pairava mais o som dos passos dele ao alcance dos ouvidos dela, Nars o xingou em tom alto.
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Ars Olins - imperium ignis
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— Meus caros galeses! O diabo anda entre nós! Abram seus olhos, atentem os ouvidos! Ele tem longas mentiras e longas orelhas! — bradou atrás da bancada de madeira larga. Luzes de câmeras piscavam do piso abaixo, vindos de tablets, câmeras e das lâmpadas acopladas ao chão diante do estrado. — Erwin nega-se a ouvir nossos caros ministros! Nega-se a ajoelhar e mamar o poderio de Marte!
Vanderlei mimicou um tossido com o punho fechado a frente da boca. A íris rubra de Ars o encontrou. Oh, droga. Sentou-se na cadeira, ´´hum-hum`` soltou para relaxar a garganta.
— Erwin Smith é um traidor de seu país e um terrorista. Afundou as embarcações de Gales quando ouviu que se submeteram a Marte e terá de responder por isso. — continuou, timbre austero, as pernas cruzadas e as mãos entrelaçadas sobre o joelho. — Qualquer informação de seu paradeiro será generosamente recompensada.
A imprensa perguntou sobre o ocorrido e sobre o incidente da boate Beijo que pegou fogo. Vanderlei e Nazaré assumiram o palco. Ars fechou os olhos e manteve a boca quieta, havia concordado em manter-se assim caso recebesse o sinal do ´´tossir`` que indicava estar sendo canastrona.
— E então? - Alfred perguntou no quarto emprestado do primeiro ministro vinte minutos depois que as entrevistas terminaram, três segundos após ela adentrar o cômodo.
Ars bufou. Tirou o sobretudo e o jogou para trás, Nao o segurou com mãos nervosas e rapidamente começou a dobrá-lo.
— Era uma transmissão ao vivo de um membro da realeza de Marte. Se algum país não houver posto os olhos nisto, esse não vale o esforço do estratagema - caminhou a cadeira à frente de uma escrivaninha. Alfred depositou uma xícara com café na mesa. - O problema mesmo, o que importa mesmo, é saber como será visto. Vão acreditar? Vão chamar de farsa? Ficarão em um meio termo cauteloso?
— Acho que foi excelente, vossa alteza - Nao comentou do outro lado do aposento, a peça de roupa sendo depositada em uma mesa larga de quartzo.
O semblante de Ars tencionou.
— Não sou rainha, Nao. É incômodo ser chamada assim - disse em tom neutro.
— Sim, sim vo… comandante Ars.
Virou o rosto de lado. O rubro encarou o jovem magro e baixo sob a pesada farda militar escura.
— Ars é o bastante para quando estivermos aqui. Comandante lá fora.
Alfred fincara-se no batente da passagem à varanda com ventos frios a balançarem-lhe o blazer.
— Acreditaria se estivesse no lugar deles, senhorita? - o mordomo.
Ars fechou os olhos, os dedos pairavam ao redor da asa da xícara e o odor de cafeína subia junto a tênue vapor.
— Navios galeses e de Marte foram destruídos. Erwin Smith tem no geral um perfil patriota por conta de ações pró Galês… - tomou um gole da bebida, a língua deslizou pelo líquido devagar, calor e amargo acordando-a um pouco mais antes de descer garganta abaixo. - O sujeito realizou ações realmente custosas. Trabalho braçal, a crise do ´´Hades`` semanas atrás, acordos com países próximos… só de imaginar me dá dor de cabeça. Boa parte disso foi feita por ele apenas, Gales era um ninho de reis que divergiam e brigavam… e agora seu recém estabilizado país se ajoelha a outro? No lugar dele raiva seria uma palavra fofa para meu estado.
— Mas? - Alfred.
Ars inspirou fundo e soltou o ar pela boca.
— Eu não passei despercebida. Em minhas investidas anteriores, em guerras menores contra criminosos e países que ergueram o queixo alto demais, usei do artifício das falsas informações. Eu não confiaria em mim nem fodendo — bebeu mais um pouco, abriu os olhos, lábios tomados por torção de desgosto. — Provavelmente esse estratagema falhará e usarão Erwin como meio de repassar informação conveniente a eles para nos atrapalhar… merda, Nic certamente fará isso, não é estúpida apesar de se esforçar muito para parecer… Nao, reúna o conselho, precisamos repensar o plano de infiltração.
Alfred a encarava com as pálpebras semicerradas. Ars soltou o ar pela boca e virou o rosto para o outro lado.
— Peço perdão pelo palavrão… mas eu já sou adulta, já fo… já tive coito. Meu vocabulário deveria poder englobar toda e qualquer palavra.
Alfred bufou.
— Uma pessoa da sua posição deve manter a compostura, senhorita.
Ars revirou os olhos e descansou a bochecha sobre o punho. Que seja.
O grupo de comandantes chegou trinta minutos depois. Ludmilo, Pérircles, Valesca e Chique Chique.
— Sobre o marketing? — antes que terminassem de atravessar o batente.
— Atualizado, digníssima. Imaginei que precisaria depois de… bem — Ludmilo gesticulou com a mão para Ars. Merda, minha atuação para as câmeras foi mesmo tão má? — Enfim, decidi mostrar aos repórteres os planos para construção de foguetes e uma breve amostra da ideia para nossa primeira nave do jeitinho que funciona em histórias de ficção científica. Obviamente matéria escura é o material principal para realizar essas produções.
Porra, ele é bom. Ars bateu duas palmas.
— E o equipmento? Precisamos mostrar algum trabalho braçal. Chique? — ela, fitando a anã com cabelo black power e óculos escuros.
— Irei providenciar, sir — e dobrou-se numa reverência.
— Pérircles — Ars.
O sujeito magro e com pesadas olheiras acenou positivamente antes de abrir a boca.
— Ô-ô-ô-os submarinos já foram posicionados ao redor da ilha. O grupo responsável pela defe-ê-ê-esa de Marte já confirmou estar preparado para o caso de um ataqueeeei.
As íris rubras da irmã do rei encontraram Valesca.
— Tropas terrestres a postos em Gâles, Erwin Smith relatou ter chegado ao país Ozymandias e o grupo disfarçado de turista entrou na aeronave que leva até Éden. No momento nenhuma falta no enviar do código que confirmam estarem bem ocorreu.
Bom, a parte fácil está feita.
Agora, se não me engano, morremos tragicamente.
Um cômodo explodiu violentamente, derrubando a estrutura que se erguia a lateral da montanha rumo a estrada abaixo em fragmentos tocados por fogo e fumaça.
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