Klaustrofobia escrita por Yuuki Alecardia


Capítulo 2
A Morte tem seus segredos




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Apesar de já ter me acostumado com o binder, a sensação de retirá-lo era sempre de alívio. Um largo sorriso, sem humor algum, delineou meus lábios quando pensei nos repórteres enxeridos lá de fora. Eles pagariam um de seus rins por uma informação dessa. 

“Noah Klaus é, na verdade, uma mulher.”

Contudo, não havia outra forma de descobrirem a verdade, a não ser que ressuscitassem a única pessoa que sabia da verdade: Ana Piasti. Não havia mais porque esconder, no fundo eu sabia disso. Já tinha sido deserdado da família, meu pai já estava decepcionado com seu único filho. 

Entretanto, eu fui criado como garoto a vida toda e, embora não me considerasse um realmente, revelar esse segredo teria consequências. Eu não daria a meu pai a satisfação de justificar todas as minhas imperfeições por ser uma mulher. Além disso, os homens tinham uma vida mais fácil e eu, definitivamente, não precisava de mais inconvenientes na minha. Já havia escândalos o bastante para a mídia cuidar.

Enquanto a água lavava a sujeira do meu corpo, vi meu rosto refletido no vidro do banheiro e encarei minha expressão apática. Apoiando um dos braços na banheira, esperei que fosse somente água escorrendo pelo meu rosto. 

Eu tinha crises e esperava não ser o caso dessa vez. Havia um novo trabalho. A guilda me contrataria para fechar mais uma fenda e eu precisava estar de volta à minha máscara de arrogância. Contudo, só por aquele momento, talvez eu me rendesse à dor e me permitisse chorar por meu coração fraturado. 

A parte mais dura de viver era saber que eu estaria sozinho o resto dos meus dias, vivendo uma vida que não era para ser minha. E a pessoa que me tornei estava muito longe da que queria ser. Era arrogante, inconsequente e, algumas vezes, impertinente. Pensava o pior dos outros e de mim mesmo. Meu poder era apenas um dos meus muitos defeitos. Eu não traria orgulho para minha mãe se ela estivesse aqui.

O banheiro cheio de vapor estava claustrofóbico a ponto de me fazer querer sair. E, quando de fato o fiz, a sensação permaneceu. Não era o banheiro, a claustrofobia estava dentro de mim.

Depois de vestir uma camisa confortável de algodão, verifiquei os detalhes do trabalho no celular. Faríamos o serviço em um grupo, o pagamento viria após fecharmos a fenda e, por último, a guilda não se responsabilizaria por nossa segurança.

— Quem são os sortudos? – Murmurei para mim mesmo, enquanto abria o arquivo sobre meus companheiros de missão. Mais três pessoas com poderes socialmente aceitáveis. Telecinese, super-velocidade e teletransporte.

Apesar da ideia de passar o dia dormindo ser tentadora, puxei o casaco, ajeitei o cabelo e, estando minimamente apresentável, saí pela porta da frente. Precisava comprar equipamentos novos e passar na guilda para confirmar a missão no dia seguinte. 

Felizmente, não tive stalkers, curiosos, nem repórteres no meu encalço, enquanto dirigia para a guilda. O trânsito de Campinas era sempre complicado, mas a dor de cabeça ainda puxava meu costumeiro mau-humor para mais baixo. 

Quando abri as portas da guilda, minha súbita aparição assustou alguns funcionários e despertados que ali estavam. Não era segredo que eu fazia parte da guilda, afinal eu também era um despertado em busca de serviço. Não pelo dinheiro, é claro, muito menos por algo tão fajuto quanto glória. Eu só queria me ocupar com algo. 

Ainda assim, minha reputação me acompanhava onde quer que fosse. Recebi alguns olhares, enquanto me direcionava à recepção.

— Senhor Piasti. – A recepcionista me cumprimentou.

A expressão que fiz assustou a mulher. Era jovem, talvez não muito mais velha do que eu, mas seu medo a fez parecer mais nova. 

— Klaus. – Sabia que ela não tinha culpa por se esquecer de que eu fui deserdado, mas não fui gentil ao corrigi-la.

— S-senhor Klaus.

— Vim assinar os termos da próxima missão. – Minha voz rouca carregava um tom arrogante e eu sabia que a maioria das pessoas me considerava um playboy mimado, mas não ousava falar na minha frente. 

— Ah, é claro. – Entregou-me um papel e deixou a caneta na mesa, para que eu a pegasse. Era um pequeno detalhe que denunciou seu receio. Como poderia culpá-la? Ainda assim, isso me incomodou.

Assinei e aproximei-me dela, que se encolheu na cadeira, o suor brotando no rosto. 

— Por que o medo? Eu não mordo. – Brinquei, embora meu humor continuasse péssimo.

Estendi a caneta e a folha e suas mãos trêmulas se atrapalharam, mas ela os segurou. Sabia que estava apavorada, mas não pude evitar um sorriso frio.

— Obrigado. Até a próxima. 

Deixando a mesa da recepção, caminhei rumo à saída. Os outros despertados perceberam o desconforto da mulher. Um deles, visivelmente incomodado, deu um passo em minha direção. Eu o ignorei, embora ouvisse seus passos atrás de mim.

— Noah Klaus.

Parei ao som do meu nome e me virei, curioso. Alguns despertados olharam o rapaz, com perplexidade estampada na cara.

— O que você falou para ela?

Revirei os olhos. 

— Não falei nada demais. Pode perguntar. 

— É claro que ela não diria nada, com você aqui... 

Era tudo o que eu precisava. Um macho alfa querendo proteger a donzela em perigo do playboy malvado. A dor martelou minha cabeça.

— Não estou com muita paciência hoje. Quem sabe outro dia? – Virei-me para sair pela porta da frente, quando o senti agarrar meu ombro. A camada de tecido entre seus dedos e minha pele o protegeu da morte instantânea. Mas, eu tinha que admitir que ele tinha coragem. Ao menos, mais coragem que a maioria dos barbeiros da cidade.

Uma série de murmúrios explodiu na recepção, enquanto minha raiva aumentava. A ressaca não estava me ajudando a manter a calma. Normalmente, eu teria um pouco mais de paciência, mas o humor péssimo afastou um comportamento mais racional.

— Não me toque. Eu já disse que não fiz nada. – Fitei-o, suspirando audivelmente e forçando-o a desencostar. 

— Então por que ela estava desconfortável?

Dei de ombros, embora soubesse muito bem que eu era a causa do desconforto da mulher. E ser simpático ou não jamais mudaria o estigma que meu poder e meu passado trazia comigo.

— Ela é sua garota, por acaso? Está com ciúmes? – Soltei uma provocação, seguida de uma risada seca. 

— Não de um moleque como você. E, na verdade, sim, ela é minha namorada. – Ele não parecia estar mentindo.

Talvez achasse que eu a estivesse importunando?

— Bem, não estou interessado nela. Satisfeito?

— Não até você pedir desculpas.

Algo em sua expressão me fez ficar com raiva. Julgamento. 

— Pelo quê? Por ter entregado meus papéis? 

— Pelo que quer que tenha a feito ficar desconfortável. 

— Não fiz nada de que precise me desculpar. Agora, se me dá licença.

— Seu filho da pu – 

Meus nervos estavam à flor da pele, minha cabeça doía e eu só queria assinar a porcaria de um papel. E, jamais o permitiria ofender a minha mãe.

O rapaz desabou no chão, tremendo, assim que liberei a aura da morte. Minha habilidade secundária não era tão perigosa, mas era extremamente desagradável. O despertado ofegava, a pele empapada de suor e, pela sua expressão pálida, estava prestes a vomitar.

— Nunca mais encha a porra do meu saco.

Saí do estabelecimento com a cabeça latejando mais forte. Chegando em casa, percebi que tinha esquecido de comprar os equipamentos. Soltando um palavrão, joguei-me na cama do quarto e lá fiquei até apagar.


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