A Reconquista escrita por Venus


Capítulo 7
VI- Um Excelente Dia (Elyn)


Notas iniciais do capítulo

Hello! Ainda em Porto Real, essa semana o capítulo é da adorável Elyn. Boa leitura :)



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Elyn->

 

Todos os problemas de Elyn Tyrell haviam começado porque ela gostava de flores.

Quando ela era uma menina, Elyn gostava de se deitar no meio do canteiro de jacintos de Jardim de Cima, e tomar sol. Isso até o dia em que uma abelha havia picado seu braço, e ela quase havia morrido. Não havia maneira pior de descobrir que o que seria inofensivo para outras pessoas era capaz de fazer sua garganta fechar e cada pequena parte de sua pele inchar.

Felizmente, seu irmão Bryan sempre havia se gabado de ser capaz de lançar feitiços. Elyn nunca havia realmente acreditado, até ele enfiar um frasco com uma poção misteriosa entre os seus dentes e ela voltar a ser capaz de respirar. Talvez houvesse, de fato, um pouco de feitiçaria na ciência que ele parecia dominar.   

Um pouco mais velha, ela estava no meio dos hibiscos— dessa vez tomando cuidado com qualquer abelha ou inseto— quando viu sua prima Alissa, e um escudeiro com a mão debaixo de sua saia. Ela havia ficado calada, e guardado aquela descoberta para si mesma, mas isso havia lhe dado um certo entendimento precoce sobre como as pessoas funcionavam, e o que elas realmente queriam.

Alguns anos mais tarde, quando um garoto tentou beijá-la perto daqueles mesmos hibiscos, ela o empurrou com todas as suas forças, e ele caiu no chão. O escudeiro sujou a roupa de lama, e acabou com o joelho ralado. Ninguém nunca mais tentou beijá-la atrás de nenhum canteiro de nenhum tipo de flor.

Agora Elyn era adulta— por pouco, mas era— e novamente seu gosto por flores a havia metido em uma enrascada. Dessa vez haviam sido rosas douradas; de todas as flores do mundo, logo as rosas, suas preferidas.

Elyn Tyrell estava tendo um dia absolutamente tranquilo, e acabou pegando no sono debaixo de uma árvore, perto do fatídico canteiro de rosas amarelas. Ela só despertou com o som suave de passos, e percebeu que já estava anoitecendo.

—Obrigada por ter vindo tão rápido— uma voz feminina, baixa e harmônica, agradeceu— Eu não sabia mais com quem falar.

—Eu vim assim que recebi a carta— uma voz masculina, grave, mas também sussurrada, respondeu— Ele encostou em você?

A voz feminina pareceu hesitar, e Elyn pressionou as próprias costas contra a árvore na qual estava escorada com mais força. A dupla, quem quer que fossem, estava apenas a alguns passos de distância, tão somente aquele tronco os separava. Elyn poderia tentar ir embora, mas tinha a impressão de que isso seria pior. Ela já sabia naquele momento que estava ouvindo algo que não deveria ouvir, e a solução agora era permanecer calma e indetectável até que fossem embora.

—Não, ele não me tocou— a voz feminina respondeu— Mas ele ameaçou minha filha.

Elyn soube pelo silêncio grave e denso que se seguiu que o homem não havia reagido calmamente a essa informação.

—Como assim? Ele vai matá-la? Só por causa do pai que ela tem?— ele rosnou, e Elyn sentiu um arrepio desagradável. Não podia ver seu rosto, mas soube naquele instante que ouvia um homem violento, capaz de atos drásticos.

—Não, ele não quer matá-la. Ao menos acho que não. Nossa querida prima está grávida, e ele quer que minha filha se case com o bastardo— a mulher respondeu, a inflexão de desprezo clara em sua voz.

O homem riu com ironia.

—Ele é ainda mais louco do que eu pensava— a voz masculina comentou— Não se preocupe, irmã, eu não vou deixar isso acontecer.

A voz feminina murmurou algo baixo demais para que Elyn ouvisse, e então disse:

—Não mesmo. Elaena Blackfyre não vai deixá-lo tirar o direito de herança dos filhos dela.

—Droga— a voz do homem soava chocada— Você não contou para ela, contou?

—Eu contei. Não entende como é a única maneira de impedir que Baelon arruine a vida da minha filha?

—Não, eu entendo que essa é a maneira mais rápida de começar uma guerra civil.

Novamente um silêncio extremamente grave tomou o jardim, apenas o som dos insetos e do próprio coração de Elyn disparado em seu peito audíveis.

—Eu não teria feito isso se não achasse que teria tudo sob controle. E não teria te chamado de não precisasse de ajuda, irmão— a voz feminina disse.

—E o que você quer que eu faça?— a voz masculina replicou.

—Você está certo. Vai haver uma guerra civil. Mais cedo ou mais tarde. Parece inevitável, com Baelon sendo como é. Se não por minha causa, ele vai dar outro motivo— a mulher disse, uma certa frieza na voz.

—Mesmo que isso seja verdade, como podemos usar isso para nossa vantagem? Você não teria feito algo tão perigoso se não acreditasse que poderíamos virar o jogo ao nosso favor— o homem disse.

—Você me conhece tão bem, irmão, é adorável— a mulher respondeu.

—Conheço, e vou apoiá-la mesmo em suas tolices. Mas então me convença de que não foi uma tolice o que você acabou de fazer.

—Irmão, que desculpa melhor para reunir um exército se não colocar Elaena no poder? Que outra oportunidade teríamos para nos organizar e nos juntar com outras pessoas que também tem motivos para destronar os Blackfyre?

—Como quem?

—Os Baratheon. Principalmente Wylla Baratheon. Eu te garanto que uma mãe cujos filhos estão em perigo vai fazer qualquer coisa para salvá-los— a mulher respondeu.

O homem ficou calado por alguns segundos, parecendo refletir sobre o que havia acabado de ouvir.

—E quem seria rei depois? Quando todos os Blackfyre estiverem mortos? Eles não sabem que Vhaella está viva— ele perguntou.

—Ninguém— a mulher respondeu, indiferente— O Norte e Dorne estão aí para provar que é totalmente possível viver sem o Trono de Ferro. Mas talvez os Baratheon queiram o trono, eles já foram Reis antes, e eu não me importaria se fossem novamente.

O homem resmungou alguma coisa que Elyn não entendeu, e então disse:

—É um risco que vamos ter que correr. Mas ninguém vai insistir que uma menina de cinco anos seja Rainha, Targaryen ou não.

—Acho que é um risco muito baixo— a mulher opinou—  Os Lordes estão doidos para voltarem a ter independência. Tiveram um gosto durante a Reconquista, e entenderam que Reis mais atrapalham que ajudam. Já fomos Sete Reinos separados, por que não voltar a ser?

—Eu não discordo, irmã. Mas e os Tully? Os Tyrell? Os Arryn? Todos eles são amigos da Coroa, agora; Lorde Erock Arryn até mesmo se casou com Naerys Blackfyre. Acha que eles vão concordar tão facilmente?

—Eu não sei, mas, caso resistam, há maneiras de convencê-los. Alianças podem ser negociadas.

Nesse momento, Elyn ouviu passos vindo em direção a ela. Pelo silêncio que as duas vozes fizeram, ela soube que eles também podiam ouvir.

—Vamos terminar essa conversa amanhã, então. Alguém te viu chegando?— a mulher perguntou.

—Não. A comitiva está algumas horas para trás, devem chegar pela manhã. Vou voltar para eles— o homem respondeu

—Tudo bem. Viaje com cuidado. E finja bastante alegria quando me ver amanhã— ela provocou.

—Eu não vou precisar fingir.

Elyn ouviu os passos mais firmes do homem se afastando pela esquerda, a mulher, pela ausência de som, deve ter permanecido parada. Ela aproveitou a distração, e se arrastou o mais discretamente que pôde até o canteiro mais próximo, se ocultando ainda mais em meio às flores. Viu bem naquele instante os sapatos de um homem surgindo em seu campo de visão, e a mulher saiu de trás da árvore ao encontro dele.

—Milady? Não pode ficar aqui sozinha depois do anoitecer, é perigoso— uma outra voz masculina disse. Pelas botas, Elyn assumiu que fosse um dos guardas da Fortaleza.

“Estranho”— Elyn pensou— “Ninguém nunca implicou que eu ficasse aqui depois do escurecer”

—Tudo bem— a voz da mulher respondeu— Já estou voltando para os meus aposentos, então.

—Eu vou acompanhá-la— o guarda respondeu.

Elyn ouviu os passos suaves da mulher, e a marcha do guarda, se afastando até uma das entradas laterais do palácio. Estendendo a cabeça para fora do canteiro, ela conseguiu avistar vagamente a silhueta da mulher, e um resquício de seus cabelos dourados e compridos, antes que ela desaparecesse porta adentro.

Elyn aguardou mais alguns segundos, e então saiu do seu esconderijo, limpando as pétalas de flores e folhas grudadas em seus cabelos e suas roupas. Sabia que tinha acabado de descobrir algo extremamente perigoso, algo que poderia facilmente matá-la, mas não conseguia tirar total sentido dos fragmentos de conversa que havia captado.

—Você está bem, Elyn? Parece que viu um fantasma— Kean, seu irmão mais novo, perguntou assim que Elyn adentrou a sala da ala onde os Tyrell estavam hospedados.

Elyn viu, pelo canto do olho, o seu próprio reflexo em um dos muitos espelhos daquele cômodo. De fato, ela estava mais pálida que de costume, seu cabelo castanho estava atrapalhado, e havia um certo olhar de perturbação em seus olhos verdes. Ainda assim, ela forçou um sorriso.

—Claro que estou, Kean. Apenas cansada. Mas obrigada por perguntar— ela respondeu, e, seu irmão, tendo somente catorze anos, acreditou.

Ela não conseguiu dormir direito, mas o dia seguinte trouxe agitação o suficiente para dispersar seus pensamentos de suas elocubrações e apreensões. Sua mãe a acordou mais cedo que de costume, um sorriso radiante no rosto, a disposição alegre como Elyn não via há várias semanas.

—Ah, minha flor, bom dia! Um excelente dia! Tenho notícias boas, muito boas para nós!— ela disse.

Elyn já havia ouvido muitas pessoas comentando que Gwyn Farwynd da Luz Solitária havia sido uma escolha peculiar de esposa por parte de seu pai. Conseguia enxergar o tanto que os modos de sua mãe eram diferentes dos das outras mulheres da corte, mas sempre Elyn achou adorável como sua mãe era espontânea.

—Bom dia, mamãe— ela respondeu, sorrindo— Pois diga logo, está me deixando ansiosa.

Gwyn abriu as cortinas do quarto com um rodopio, as saias esvoaçando em uma espiral suave ao seu redor.

—Uma comitiva vinda do Oeste está chegando, minha flor. O próprio herdeiro dos Lannister estará nela, sem falar de vários vassalos— Gwyn disse— Sabia que Lorde Theron é solteiro? E dizem que tem excelente aparência. Não duvido que está vindo para Porto Real em busca de uma esposa.

Elyn sentiu um arrepio desagradável. O homem da noite anterior havia mencionado uma comitiva. Será que ele era parte dela? Talvez algum dos vassalos? Ela tentou esconder sua expressão perturbada com outro sorriso.

—Excelentes notícias, mamãe. Estou ansiosa para conhecê-los— ela respondeu, embora isso não fosse nenhum pouco verdadeiro.

Ela passou o resto do dia sendo embonecada para o jantar que seria dado em honra aos recém-chegados do Oeste. Não havia tempo o suficiente para fazer um vestido novo, mas Gwyn tentou bravamente, reformando e ajustando um de seus vestidos antigos para filha. Elyn deveria admitir que o resultado ficou bastante agradável, a seda verde e as pérolas ainda cintilavam lindamente apesar de todos os anos desde que a peça havia sido confeccionada, e o pano de ouro da renda dava os toques finais.

Estava inegavelmente bonita, e isso geralmente a animava. Elyn gostava de coisas bonitas, e gostava quando podia sentir deleite com seu próprio reflexo no espelho. O vestido ressaltava o verde de seus olhos, os cabelos castanhos parcialmente presos para trás fluíam em ondas suaves, com uma rosa branca adornando o penteado. Deveria estar muito feliz com o resultado, e com a composição que sua mãe havia lhe presenteado em menos de um dia. Mas, naquele instante, a beleza pareceu carregar uma estranha ambivalência, como se pudesse ser tão perigosa quanto era empolgante.

—Você está de tirar o fôlego, minha flor!— sua mãe elogiou, e Elyn forçou o milésimo sorriso daquele dia— Todos os Lordes vão se apaixonar perdidamente por você.

Elyn se sentia um cordeiro indo em direção ao abatedouro. Sua mãe pegou sua mão, e a fez rodopiar; os pés firmes de dançarina de Elyn não decepcionaram, fazendo a saia esvoaçar belamente ao seu redor.

—Você é ainda mais bonita do que eu era— Gwyn comentou, mas com um sorriso no rosto, sem uma única pontada de ressentimento— E olhe onde eu cheguei. Você, então, tem o rosto digno de uma Rainha.

Elyn esperava do fundo do seu coração que isso não fosse verdade, agora que sabia o quão traiçoeira a posição de Rainha poderia ser. Esperava que seu futuro marido fosse gentil, e inofensivo, e não o tipo de víbora sorridente que ela sabia bem demais que infestava aquele castelo.

Um dos salões de baile menores havia sido escolhido para a recepção, e decorado com esmero. As cortinas de veludo vermelho, os castiçais dourados, e a iluminação com velas de cera citrina compunham o efeito levemente sépia do cenário. Uma banda com violinos, flautas e alaúdes tocava música ambiente em um dos cantos, e a enorme e imponente mesa de jantar exibia a mais diversa seleção de guloseimas, frutas e nozes exóticas.

Elyn estava procurando um lugar para se assentar, quando viu Nyssa Blackfyre acenando para ela.

—Vá com sua amiga, flor. Eu vou achar um lugar— sua mãe disse, um sorriso complacente, talvez até animado demais.

Elyn ainda achava estranho como ela havia passado de uma Tyrell irrelevante, indigna de casar-se com um herdeiro, para a filha do Lorde e amiga íntima da Princesa. A guerra fazia esse tipo de coisa. Todas as suas primas e tios mortos não pareciam um preço justo a se pagar pela ascensão social. Mas ao menos Nyssa era uma boa amiga, tímida, e doce, e que ficava vermelha de um jeito engraçado quando Elyn era um pouco mais perspicaz que a medida.

—Oi, Elyn— Nyssa sorriu para ela, um pouco acanhada— Eu estava com medo de você não aparecer e eu ficar aqui sozinha.

Elyn sorriu de volta. Nyssa era um respiro de ar fresco naquele salão abafado, e ela se sentiu imediatamente menos em guarda.

—Uma Princesa, sozinha? Jamais. Se não fosse eu, vários Lordes viriam até aqui cortejá-la, Alteza— Elyn respondeu.

O rosto de Nyssa se acendeu em um tom vibrante de escarlate.

—Não seja boba. Eu só converso com Elaena, e com você— ela respondeu— O restante das pessoas me acha um pouco tola, eu suponho.

Elyn nunca entenderia o motivo de Nyssa Blackfyre não ter a verdadeira noção do quão arrasadora poderia ser, se desejasse. A Princesa tinha um rosto exótico naquela parte de Westeros, os olhos puxados e amendoados em um tom vibrante de azul, talvez com uma leve insinuação de lilás, eram algo que mais ninguém da corte possuía. Ela também tinha cabelos muito bonitos, de um castanho-claro dourado, que se desfaziam em ondulações suaves até sua cintura. O rosto delicado e o sorriso doce provavelmente seriam o sonho de muitos cavalheiros, se ela fosse mais vista em eventos da corte.

—Ah, Nyssa, você não me engana— Elyn provocou— Sei que sabe como todos são apaixonados por você, não finja que não.

Nyssa estava prestes a replicar, quando sua atenção foi completamente desviada pela chegada dos convidados de honra. Elyn deveria conceder algo aos misteriosos visitantes do Oeste: eles sabiam chegar com estilo.

Pessoas em roupas brilhantes, que chegariam a ser espalhafatosas se não fossem os portes imponentes e dignificados, desfilavam salão a dentro em uma perfeita formação. O homem que vinha na frente deveria ser Lorde Theron Lannister, Elyn assumiu. É, sua mãe estava certa, ele de fato era bem apessoado.

Tinha vinte e poucos anos, uma postura perfeita, e um sorriso ofuscante de tão branco. Seus cabelos eram da exata mesma cor de um dragão de ouro, seus olhos, do verde esmeralda mais chamativo que Elyn já havia visto. O verde dos olhos dos Tyrell costumava ser um tom suave de musgo, tranquilo como a vida gentil que brotava em um jardim; os olhos verdes dos Lannister queimavam como chamas de fogo-vivo. Ele andava com uma certa galhardia, um certo floreio nos gestos, que parecia dizer “eu sei que vocês estão olhando, e estão certos. Eu também estaria olhando se fosse vocês”.

Lorde Theron não era terrivelmente alto, mas Elyn só reparou nisso quando o viu conversando com Lorde Daeron Waters, que era um homem realmente grande. Mas tinha um porte imponente que disfarçava a estatura mediana, e provavelmente pareceria um cavaleiro das canções dentro de uma armadura dourada. Ele tomou o lugar de honra, à direita do Príncipe Baelon. Elyn estranhou que o lugar à esquerda do Herdeiro estivesse vago, e só então notou que Elaena ainda não havia chegado.

Isso logo mudou, pois Elaena entrou, acompanhada de uma outra mulher.

Estatura mediana, loira, muito bonita. Um sorriso aberto e fácil, que se expandiu mais ainda ao ver Lorde Theron. Se não fossem tão obviamente parecidos, Elyn teria assumido que eram casados, mas eram tão similares que ela logo soube que eram irmãos. As únicas diferenças eram os olhos da mulher, que eram castanho-escuros, e o fato de que ela parecia bem menos convencida e bem mais simpática.

Lorde Theron se levantou em um salto, e correu até a mulher, a tomando em seus braços com tanta força que os pés dela se ergueram do chão. Elyn estava longe demais para escutar o que eles estavam dizendo, mas, pelas expressões e sorrisos, soube que a conversa era animada.

—Aquela é Lady Elysia?— Elyn perguntou para Nyssa, sua memória subitamente conjurando a árvore genealógica dos Lannister como um perfeito desenho em sua cabeça.

Nyssa assentiu.

—Ela andou meio sumida, mas aparentemente uma visita do irmão foi o suficiente para tirá-la de seu esconderijo— a Princesa respondeu.

Elysia Lannister. Ou melhor, Elysia Targaryen. Elyn detestaria ter aquele sobrenome; e uma filha com ele, também. Ela ficava bastante admirada que Elysia conseguisse transitar tão livremente entre os círculos sociais, tanto que, mesmo que nunca tivessem sido apresentadas, ela a conhecesse de reputação.

Agora fazia sentido que, dois meses antes, quando Elyn chegou à Corte, a moda fossem vestidos de mangas compridas. Suspeitava que fosse Elysia quem tivesse iniciado essa tendência, sempre que a via de longe, era isso o que ela usava. Naquela noite em específico, trajava um modelo amarelo-pálido, com detalhes em renda creme pelo corpete e nos punhos. Bonita, e com uma aparência perfeitamente humilde e inocente, que contrastava com a leve extravagância do irmão; trajado em um gibão vermelho e comprido.

—Lorde Theron é o irmão mais velho, certo?— Elyn questionou.

—Uhum— Nyssa concordou— Dois anos mais velho, se não me engano. O herdeiro perfeito.

Elyn o observou por mais alguns segundos, e então finalmente reparou que Baelon também havia se levantado para receber Elaena. Diferente do outro par de irmãos, havia uma certa rigidez na saudação, mesmo que Baelon tenha surpreendido a todos ao segurar Elaena pelos ombros e puxá-la para um casto beijo no rosto. Eles sorriram um para o outro, e Elyn até poderia acreditar que estavam apaixonados, se não fosse a supresa no rosto de Elaena, delatada pelo mais leve rubor em suas bochechas.

—Eles não são muito carinhosos para um casal de noivos, são?— Elyn se virou para Nyssa e perguntou— Os seus primos.

Nyssa franziu levemente as sobrancelhas.

—Eu suponho que não em público. Mas sempre gostaram muito um do outro, desde crianças. Sempre entre tapas e beijos— ela respondeu.

O restante da refeição seguiu seu curso de maneira agradável e corriqueira. Elyn ainda estava um pouco ansiosa e distraída, lembrando da conversa que havia escutado na última noite. O homem poderia muito bem estar naquela mesa naquele instante, e isso a deixava mais nervosa do que gostaria de admitir. Estava mais quieta do que de costume, e teve que se forçar a interagir e não levantar suspeitas. Trocou algumas palavras com o casal assentado à sua esquerda, mas passou a maior parte do tempo conversando com Nyssa, o que também tinha o efeito agradável de distraí-la de suas preocupações. Elyn achava engraçado como a Princesa era observadora, mas nunca parecia fazer um juízo correto das coisas que notava.

—Lorde Theron parece ter perdido alguma coisa— ela comentou— Não para de olhar ao redor da mesa, como se estivesse procurando algo.

Elyn fixou o olhar nele, e concluiu que era verdade. Mas, como sempre, a Princesa não conseguiu chegar à conclusão certa.

—Ele está analisando as pessoas, Nyssa. Talvez procurando alguém interessante— Elyn respondeu.

Nyssa deu de ombros.

—Bem, ele deve ter te achado interessante, então— ela disse— Não para de olhar para cá.

Bem nesse instante, Elyn olhou para ele, e seus olhares se cruzaram. Ela se sentiu uma garotinha tola, pois um arrepio, tão intenso que chegava a ser desagradável, percorreu sua espinha, e ela rapidamente desviou o olhar. Era uma coisa trocar olhares inofensivos com Lordes vassalos e escudeiros. Ela se sentia uma menina brincando de bonecas, completamente no controle, conseguindo exatamente as reações que queria. Um homem como Lorde Theron, entretanto, tinha “perigo” escrito na testa; e estava claro para Elyn que ele poderia virar sua vida de cabeça para baixo, se quisesse. Para bem ou para mal.

—Ele é bonito, não acha, Nyssa? Mas parece um tipo um pouco questionável, talvez um canalha sedutor que só vai se casar aos cinquenta anos e iludir muitas jovens até lá— Elyn comentou, tentando esconder seu próprio desconserto.

Felizmente, Nyssa era a melhor pessoa para enganar a respeito daquele assunto, e não pareceu reparar no rubor no rosto de Elyn, ou na forma como estava tagarelando apenas para esconder o fato dolorosamente óbvio que havia sido pega desprevenida. Ela normalmente mantinha uma certa indiferença, um divertimento frio, em situações como aquela. Gostava de se imaginar como uma sereia atraindo marinheiros para o fundo gélido de um oceano impassível; tinha bastante noção que não poderia se apaixonar tão levianamente, e de que era sua obrigação fazer um casamento vantajoso para si e sua família. Mas o modo insistente com que Lorde Theron voltava a encará-la a fazia sentir um estremecimento estranho, como um coelho se sentiria ao dar de cara com uma raposa; como uma presa, não uma caçadora.

—Eu não sei, Elyn. Ele não me parece tão ruim assim— Nyssa murmurou— Além disso, o amor pode redimir as pessoas. Eu sairia da esbórnia para me casar com você, se fosse um cavaleiro de caráter questionável.

Nyssa pareceu embaraçada após dizer isso, mas Elyn apenas riu, grata pela distração que ela lhe proporcionava da estranha tensão que começava a se formar através da mesa.

—É doce da sua parte dizer isso, Nyssa. Mas eu conheço minhas capacidades, e elas não incluem mudar um homem que claramente não quer ser mudado— Elyn respondeu.

Bem nesse momento, alguns dos Lordes começaram a se levantar. O salão era grande o suficiente para que pequenos grupos de conversa se formassem, e, findada a refeição, isso parecia bastante apropriado. Mas Lorde Theron, ao contrário do que esperava, não foi conversar com os outros homens. Ao invés disso, ele caminhou em uma linha perfeitamente reta e absolutamente determinada até Elyn.

—Lady Tyrell— ele abriu um sorriso ofuscante, e Elyn quase estremeceu— Não pude deixar de notá-la do outro lado da mesa, e me disseram que a senhorita, além de bela, é uma excelente dançarina. Me daria a honra de uma dança?

Se já não bastasse o choque de um gesto tão descarado quanto chegar repentinamente e pedir para dançar sem nunca ter sido apresentado antes, algo ainda mais terrível ganhou sentido na cabeça de Elyn. Aquela voz… a cadência melódica, as vogais tônicas e consoantes arrastadas de um sotaque aristocrático do Oeste… o timbre grave, mas ligeiramente rouco… ela conhecia aquela voz.

E aquela era a voz do homem cuja conversa ela havia ouvido na noite anterior.

Não teve tempo o suficiente para sentir com total magnitude a imensa extensão do seu terror; foi obrigada a se recompor e oferecer uma resposta àqueles olhos que ardiam com fogo-vivo verde e terrível, queimando com expectativa.

—Milorde, eu adoraria. Mas não há música, e a banda se retirou— ela respondeu, tentando controlar o tremor das próprias mãos.

Lorde Theron riu, e sua risada era retumbante, de abalar os ossos.

—Em Rochedo Casterely, Milady, quando eu peço para dançar, sabe o que se faz?

—Não, Milorde, eu não poderia saber.

—Música, Milady. Se faz música.

Ele fez uma reverência e ofereceu a mão de forma tão galante que Elyn não teve opção se não aceitar. Só poderia imaginar o escândalo e a fofoca que uma recusa acarretaria; talvez fosse até mesmo visto como uma afronta, e causasse problemas para sua família. Ela forçou um sorriso educado, e o acompanhou até o meio do salão. Os músicos, que até então estavam descansando e bebendo, imediatamente pareceram pegar a deixa, e voltaram à sua formação de banda, produzindo uma valsa perfeita com seus gestos apressados.

Theron se curvou em uma reverência baixa, pomposa, e então a puxou para perto. As mãos dele em sua cintura eram firmes, o aperto quase doloroso. Havia uma certa dominância implícita, não como se fossem parceiros de dança, criando juntos algo belo, mas como se ela fosse um fantoche.

Elyn não tinha a mínima capacidade de formar pensamentos e julgamentos racionais naquele instante. Foi como se um instinto primal de sobrevivência se apossasse dela, e seus pés passassem a se mover sozinhos, em perfeita harmonia com o tom do alaúde. Seus olhos, entretanto, procuravam desesperadamente por uma saída, que, do fundo de seu coração, ela sabia que não existia. Conseguiu ver sua mãe do outro lado da mesa, e ela estava sorrindo, orgulhosa. Se Gwyn ao menos soubesse o que realmente estava acontecendo... Theron não poderia saber que Elyn ouviu a conversa, poderia? Mas, ao mesmo tempo, era coincidência demais que tivesse pedido logo a ela para dançar, quando haviam tantas outras moças bonitas no salão.

Não ajudava que o próprio Theron também fosse um dançarino magnífico. Elyn estava esperando poder entregar uma performance meia-boca e distraída e sair dali o mais rápido que conseguisse. Mas ele não permitia que essa fosse uma possibilidade. O modo de dançar do Oeste era mais dramático, menos fluido e alegre que a danças que havia aprendido na Campina. Elyn já havia estranhado os movimentos excessivamente rígidos de Porto Real, mas aqueles floreios bruscos entrecortados por passos delicados eram ainda mais confusos. Ela teve que se esforçar para acompanhar Theron conforme ele girava ao seu redor, a lançava em piruetas, e então para trás, sustentando o peso dela nos braços.

Se Elyn fosse um pouco pior em dança, provavelmente teria cometido um erro e tropeçado. Mas, felizmente, os dois eram magníficos, e ela deveria reconhecer que provavelmente pareciam magníficos. Os olhares de admiração e inveja não mentiam, e, em outras circunstâncias, talvez ela tivesse ficado feliz em estar dançando com o homem mais bonito e cobiçado de um evento, e estar sendo o centro das atenções com tanta facilidade. Mas não daquele jeito, não naquele dia.

—Eles não mentiram, Lady Elyn, a senhorita realmente é esplêndida— ele sussurrou ao pé do seu ouvido ao puxá-la para perto, perto demais, após mais uma elaborada pirueta— Eu poderia continuar dançando o dia inteiro apenas para vê-la sorrindo.

Elyn continuou dançando e forçando um sorriso radiante, ciente do peso de dezenas de pares de olhos queimando sobre ela, com seus próprios julgamentos e expectativas. Aquele parecia um cenário digno do sonho de qualquer donzela, mas ela se sentia um animal de circo saltitando sobre brasas para entreter os frios cortesãos e seus exigentes apetites.

Lorde Theron suspeitaria dela? Ou só a queria para ter o apoio dos Tyrell em seus perigosos planos? Mesmo que o interesse fosse genuíno, Elyn estava ciente que estava encurralada, presa em uma situação da qual não via nenhuma escapatória. E ela sabia que, por mais que se esforçasse, seus pés firmes de dançarina e seu melhor sorriso brilhante não a protegeriam para sempre.

Talvez nunca tivessem realmente protegido, e ela estivesse prestes a entrar em uma batalha sangrenta com as mãos vazias.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo acabou bem maior do que eu planejava, mas é inesperadamente divertido colocar a Elyn em perrengue, ela tem uma certa energia de final girl de filme de terror kkkk! Espero que tenham gostado, vejo vocês nos comentários!

Ps: fiz um post no blog da história com alguns dos personagens secundários, para ninguém se perder com esse tanto de gente kkkkk
https://the-reconquest.tumblr.com
Senha do blog: blackfyre



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