A Reconquista escrita por Venus


Capítulo 6
V- Um Verdadeiro Filhote de Dragão (Elysia)


Notas iniciais do capítulo

Hello! De volta a Porto Real, essa semana temos um POV da Elysia. Boa leitura :)



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Elysia->

 

Twylla corria pelos jardins em uma nuvem de cabelos prateados e saias cor de rosa, suas risadas animadas e os passos de seus pés descalços na grama ecoando pelo ar morno da tarde.

Para Elysia, aquele era um dos raros momentos de paz e felicidade genuínas que tinha na Fortaleza Vermelha. Correndo atrás da filha, sentindo o vento soprando seus próprios cabelos dourados, ela conseguia esquecer de todas as suas preocupações, e focar na benção enorme que aquela menina tão pequena era em sua vida.

Twylla tinha cinco anos, e era a sua pessoa favorita no mundo inteirinho. A única pessoa que ela amava verdadeiramente, se parasse para refletir. Claro, Elysia era leal aos Lannister, sua família, e principalmente ao seu irmão, Theron. Mas o amor incomensurável, avassalador, que sentia por sua filha não se comparava a qualquer outro que já tivesse sentido. Mesmo no início do seu casamento, quando ela ainda achava que houvesse esperanças para seu falecido marido, ela nunca havia entendido de verdade o que era amar. Mas, quando segurou Twylla, coberta pelo seu sangue, pela primeira vez, ela soube que mataria e morreria para proteger aquela pessoa tão pequena, mas já tão adorada.

Elysia e Twylla estavam vivendo na Fortaleza Vermelha há pouco mais de um ano. O lugar favorito de mãe e filha era, sem dúvidas, os jardins onde estavam naquele momento; o único lugar no qual conseguiam achar alguma paz. Elysia seria a primeira a admitir que a estadia de ambas na Fortaleza não era o ideal, e muito menos totalmente voluntária, mas, lendo debaixo das árvores e correndo pelos canteiros de flores, quase poderia fingir que estava tudo bem.

Toda situação era culpa de seu marido, que continuava lhe trazendo problemas mesmo depois de morto. Típico dele, se fosse honesta. Quando era vivo, também dava muita dor de cabeça. Mas Elysia não estava pensando em Rhys, ou no peso que o sobrenome Targaryen trazia, mesmo que postumamente. Ainda que sua filha tivesse os cabelos prateados e olhos violeta do marido, ela não o fazia se lembrar dele. Quando estava com Twylla, era como se todo o resto desaparecesse, e é o que sentia naquele momento. O dia estava bonito, e a risada da menina sempre era o suficiente para alegrar seu coração. Talvez por estar tão distraída, não tenha notado o vulto masculino parcialmente oculto atrás de uns canteiros, e por isso se chocou diretamente contra ele.

—Pelos Sete, me desculpe— ela se apressou em pedir perdão, mesmo sem ver de quem se tratava— Você está bem?

A pessoa, em cujas costas ela havia se chocado, se virou lentamente. Uma sensação terrível de choque trespassou o corpo de Elysia, um frio estranho que fez seus músculos se tensionarem, e os olhos escuros se arregalarem.

—Alteza, me perdoe— ela fez a reverência mais respeitosa que conseguiu, aterrorizada ao ver o Príncipe Baelon, e sua expressão de pouco amigos, a encarando de volta— Não foi minha intenção ferir Vossa Alteza.

Ela não ousou erguer o olhar, ciente de que ele a analisava friamente. Conhecia bem os rumores a respeito do humor terrível e instável do homem, e só poderia esperar que ele não estivesse em um dia ruim. Sabia que ele já havia punido pessoas de modo horrível antes por muito menos.

—Mamãe?— a voz de Twylla soou de algum ponto atrás dele, para piorar ainda mais a situação, e Elysia a viu surgindo de um dos canteiros próximos— Está tudo bem?

Elysia presenciou o momento exato em que Baelon se virou para Twylla, e o brilho de desprezo em seus olhos ao encarar a menina. Estremeceu, e não conseguiu conter o impulso de ir até a filha e colocar o braço ao seu redor de maneira protetora.

—Está sim, meu anjinho— Elysia segurou Twylla o mais perto que conseguiu— Eu estava apenas me desculpando com o Príncipe. Esbarrei nele por acidente.

Baelon finalmente desgrudou os olhos de Twylla, e os fixou em Elysia. Ainda havia uma certa inflexão de desprezo em sua expressão, mas não raiva, o que de certa forma a tranquilizou.

—Não por isso, Milady. Acidentes acontecem— ele respondeu— Essa é a sua filha?

Elysia relutou em largar Twylla, mas assentiu com a cabeça, e disse:

—Sim, Alteza.

Twylla, finalmente entendendo o que estava acontecendo, abaixou a cabeça pequenina em uma adorável mesura. Uma dama aos seis anos, tão bem educada, tão doce. Elysia estaria orgulhosa dela, se não fosse a gravidade da presente situação.

—Ela é uma menina bonita. Forte, saudável. Diferente do seu marido, eu suponho, e mais como você— Baelon comentou— Você parece estar criando-a bem.

Elysia não sabia ao certo o que responder, a estranheza da situação era grande demais para que ela tentasse usar sua eloquência. Forçou um sorriso educado, e novamente confirmou com a cabeça.

—Eu espero que sim, Alteza— ela disse, percebendo que havia conseguido esconder seu desgosto perfeitamente bem com o tom neutro da sua voz— Rhys era um homem corajoso, mas eu espero que Twylla herde meu temperamento.

Elysia não gostava que falassem coisas ruins sobre Rhys perto de Twylla. Queria que ela mantivesse uma imagem positiva do pai, mesmo que a própria Elysia soubesse de todos os defeitos dele. Sua filha tinha o direito de ter a infância mais normal e saudável o possível, e isso incluía não ter a imagem de seu pai destruída diante da inocência de seus olhos.

—Eu acho que ela herdou— Baelon comentou— Um verdadeiro filhote de dragão tem dentes afiados, e não se curvaria para mim. Ela ser tão obediente me deixa mais despreocupado.

Elysia sentiu um arroubo de violência incomensurável fervendo em suas veias. Entretanto, apenas sorriu agradavelmente, e apertou a filha novamente contra si.

—Twylla é mais Lannister do que Targaryen. Sabe que ter os amigos certos é mais importante que uma coroa na cabeça… Alteza— Elysia respondeu, o tom perfeitamente alegre, apesar da raiva que sentia naquele momento.

Como aquele usurpador se achava no direito de fazer-lhe ameaças veladas? Depois de tudo o que os Lannister haviam feito pelos Blackfyre? Elysia não era ingênua a ponto de acreditar que sua filha algum dia estaria segura em um reinado que não fosse dos Targaryen. Mesmo que Rhys não fosse o Príncipe Herdeiro, apenas um filho caçula de um filho caçula; após todas as mortes que a guerra gerou, era bem provável que Twylla de fato pudesse ser considerada a herdeira da linhagem por alguns. Ainda assim, sua família estava fazendo o possível para mantê-las seguras. Dando vários sinais de boa fé para deixar claro que ambas cooperariam com os Blackfyre, como a própria estadia na Fortaleza Vermelha, semelhante demais à antiga dinâmica de reféns, parecia anunciar.

Quando Elysia casou-se com Rhys, aos dezessete anos, ela não pensou que esse era o seu papel naquele união: uma refém, uma garantia de lealdade. Agora percebia o seu erro. Desde o casamento, até a última gota de sangue derramada naquela guerra, era assim que todos a enxergavam. Não era coincidência que Allyria tivesse sido permitida a sair da Fortaleza Vermelha para casar-se com Lorde Frey na mesma época em que Elysia casou-se com Rhys e foi morar lá. A dinastia Targaryen sempre teria um refém Lannister como garantia de lealdade. E não era uma coincidência que ambas continuassem ali durante o reinado Blackfyre, embora a sua prima Allyria agora tivesse bem mais autonomia do que ela.

Elysia não se importaria de ser dano colateral para o bem-estar de sua família, mas sua filha estava fora de questão. Era passar dos limites pedir que ela sacrificasse Twylla, e as ameaças de Baelon estavam próximas demais de ultrapassar a linha tênue de sua tolerância.

—Ela é uma menina esperta, então— o Príncipe comentou— Mas espero que realmente seja obediente, pois essa obediência está prestes a ser colocada à prova.

Elysia forçou mais um sorriso, dissimulando sua raiva com maestria.

—É mesmo, Alteza? E quais são os seus planos para minha Twylla?— ela perguntou, perfeitamente inocente.

Baelon parecia estar se divertindo tentando atormentá-la. Ela não lhe daria essa satisfação enquanto pudesse evitar.

—Allyria está esperando um filho meu. Se for um menino, espero prometer a mão de Twylla a ele— Baelon disse— Cinco anos não são uma grande diferença em um casamento, Visenya também era um pouco mais velha que Aegon, o Conquistador. E eu não gosto de questionamentos dinásticos, então seria uma união muito conveniente para todos.

Elysia sentiu como se o mundo inteiro rodasse, e ela estivesse prestes a ser tragada pelo chão.

“Um verdadeiro filhote de dragão tem dentes afiados”— Baelon havia dito. Bem, leões também tinham. E, mesmo se Twylla ainda não tivesse os dentes de um adulto, Elysia tinha, e afiados o suficiente para protegê-las ambas.

—Parece um plano perfeitamente exequível, Alteza— Elysia forçou um sorriso. Talvez Baelon achasse que aqueles dentes brancos à mostra eram para aplacá-lo, mas eram um lembrete de que eles poderiam muito bem destroçá-lo— Devo parabenizar minha prima, então. Eu não sabia que ela estava grávida.

Baelon sorriu, e, estranhamente, lhe pareceu sincero. Elysia não sabia como ele planejava coroar o bastardo de uma adúltera, mas, pelo seu tom e pelos seus planos, era isso o que ele queria.

—Nós dois estamos muito felizes. Ter um herdeiro torna tudo mais simples para mim. E para você também, prima; unificar novamente as linhagens pode acabar com toda essa instabilidade— ele disse.

Elysia não conseguia entender como ele poderia ser tão tolo. Aquilo seria um escândalo, ninguém toleraria chamar de Príncipe o filho ilegítimo que ele fizera com a mulher de outro homem. E apenas por cima do cadáver de Elysia sua filha se uniria àquela linhagem de instabilidade e tolice.

—Meus parabéns, Alteza. Espero que a criança nasça com força e saúde— esses foram os votos mais sinceros que Elysia conseguiu se forçar a dizer— Twylla irá gostar de ter outra criança na Fortaleza. Não é mesmo, meu anjinho?

Twylla, que estava em absoluto silêncio até então, abriu um sorriso genuíno, cheio da inocência das crianças. Elysia se orgulhava tanto dela, de seu autocontrole, sua educação impecável. Tão quieta, tão doce. Ficara calada durante toda a conversa, mas seus olhos índigo estavam atentos, deixando claro que ela havia entendido grande parte do que falavam os adultos.

—Vou sim!— ela confirmou— Sempre quis ter um primo.

Baelon sorriu para a menina, mas era um sorriso indiferente, frio.

—Você terá, Twylla— ele garantiu— E, se se comportar bem, vai ser uma bela Rainha, algum dia.

Twylla pareceu confusa, e Elysia odiou Baelon ainda mais por envolvê-la em toda aquela confusão.

—Eu não sou uma Princesa como o senhor, Alteza— a menina respondeu simplesmente.

Baelon se ajoelhou, nivelando seu olhar com o de Twylla.

—Mas você será— ele prometeu, e então ergueu a cabeça para encarar Elysia— Desde que sua mãe faça o que é melhor para você.

Ele se levantou novamente, atrapalhou os cabelos de Twylla com uma mão, e com a outra segurou o punho de Elysia. Ela sentiu vontade de arrancar os olhos dele com suas unhas, mas manteve a expressão impassível, sem esboçar nenhuma reação.

—E ela vai, não é mesmo, Lady Lannister?

E, soltando ambas, ele se afastou, deixando Elysia com o gosto amargo de fel na boca, e uma raiva por muito pouco contida fervendo em seu peito.

Ela foi direto para o seu quarto, e levou Twylla consigo. Não planejava sair pelo restante do dia, um misto de ódio e impotência quase paralisante a fazendo precisar ficar sozinha para reavaliar seus planos.

Antes daquela conversa com o Príncipe, Elysia estava começando a ter esperanças sobre o futuro. Já se fazia um ano da morte de Rhys, um ano em que ela e Twylla foram praticamente reféns dos Blackfyre. Mesmo naquela posição pouco favorecida, ela havia sido capaz de conseguir segurança para ambas na Corte; aliados, e proteção. Tinham os Lannister na retaguarda, obviamente, mas também outros contatos que poderiam agir em último caso, se estivessem em perigo. Mas toda sua rede de segurança ameaçava ruir com a interferência e os planos tolos de Baelon.

E é claro que havia um dedo de Allyria naquela história toda. Um homem tão impulsivo quanto Baelon não levaria uma ideia tão elaborada a cabo sem uma mente pensante, ainda que igualmente inconsequente, por trás.

Uma parte de Elysia gostaria de ser leal à prima. Afinal, ambas eram Lannister, e família era algo que ela sempre valorizaria. Mas não poderia ignorar a maneira como Allyria estava colocando todos eles em uma posição perigosa, brincando com a vida dos outros para conseguir poder. Ou a ilusão de poder. Porque Elysia havia começado a compreender o que a outra realmente queria: uma coroa, seja para si ou para seu filho. E uma coroa sempre trás mais riscos que benefícios. Poder real era intangível, invisível, e não ouro sobre cachos igualmente dourados. Allyria iria destruí-los todos se continuasse se achando capaz de se agarrar ao poder por se agarrar a um Príncipe que já estava há muito condenado.

Elysia tomou uma decisão. Foi até o seu esconderijo, uma tábua solta debaixo de uma cômoda, e tirou a carta que havia recebido no dia anterior. Passou alguns minutos lendo-a novamente e novamente, até decorar cada palavra; então jogou-a na lareira e a assistiu queimar. Aquela era a última ajuda que Eliar poderia lhe oferecer, mas ela lhe seria eternamente grata. Soube de sua morte no mesmo dia em que recebeu o papel, e estava determinada a fazer valer o risco que ele tomara ao se comunicar com ela.

“Ela está viva, e sabe que a culpada é você”

Uma frase simples, sucinta, mas que trazia uma pletora de significados para Elysia. Um deles era que uma de suas possíveis fontes de ajuda estava fora de cogitação. Ao invés de um amigo, havia conseguido um inimigo. Mas este lhe parecia um preço justo a se pagar por paz, e justiça. Se fosse sincera, não se arrependia, mesmo sabendo que havia feito mais uma inimiga poderosa. Poderia se virar sozinha, como sempre fez. Ou melhor, com ajudas estratégicas, que ela já sabia de onde viriam.

Havia recebido a carta no Grande Septo, diretamente das mãos da Princesa Elaena, quando ambas estavam ajoelhadas em frente ao altar da Mãe. Elysia havia visto o Mestre dos Navios, Daeron Waters, com a Princesa, e esperado até que ele saísse para se ajoelhar ao lado dela. Este havia sido um gesto um pouco audacioso, mas suas fontes já haviam lhe informado que Elaena fora vista nas redondezas da Cidadela. Então lhe parecia quase uma certeza que, se Eliar fosse lhe enviar uma mensagem, seria através dela. E esse também era um aviso implícito de que, de todas as pessoas da Corte, Elaena era uma das mais confiáveis.

Ou ao menos uma das menos traiçoeiras.

E, naquele instante, fez perfeito sentido para Elysia que algumas pessoas estivessem ansiosas para que Elaena fosse Rainha no lugar de Baelon.

Elysia já sabia onde encontrá-la, conhecia os hábitos de quase todos habitantes daquele palácio. Reparava em suas preferências, seus passatempos, seus segredos. As pessoas confiavam nela, lhe contavam coisas que não contariam a mais ninguém. Sobre seus amantes, suas traições, seus medos e apreensões. Elaena não parecia ser uma pessoa que tinha vícios naquele sentido, mas Elysia sabia que ela amava o mar. E que, todos os dias, ela observava o pôr do sol em uma das varandas da torre mais mais alta da Fortaleza.

Contrariando sua decisão inicial de não sair mais do quarto naquele dia, Elysia deixou Twylla dormindo em sua cama e saiu silenciosamente. O truque de não atrair suspeitas era andar pelos corredores com confiança e sem hesitação, como se tivesse um motivo totalmente plausível para estar ali. Como sempre, ninguém interceptou seu trajeto.

Elaena estava exatamente onde esperava que ela estaria: o rosto sardento voltado para o mar; a expressão relaxada, o que era uma raridade. A Princesa não era considerada feia, mas sua beleza não era notória como a de outras mulheres da Corte. Elysia sempre achou que ela tinha seu charme, e sabia que muitos concordavam com ela, mesmo que raramente comentassem sobre a aparência da Princesa. Provavelmente porque ela sorria muito pouco, e tampouco parecia fazer questão ou esforço para que a achassem bela.

Elaena era alta, e tinha um corpo magro e atlético, mas havia uma notória delicadeza em seus traços e trejeitos. Elysia estava ciente de que ela era uma guerreira, uma mulher perigosa, mas havia uma calma e uma certa seriedade inerentes à sua pessoa, que a faziam parecer estranhamente confiável. Ela costumava se vestir com uma distinta simplicidade, e isto também era verdade naquele momento; trajando um vestido de algodão branco e o laço azul prendendo seus cabelos para trás. Com as roupas neutras, e o mar à sua frente e os últimos raios de sol se filtrando para dentro da sacada, Elaena parecia apenas uma moça comum, tranquila, e um pouco distraída.

—É uma vista de tirar o fôlego, não acha, Alteza?— Elysia perguntou, mais para chamar a atenção da Princesa que para obter uma resposta.

Elaena se virou, a expressão, antes serena, imediatamente voltando à sua vaga tensão habitual. O cabelo dela era mais claro que o do irmão, Elysia reparou. Provavelmente por ficar tanto tempo no sol, o que também tornou seu rosto salpicado de sardas. Eles tinham traços parecidos, e os de Elaena não eram tão mais gentis assim, mas ao menos não tinham a crueldade dos de Baelon.

—Lady Lannister— Elaena pareceu surpresa, mas não necessariamente desconfiada— Sim, é uma vista muito bonita. Eu nunca soube que também era uma mulher do mar.

Elysia sorriu.

—Eu não sou— ela respondeu— Ao menos não como Vossa Alteza. Não sei navegar, mas aprecio a beleza do mar. É uma coisa que eu gostaria de aprender a fazer, um dia.

Elysia não estava mentindo sobre isso, realmente algo sobre a imensidão do oceano, a liberdade absoluta de velejar, a atraía. Elaena sorriu de volta, embora de modo mais contido.

—Eu poderia te levar em um passeio, algum dia, Milady— ela ofereceu— Mas sinto que não foi para falar sobre o mar e passeios de barco que você veio me procurar.

Não, não era. Elysia achava engraçado como a Princesa era tão objetiva. Isso deixava claro que ela era esperta, e mais difícil de manipular. Mas não impossível.

—Vossa Alteza está certa. Há outro assunto que eu gostaria de discutir— Elysia decidiu ser franca. Achava que a sinceridade funcionava melhor na maior parte do tempo, embora não tivesse muito pudor de mentir, quando necessário— É sobre a carta que Vossa Alteza me entregou.

Elaena a encarou, dessa vez a curiosidade estava clara em seu olhar.

—Eu não li a carta, se é isso o que te preocupa— a Princesa disse.

Elysia sabia que não. O selo estava intacto, e Elaena parecia aquele tipo de pessoa honrada e certinha que não violaria a correspondência alheia se não fosse uma questão de vida ou morte.

—Eu jamais desconfiaria de Vossa Alteza. Se Eliar confiava em você, eu também confio— Elysia respondeu— E é por isso que quero pedir sua ajuda.

Elaena captou o tom mais baixo e urgente de Elysia, e deu um passo para mais perto.

—É sobre, Baelon, não é?— a Princesa questionou— Eu o vi rondando os jardins mais cedo. Ele fez alguma coisa com você?

Elysia puxou as mangas longas do seu vestido com um certo nervosismo, o vento frio que soprava naquele final de tarde quase a fazendo estremecer.

—Allyria está grávida. Ele quer que minha filha Twylla se case com o bebê, se for um menino— ela contou.

Era engraçado como Elaena, apesar de se esforçar tanto para manter a expressão inescrutável, era transparente como uma folha de vidro. Elysia conseguiu distinguir claramente o choque e o horror em seus traços, apesar da expressão falsamente controlada que ela tensionou esboçar.

—Eu… eu não sei se entendi. Ele planeja tornar o filho daquela… de Allyria… o herdeiro?— a voz dela não passava de um fio frágil, e Elysia percebeu que Elaena agarrou o parapeito da sacada para impedir que suas mãos tremessem.

Elysia teria sentido pena, se não precisasse ela mesma manter seu julgamento frio.

—Foi o que Baelon disse. Mas também não sei como ele planeja isso, se vocês estão noivos…— ela manteve seu tom gentil, e arriscou colocar uma mão no ombro de Elaena, que não reagiu— Alteza, à luz desses fatos… me parece que seu irmão está fazendo planos para o reino sem o seu aval, e isso me preocupa.

Elaena não rechaçou seu toque, mas Elysia sentiu os músculos de seus ombros se tensionando sob sua palma.

—Eu já suspeitava disso, mas agora parece que é uma certeza— Elaena respondeu, sua expressão voltando à seriedade impassível de antes— Obrigada por me avisar, Lady Elysia. Se depender de mim, sua filha não vai se casar com nenhum bastardo, você não precisa se preocupar.

Mas não dependia de Elaena, Elysia pensou. Não enquanto ela fosse uma simples Princesa, e não uma Rainha. Não enquanto seu casamento com o Herdeiro fosse incerto.

Ou enquanto ela mesma não fosse a Herdeira.

Mas era cedo demais para dizer isso em voz alta. Talvez não fosse nem necessário. Pela raiva em seus olhos, a própria Princesa estava começando a contemplar tudo isso. Como tantos outros na corte também contemplavam.

Antes uma boa Rainha que um Rei louco. Aquele reino já havia tido Reis e Príncipes loucos o suficiente, ateando fogo em pessoas, e palácios, e propostas de paz. Haviam aprendido sua lição.

—Eu agradeço, Alteza— Elysia disse, e sorriu para Elaena— Se continuamos confiando uma na outra, tenho certeza que poderemos fazer o melhor para nós duas… e para o reino.


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Notas finais do capítulo

Eu adoro a discrepância entre a calma por fora e os pensamentos da Elysia, foi bem bacana de escrever kkkk! Espero que tenham gostado, até o próximo ♥



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