Pior do que o mal escrita por The Bringer of Rain


Capítulo 9
Capítulo 9




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Trinta minutos depois, Mei Mei e Ogata encontraram-se na saída do hotel. Mei Mei vestia seu habitual macacão negro de manga longa, sua longa trança caindo à frente do rosto. Ogata, por sua vez, trajava um moletom preto e tênis da mesma cor, a grosso modo pareciam apenas interessados numa caminhada noturna, se é que fosse possível.

O céu, antes chuvoso, agora apenas nublado, sem lua à vista. Os pingos tinham cessado, deixando as ruas de Shenyang úmidas e brilhantes sob a luz dos postes. Eles partiram a pé, caminhando em um silêncio confortável que só é compartilhado por aqueles que entendem a gravidade de sua missão.

— Explique-me sobre a batalha de Mukden, foi a batalha final da guerra russo-japonesa, não foi? — Mei Mei quebrou o silêncio, sua voz calma, mas sem traços de curiosidade, mais como se estivesse testando Ogata.

Ogata olhou de soslaio para ela, avaliando seu pedido antes de responder. Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos do moletom, protegidas do ar frio da noite ou simplesmente segurando algo que não queria que ficasse à vista.

— Foi em 1905. Foi uma das maiores batalhas terrestres da guerra russo-japonesa. — Começou ele, sua voz baixa para não atrair atenção. — Durou cerca de três semanas e envolveu mais de meio milhão de homens no total. Os japoneses, liderados pelo General Oyama, conseguiram cercar e derrotar as forças russas.

Enquanto ele falava, eles passaram por vitrines de lojas fechadas e restaurantes cujos clientes ainda aproveitavam as últimas horas de operação. Um ou outro carro cruzava a estrada, mas não surgiam em grande quantidade, os ônibus menos ainda.

Mei Mei ouvia atentamente, embora seu rosto permanecesse impassível.

— O cerco foi uma tática crucial. — Continuou Ogata, desviando os olhos para o chão molhado que refletia as luzes da cidade. — Os russos foram forçados a recuar para o norte, e essa derrota foi um ponto de virada significativo na guerra, levando ao fim das hostilidades pouco depois.

Mei Mei assentiu levemente, os olhos fixos à frente, observando cada detalhe da caminhada noturna. Seus passos eram firmes, e a trança balançava suavemente a cada movimento.

— Interessante. — Disse ela, com um leve tom de provocação na voz. — E por qual razão você parece discordar de algo?

— Pessoalmente, acho que a estratégia foi mais sorte do que habilidade. — Continuou Ogata. — Oyama confiou demais na tática de cerco, uma aposta arriscada que poderia ter facilmente se voltado contra ele. Os russos tinham mais soldados, estavam mal preparados, é verdade, mas se tivessem respondido com um pouco mais de coordenação, o resultado poderia ter sido desastroso para os japoneses.

Mei Mei levantou uma sobrancelha, interessada na crítica do atirador.

— Então, você acha que foi um jogo de azar?

— Em parte, sim. — Ogata assentiu, seu tom ganhando uma nota de ceticismo. — Claro, havia habilidade envolvida, mas subestimar o inimigo e apostar tudo em uma estratégia que depende da falha do oponente não é exatamente uma tática brilhante. Não quero tirar os méritos do exército imperial, mas a Rússia não era grande coisa também, e o Japão é experiente com tantas invasões estrangeiras que suportou e guerras internas.

Mei Mei assentiu levemente, os olhos fixos à frente, observando cada detalhe da caminhada noturna. Seus passos eram firmes, e a trança balançava suavemente a cada movimento.

À medida que se aproximavam do ponto de ônibus, a conversa tornou-se ainda mais discreta, seus sussurros foram se dissipando. O ponto de ônibus era iluminado de forma tênue, oferecendo um refúgio temporário da escuridão que os envolvia. A espera pelo ônibus deu a ambos um momento de contemplação silenciosa, a companhia só era aumentada pela dupla de insetos abaixo do banco.

O ônibus elétrico chegou, deslizando silenciosamente até o ponto. Mei Mei e Ogata subiram a bordo e ocuparam um lugar no fundo do primeiro andar. O veículo estava quase vazio, exceto por alguns papéis de doce e latas espalhadas nos cantos. Um dos bancos tinha o estofado recentemente costurado, o tecido novo contrastando com o restante.

Uma ou outra pessoa estava dentro do ônibus tirando eles, mas nenhum tentou contato visual ou pareceu particularmente interessado na dupla.

Mei Mei quebrou o silêncio com uma pergunta.

— E quanto à participação do Capitão Hiroshi Kurogane na batalha de Mukden?

Ogata olhou pela janela por um momento, recolhendo seus pensamentos, antes de começar a falar.

— Hiroshi Kurogane veio de uma família de tradição militar, diziam que poderiam traçar sua linhagem desde antes do Shogunato. Ele subiu a hierarquia militar rapidamente após terminar a escola de oficiais e conquistou certo prestígio. Em Mukden, ele estava no flanco esquerdo com o 5º exército japonês.

Ele fez uma pausa, seus olhos percorrendo o interior do ônibus enquanto lembrava os detalhes que, aparentemente já havia estudado.

— Antes disso, liderou seu grupamento no 3º exército japonês durante a queda de Port Arthur. Devido à ausência de líderes competentes abaixo dos generais, ele foi colocado no 5º exército, que era composto por reservistas e aposentados. O marechal Iwao ordenou um ataque total, e com sorte, o rio Hun continuou congelado, não atrapalhando os planos japoneses. - Ogata escorou as costas no banco e meneou a cabeça para os lados. - O capitão Hiroshi morreu em campo de batalha com bravura, segundo os livros. Foi alvejado tantas vezes por tiros e ainda assim se negava a cair, como se estivesse possuído. Só então, com o fim do combate, veio a óbito.

Mei Mei absorveu a informação em silêncio, o rosto impassível. Ogata, de forma nem tão diferente, dizia sem transpassar qualquer emoção patriótica ou algo do tipo.

Enquanto o ônibus avançava pelas ruas molhadas, o cenário urbano de Shenyang passava diante de seus olhos. Os prédios altos iluminados pela luz artificial da cidade, com reflexos nas poças de água, criavam um espetáculo de cores e formas. O trânsito era escasso àquela hora, e a noite estava tranquila, exceto pelo som ocasional de um carro passando rapidamente.

A paisagem começou a mudar gradualmente. Os edifícios deram lugar a áreas mais arborizadas e parques mal iluminados. O ar parecia mais fresco, menos poluído pela movimentação incessante da cidade. Ogata continuou falando pausadamente, cada palavra pensada e colocada com cuidado.

— Os livros didáticos e a nossa cultura veneram heróis de guerra ou grandes guerreiros. A bravura de Kurogane é uma história comum em relatos militares, mas a forma como ele morreu...não me enche os olhos. — Ele fez uma pausa, olhando para Mei Mei. — Você disse que maldições se alimentam de emoções negativas e desgraças, não é?

Mei Mei olhou para ele, uma expressão de leve curiosidade em seu rosto.

— Quem sabe? — Respondeu ela. — Às vezes, a determinação de um homem pode parecer sobrenatural.

O ônibus parou perto do parque onde ficava o templo budista, seu destino final. Eles desceram do ônibus.

— As maldições são emoções com emoções, ou seja, emoções sensíveis. Mas também podem representar o coletivo, como de desastres naturais. — Explicou ela. — Os feiticeiros Jujutsus, ou xamãs, são treinados em técnicas amaldiçoadas, usamos de energia amaldiçoada para conseguir operar feitiços. Nós feiticeiros, somos quem pode ver e combater essas maldições, ou melhor, exorcizá-las. A energia amaldiçoada também pode ser usada para fortalecer armas e artefatos, realizar rituais e até ampliar a habilidade física dos feiticeiros. Porém o uso excessivo e inadequado dessa energia amaldiçoada pode levar a resultados ruins, como a corrupção do usuário ou a possibilidade de ele ser completamente consumido.

— Contudo, há clãs entre vocês, famílias que perpetuam poderes e tradições, não é?! — o questionamento de Ogata levantou certo interesse de Mei Mei, mas ela ainda não transpareceu o caso.

— Vejo que se preparou bem. Sim, as técnicas em si variam bastante, e cada feiticeiro tem suas habilidades próprias e particulares baseadas em suas afinidades com a energia amaldiçoada. Algumas famílias, porém, podem deter certo tipo de cultura no uso e manipulação da energia, ou mesmo desenvolver certos dons que podem ser passados por gerações.

Eles andaram até a entrada do parque. Apesar do horário ele ainda estava aberto e algumas pessoas podiam ser vistas se locomovendo pelo local, desde vigias fazendo suas rondas até pessoas comuns em suas caminhadas noturnas. Estavam na entrada leste, e o templo ficava localizado na colina ao sul, o que significava mais alguma caminhada.

— Realmente me parece coisa nossa. Uma mistura do animismo japonês onde existe alma em tudo quanto é coisa, do espírito do rio até o espírito do pardal, com um pouco de xintoísmo e xamanismo. — Ele retrucou parando por um momento para amarrar o cadarço. — Parece coisa de jovem místico com coach quântico. Uso de talismãs e amuletos, rituais e cura. A exata veia terapêutica que serve como suporte psicológico e espiritual nos adultos desesperados.

Mei Mei sorriu, quase que genuinamente. Fosse pelo ponto de vista anormal ou por qualquer outro absurdo que possa ter notado.

— Você realmente se preparou, não foi?

— Não foi só você que fez a pesquisa antes de ir a campo.

A conversa iria se desenrolar por mais algum tempo enquanto seguiam em direção ao templo. Apesar de parecerem relaxados, ainda estavam atentos, sobretudo para com os corvos que sobrevoavam o local.


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