Klaustrofobia escrita por Yuuki Alecardia


Capítulo 1
A Maldição de Noah Klaus


Notas iniciais do capítulo

Olá, aqui estou mais uma vez com uma história baseada em RPG. Porém, em vez de retratar os acontecimentos da campanha, resolvi detalhar um pouco mais da vida do personagem com o qual joguei.
Espero que se divirtam!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/811838/chapter/1

O chão molhado fedia a urina, mas não o suficiente para me fazer levantar. Estava cansado demais para isso. 

Para qualquer outra pessoa, dormir na rua seria perigoso, mas ninguém se atreveria a se aproximar de mim, nem mesmo para roubar. Embora eu teria agradecido se alguém me desse um tiro. Mas não levei tiros naquele dia. Talvez os assassinos também tivessem receio de se meter comigo. Eu era um deles, afinal. 

Noah Klaus, ex-herdeiro da família Piasti. Estatelado na sarjeta com álcool até os ossos. Papai iria adorar. 

Naquela madrugada quente, tive pesadelos. O dia em que fui amaldiçoado. 

Nunca fui uma pessoa normal, se algum dia me perguntar. Eu nasci especial. “O primogênito” dos Piasti, um clã muito rico e importante do estado de São Paulo, jamais seria alguém comum. Noah Piasti já foi o meu nome e eu fui criado para comandar a família desde muito cedo. No entanto, notas excelentes, uma boa aparência e nem mesmo o berço de ouro me salvariam do destino.

Uma certa tarde, o mundo ficou estranho. Gente começou a soltar fogo pelos olhos, controlar tempestades e criar relâmpagos com sua própria vontade. A onda de supers levou a normalidade para longe das ruas e me trouxe apenas tormento.

Anestesiado pela bebida e nublado pelo sonho, é fácil me lembrar sem me sentir quebrar por dentro. Mas eu não queria me lembrar, eu queria me afogar no álcool e esquecer. 

A ressaca, consequência da grande quantidade de bebida da noite anterior, me acordou como uma paulada na cabeça. Antes de me obrigar a abrir os olhos cansados, ouvi murmúrios. É claro que já haveria uma pequena multidão de curiosos. Não havia ninguém que não tivesse ouvido falar de mim.

— Não se aproxime dele, se não quiser morrer.

Com esforço, ergui o corpo do chão, sentindo-me quase tão quebrado fisicamente quanto deveria estar minha alma atormentada.

— Acabou o show, pessoal. – Anunciei, forçando minha melhor voz rouca. – Vão encontrar algo melhor para fazer.

Notei, no meio das pessoas ao meu redor, um par de repórteres. Então não eram apenas curiosos. O pensamento de que sairia no jornal novamente teria me feito rir, se eu tivesse algum resquício de humor dentro de mim.

Com pouca dignidade, dei alguns passos em direção a eles, que se afastaram rapidamente, como se eu estivesse contaminado por uma doença altamente contagiosa. Satisfeito, caminhei sem ser impedido até meu pequeno apartamento a três quadras dali. 

Mas eu estava cansado até a alma e tive que parar para descansar. 

Todo poder vem com um custo e todos os despertados sabem disso. Embora achasse que meu próprio poder já era preço suficiente a se pagar, não fui exceção. Além do vício em álcool, desenvolvi uma fraqueza anormal, como efeito colateral do meu despertar. Nem sempre fui assim.

Um dia já fui considerado desejável, atlético até. Naquele momento, contudo, era apenas uma sombra do que já tinha sido. Meus cabelos negros e curtos deviam estar uma bagunça. Tinha um corpo esbelto e alto, mas sabia que não restava muito de minha elegância do passado. Já fui uma celebridade, o herdeiro de um conglomerado importante, embora tenha me tornado outro tipo de celebridade. Do tipo polêmica.

O apartamento estava vazio, com meus poucos pertences. Não havia plantas, não poderia haver. Não havia animais, nem mesmo mosquitos se atreviam a se aproximar. 

Afinal, tudo o que me tocasse morreria. Até os insetos sabiam disso, deveriam sentir a aura mórbida que me rodeava.

Dormir na calçada de pedra não foi benéfico para minhas dores. Meu pescoço dóia terrivelmente. O cheiro de álcool impregnava minha pele e sabia que precisava de um banho. Entrei no banheiro e fitei meus olhos escuros sem brilho.

Minha pele pálida estava em um estado um pouco pior do que de costume. Sorri para minha figura patética, embora o sorriso não tenha alcançado as íris negras. Será que todos os assassinos teriam aquele olhar? 

De fato, meus cabelos estavam uma bagunça. Os cabelos negros que um dia foram lustrosos, estavam embaraçados e sujos. A franja negra passava a linha dos olhos, indicando que necessitava de aparo. Mas quem se arriscaria a cortar os cabelos de Noah Klaus? 

Dando de ombros, me afastei do espelho e peguei uma tesoura.

Seria fácil enfiá-la em meu pescoço e acabar com isso. Mas nem minha maldição, nem a tragédia do meu passado foi o suficiente para me fazer acabar com minha própria vida. Algo dentro de mim me impedia. Mesmo sabendo que ninguém daria falta de alguém que tinha matado a própria mãe. Mesmo quebrado, eu não queria morrer.

Então, apenas cortei os fios que passavam da linha dos olhos, reparando nas terríveis olheiras que demarcavam as pálpebras inferiores. Eu sabia que não poderia culpá-los por pensar que eu era a própria Morte. Com aquela aparência, mesmo eu pensava que poderia ser.

Liguei a água quente da banheira e busquei comprimidos para dor de cabeça. Como pensei, meu celular ainda estava no bolso, com algum resquício de bateria. Havia uma mensagem da guilda. Um novo trabalho. 

Não precisei navegar muito para encontrar uma foto minha deitado na calçada. Ri, sem humor algum.

O que minha mãe diria se me visse agora?

— Noah, você está tão pálido… – Relembrei a última vez que a vi, antes que ela me abraçasse e se desfizesse em cinzas.

A memória me causou náuseas e algumas lágrimas que há muito não se manifestaram, teimaram em escorrer pelo meu rosto.

Naquele dia, o despertar me fizera intocável. E minha mãe foi a primeira a morrer por isso. Se, ao menos, tivesse um aviso. Além do mau pressentimento e o frio que encobriu meu coração, naquela tarde quente. 

As memórias me invadiram antes que eu pudesse barrá-las, como se quisessem me fazer sofrer ainda mais. 

Estávamos tomando café na varanda, minha mãe e eu, até que o frio cobriu minha pele e ela se levantou, a expressão levemente preocupada, vindo até mim.

— Noah, você está tão pálido… – E avançou para um abraço com a morte, sem saber.

O choque de ver minha mãe secar e se tornar pó deveria ter me quebrado irremediavelmente, pois, naquele dia, os seguranças me encontraram encolhido em um canto, murmurando coisas sem nexo. Deveria ter insistido para se afastarem, mas eles não teriam ouvido de qualquer maneira. 

Um dos seguranças me tocou e se converteu em uma pilha de cinzas, fazendo o outro homem olhar-me com absoluto horror. 

Naquele dia, mesmo que o mundo tenha se tornado um caos de pessoas despertadas, eu, o garoto que matou a própria mãe com o toque da morte, tive o rosto estampado na capa dos principais jornais do país.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Klaustrofobia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.