Porque Barbie era AroAce escrita por Pinkie Bye


Capítulo 1
I'm a Aroace girl, in the allo world


Notas iniciais do capítulo

Olá, amores! Tudo bem? ♥
A ideia desse plot estava há meses guardada em meus arquivos do drive, acredita? Tudo começou no lançamento do filme, quando encontrei headcanons sobre a Barbie da Margot Robbie ser Assexual e Arromântica, através da página "diário aberto aroace", @ar0aces, do X (antigo Twitter) e edits do Tiktok e aí eu pensei: Por que não escrever algo a respeito?
Originalmente era pra ser uma one-short drabble, mas a ideia se expantiu na minha cabeça e o resultado foi esse. A fanfic é uma two-short e logo mais trago para vocês o capítulo 2.
Aproveitei também que o desafio de song-fics está rolando nesses três primeiros meses do ano aqui no Nyah! para participar, e como a versão original da música da Aqua já é uma paródia em si, resolvi aproveitar essa pegada.
Essa é a primeira de 3 histórias que estou desenvolvendo para esse desafio, as demais chegarão em breve (espero!)
E é isso! Espero que gostem e boa leitura! ♥



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“Eu sou uma Barbie, no mundo Barbie

A vida de plástico, é fantástica”

(Barbie Girl - Aqua)

 

BARBIE NÃO AMAVA KEN. Ela sentia falta de sua companhia, de sua amizade, claro, mas não era algo romântico.

Na verdade. Barbie nunca foi apaixonada por ninguém.

Conhecer o mundo real era algo mágico. Desde que Ruth Handler lhe concedeu a oportunidade de viver no mundo humano, sua vida fantástica virou de cabeça para baixo. Estava morando na casa de Gloria e Sasha, enquanto estivesse na jornada de conhecimento e de se estabelecer financeiramente.

Depois de meses sendo freelancer, a lanchonete onde trabalhava a contratou e ela se sentiu imensamente feliz. Ela sabia que Gloria e sua família a acolhiam de coração, mas era impossível não se sentir um “encosto” ao morar lá de graça, sem lhe pagar um centavo.

Barbie acordou renovada aquela manhã. Penteou seus cabelos — ainda não havia se acostumado 100% com aquela escova pequena —, vestiu sua melhor roupa rosa e foi preparar seu omelete.

O marido de Gloria preparava bacon e ovos para a esposa. Em um prato de coração, os ingredientes formavam uma carinha feliz e ele havia comprado um buquê para ela. Quando Barbie entrou na cozinha, eles trocaram um selinho.

— Feliz dia de São Valentim, minha princesa! — Ele disse, sorrindo.

— Feliz dia pra você também, meu amor! — Ela respondeu.

Sasha, que geralmente iria revirar os olhos diante daquela demonstração de breguice, estava distraída em seu celular, dando meio sorrisos. Barbie estranhou.

— Oi, Gloria! Oi, Sasha! — Barbie disse, com um largo sorriso, e acenando para elas.

— Oi, Barb! — Sasha respondeu sem tirar os olhos do celular e levando um bacon à boca.

— Bom dia, querida! — Gloria respondeu com um sorriso. — Pedi para que George fizesse uns ovos e bacons a mais pra você.

— É muita gentileza da parte de vocês. Agradeço.

Serviu-se e observou que o casal de adultos ainda estavam melosos e falavam sobre o tal São Valentim. Enquanto Sasha ainda estava vidrada no celular e suas bochechas apresentavam um tom avermelhado. Arqueou a sobrancelha.

— Posso fazer uma pergunta? — disse, soltando os talheres.

— É claro. — respondeu o marido de Gloria.

— Então, o que é esse dia de São Valentim que tantos falam?

— É o dia do amor. — Sasha começou. — É quando os bobos apaixonados comemoram sua sorte no romance. Isso até eles descobrirem que são cornos.

— Sasha! — Gloria corrigiu.

— Mas é só esse tipo de amor que é celebrado?

— Não, o amor em geral é celebrado. Porém o romântico é o que tem mais foco, entende? E geralmente esse amor é tão heteronormativo que chega a ser sem graça.

— E o que tem demais em ser hétero? — O pai de Sasha perguntou.

— É sério? — A adolescente bufou cansada e voltou a olhar o celular.

Seus pais se entreolharam e depois olharam para Barbie, que deu de ombros, perdida.

— Tem algo que precisa nos contar, querida? — Gloria perguntou, estendendo a mão e tocando na da filha, que recuou.

— Nada, só tô atrasada pra escola. — revelou, pegou sua bolsa e saiu.

Barbie notou o clima pesado e se levantou.

— Também tenho que ir, meu turno começa cedo hoje. Tenham um bom dia de São Valentim! — desejou, saindo de casa.

— Igualmente! — Gloria respondeu.

— Amo vocês! — Barbie complementou.

[...]

Barbie sabia que as pessoas tinham segredos e claramente Sasha tinha segredos. Era alguma coisa em seu comportamento ou eu seus sorrisos que entregavam isso. De qualquer forma, se Sasha não queria falar sobre isso, iria respeitar seu espaço.

Caminhou até o trabalho. A lanchonete era grande e bonita, com móveis de tons rosa, o seu estilo lembrava aos restaurantes da Barbielândia. Cumprimentou sua gerente, Ester, vestiu o uniforme, pegou seu bloquinho e a caneta e passou as próximas 6 horas avistando casais entrando e saindo. Os combos feitos especialmente para aquela data venderam aos montes.

Os casais pareciam tão felizes. Observou as mãos dadas, os olhares sinceros e profundos, as covinhas graciosas que surgiam em suas bochechas. Vivenciava um misto de emoções. Metade de si queria viver isso algum dia com alguém, enquanto a outra não. 

Essa confusão fazia seu coração bater descompassado no peito, nunca havia se sentido assim antes quando via outras Barbies com seus Kens, então porque aqueles sentimentos — solidão, inveja? — surgiram em seu peito logo agora?

No final do turno, se despediu de Ester e seu colega, também garçom, David, correu ao seu encalço.

— Barbara, espera! — Ele gritou quando ela já se encontrava na esquina.

— Oi, David! — respondeu, virando-se para ele e segurando firme na alça da bolsa rosa. — Precisa de alguma coisa na loja?

— Não, não tem nada haver com o trabalho.

— Então…?

— Quer ir comigo no Pottimer’s Bar? É um pub que fica aqui perto.

Barbie ficou boquiaberta.

— Fui muito direto, desculpa.

— Não! Não é isso. — Ela se apressou. — Tá tudo bem, é só que não estou muito acostumada com essas coisas. Mas… tudo bem, vamos tomar um drink para comemorar nossa solteirice.

— Se quer ver por esse lado…

— Parece ser legal. A Ester e a Trudy vão conosco?

— Na verdade, vai ser só nós dois. Algum problema pra você?

— Nada, mas elas não podem ir junto?

— Podem, é só que… — Coçou a nuca. — Eu queria passar um tempo a sós com você — admitiu e corou.

As expressões corporais, Sasha havia lhe contado o que significava quanto um cara estava assim.

— Aaah, agora eu entendi. Está me chamando pra sair.

— É, se não se importa. Não quero te obrigar a nada.

— Tudo bem, me parece legal, é bom conhecer outros lugares.

Subiu em sua moto, mas antes mandou uma mensagem para Gloria. Durante o trajeto, sentiu seus cabelos louros balançarem enquanto costuravam os carros. O vento estava frio e o pub se encontrava do outro lado da cidade.

Ao chegarem, o ambiente estava lotado e o som ambiente dava para se ouvir na outra rua. No estabelecimento, David pediu dois drinks e se ofereceu para pagar. Enquanto ele estava indo pra terceira dose, Barbie decidiu ir devagar, apenas um copo bastava, ainda não estava habituada com aquele tipo de bebida.

Puxaram assunto sobre o trabalho, o novo videogame que lançou, a banda favorita dele, até o assunto ir parar sobre as ex-namoradas de David — que eram todas malucas, segundo o mesmo.

— Ela realmente não me entendia, custava me perdoar? Foi apenas uma recaída, um momento de fraqueza, sou um homem, afinal de contas, é de minha natureza.

Barbie, apoiando a cabeça na palma da mão, deu mais um gole em seu drink e revirou discretamente os olhos.

— Que barra, hein? — disse, repetindo o vocabulário de Sasha, toda vez que estava no telefone com as amigas.

— Enfim, quem perdeu foi ela, afinal, fui um bom namorado, mesmo cansado, eu a acompanhava na hora de sair da academia. Eu a dediquei meu precioso tempo, o que ela queria mais? Duvido que aquela sapatona que ela arrumou esteja sendo boa para ela.

“O que eu ainda estou fazendo aqui mesmo?” Barbie se questionou.

Aquele discurso, parecia até mesmo o Ken em seu delírio, ao reivindicar seu patriarcado na Barbielândia, só que de um jeito onde ele realmente seria o vilão, e não só um bobo sem conhecimento de mundo. 

— Mas agora isso é passado, meu presente é outro. — dizendo isso, David se inclinou e Barbie afastou a cabeça para trás e com as mãos, o empurrou de leve.

— Desculpa, mas… não.

— Por quê? — perguntou incrédulo, num tom um pouco irritado.

— Primeiro que eu nem sei fazer isso e segunda porque eu não quero fazer isso.

— Calma, você tem quantos anos? — riu com escárnio.

— 25.

— E nunca beijou?

“Como dizer para ele que beijos não eram um requisito comum na Barbielândia?”.

— Qual o problema? — Abraçou o próprio corpo, um incômodo crescente subindo seu corpo. — Acabei de afirmar que não quero te beijar, e você só prestou atenção nisso?

— Nada, é só impossível de acreditar. Você é mulher e é uma gata.

— Não gostei do seu tom. Quer saber — Levantou-se e pegou sua bolsa. — Tchau!

— Ei! Espera, o que eu disse…

Andou com pressa entre a multidão que dançava e agradeceu mentalmente ao ver que ele havia a perdido de vista. Em um lugar afastado, dentro de uma cafeteria, Barbie pediu um Uber.

David era tão babaca, será que todos os homens eram daquela maneira? Os que se salvavam certamente já deveriam estar comprometidos…

Definitivamente, estava sem um pingo de vontade de ver David no trabalho no dia seguinte.

[...]

Barbie chegou silenciosa em casa. Adentrou no quarto que dividia com Sasha e chorou contra o travesseiro. Sasha, que estava deitada do lado oposto, ouvindo música em seu celular, retirou os fones de ouvido e se voltou para a loira.

— Tá tudo bem, Barbie? — perguntou colocando o celular na escrivaninha.

— Tá, tá sim. — disse entre soluços.

Comovida, Sasha se levantou e se sentou na cama de Barbie. Massageou suas costas.

— Você sabe que pode contar qualquer coisa pra mim, não sabe?

— Eu não sei se você iria entender. Nem eu me entendo…

— Eu posso tentar. — garantiu com um sorriso.

Barbie fungou e sentou-se na cama, secando as lágrimas com a palma da mão.

— É que, hoje é o dia de São Valentim, o dia do amor — Revirou os olhos. —, e eu me dei conta que nunca me apaixonei por ninguém, entende? Nem aqui, nem na Barbielândia. E agora de noite aconteceu uma coisa que me deixou mal. O David, sabe, aquele meu colega da lanchonete?

Sasha assentiu. Barbie continuou:

— Então, ele me chamou para um encontro. No começo não entendi muito, mas depois aceitei, para não parecer chata. Ele me pagou um drink e depois veio com um papo esquisito sobre às ex deles e de que tinha interesse em mim, que queria me beijar. Eu não me senti confortável e o afastei.

— Você fez certo.

— Mas ele não deve ter pensado isso. Ele não gritou, mas percebi pelo seu tom que ele estava bravo. Ele foi ríspido. Debochou por eu nunca ter beijado e olhou para mim como se eu fosse esquisita, como se eu estivesse com defeito. Eu saí da Barbielândia porque estava com defeito, para início de conversa. E agora que eu sou humana, eu acho que continuo com defeito. — Seus olhos se encheram de lágrimas mais uma vez.

— Barbie, cada um tem seu próprio tempo, beijos são superestimados e você é perfeita do jeitinho que é. E eu não estou falando isso por falar. Você sabe quando estou sendo irônica.

— Mais ou menos. — disse, cobrindo o rosto com as palmas das mãos.

— Mas agora estou sendo sincera, juro. — Tocou seu ombro. — E se ele achou ruim, o defeituoso aqui é esse David. Um tremendo babaca. Ele acha que as mulheres sempre tem que estar ali, para satisfazer os desejos dele? Homens são tão idiotas…

— Pois é. — Voltou o olhar para a garota. — Ele também achou impossível eu nunca ter me apaixonado, mas eu não disse isso para dispensar ele. Eu realmente nunca me apaixonei, eu acho. Pesquisei a definição de amor e não me identifiquei com nada descrito. Os homens não me parecem minimamente interessantes, as mulheres também não. Tipo, eu acho pessoas bonitas e amo pessoas, da minha maneira, e amo ser uma amiga intensa, mas não me vejo em um relacionamento.

— Barbie, você já ouviu falar de assexualidade e arromanticidade?

— Não. — Ela encarou Sasha nos olhos. — Do que se trata?

Sasha respirou fundo.

— Espero que não tenha que acordar cedo amanhã, porque a explicação é longa. — brincou e as duas riram. — Vamos começar pela assexualidade. A assexualidade é uma orientação sexual caracterizada por quem sente nula, pouca, condicionada e/ou fluída ATRAÇÃO sexual. O termo "assexualidade" abrange várias micro-identidades dentro dele, e é o que chamamos de espectro assexual. Podemos enxergar a assexualidade como um guarda-chuva de orientações, onde assim como o termo “trans” abrange identidades como agênero, gender-fluid, não-binário... a assexualidade abrange identidades como, demissexual, ace-estrito, frayssexual, entre outros. Compreende?

— Acho que sim. É um pouco confuso num primeiro momento, mas achei bem inclusivo.

— Ótimo! É importante lembrar que assexualidade NÃO é sobre não gostar de sexo, e sim sobre a MANEIRA como você se atrai sexualmente, ou seja, ela diz de que forma e com que intensidade você sente atração sexual por outras pessoas.

— Mas eu não sinto vontade de beijar e nem de ter um contato mais íntimo, mesmo assim, eu me enquadro como assexual? — questionou, com a mão no queixo.

— É claro que sim! Não há uma fórmula certa para ser ace, somos diversos, e independentemente de qualquer coisa somos válidos.

— Entendi. E agora, o que é ser arromântica?

— Uma pessoa arromântica é alguém que sente pouca, condicional ou nenhuma atração romântica. Isso significa que elas não sentem o desejo ou a necessidade de desenvolver relacionamentos amorosos ou românticos da mesma maneira que a maioria das pessoas. A orientação arromântica é parte do espectro de orientações românticas e se difere da orientação assexual, que se refere à falta de atração sexual. Logo, não é obrigatório ser ace e ser aro junto, apesar de que existem pessoas que pertencem aos dois aspectos. Ou a-spects, como nós aces costumamos fazer trocadilhos.

— “Nós aces”. Você também se identifica como ace?

— Sim. Posso te contar algo que nem minha mãe sabe?

— Claro, estamos sendo transparentes aqui uma com a outra e eu jamais quebraria nossa confiança.

— Eu sou lésbica, não-binário e assexual. Eu sempre soube que era lésbica e nunca tive problemas em me aceitar em relação a isso. Agora sobre ser alguém não-binário... — Por um momento, Barbie identificou lágrimas embaçando os olhos de Sasha. — É que é tão difícil, parece que todo mundo hoje em dia começou a odiar pessoas trans sem motivos. Quando não nos julgam, somos alvos de chacota. Eu não me identifico por completo como mulher, por mais que eu tenha tentado com todas as minhas forças parecer cada dia mais feminina, aquilo me machucava, não parecia o certo e me fazia mal. E também não me vejo como um garoto, longe disso. Mas… — As lágrimas vieram com força.

Barbie lhe puxou para um abraço e fez cafuné nos cabelos castanhos da garota, enquanto esta soluçava baixo.

— Pode desabafar, eu estou aqui.

— Quando eu fui conversar com as minhas amigas. Elas concordaram, mas consegui sentir o olhar duro em seus olhos. Todo mundo tem uma visão estereotipada de pessoas trans em sua cabeça e não estou disposta a desconstruir isso. Meu corpo tem um alinhamento feminino e eu gosto dele. Não pretendo fazer uma cirurgia de remoção de seios, nem quero fazer uma reposição de hormônios masculinos, e nem quero trocar meu nome de batismo, entende? Talvez seja porque eu sempre fui “a Sasha” e não consigo me imaginar me chamando de outra forma. Mas tipo, tem tantas celebridades que são pessoas não-binárias como Rebecca Sugar, Demi Lovato ou Bella Ramsey que não alteraram seus nomes para um neutro. Eu me sinto bem como Sasha. E não é a minha aparência ou o meu nome que me faz ser menos trans que os outros e nem faz com que minha dor doa menos que a deles.

— Você é tão válida quanto os outros, querida… ainda posso te chamar assim? Como prefere que eu chame?

— Claro, eu atendo por todos os pronomes, mas esses dias estou fazendo um teste, optando pelo maculino para ver como me sinto.

— Claro, o que for melhor pra você. — afirmou e se abraçaram mais uma vez.

— Você é a irmã mais velha que eu sempre pedi, Barbie. — confessou Sasha, se ajeitando no colo da loira.

— Eu tento. Obrigada pela conversa e por me esclarecer minhas dúvidas. É, eu sou uma pessoa, como se diz mesmo?

— AroAce.

— Isso, AroAce, e estou tão feliz em descobrir mais quem eu sou. — Sorriu.

Sasha a apresentou fóruns e páginas seguras no Twitter sobre o assunto, e lendo relatos de outros assexuais e arromânticos, não poderia se sentir mais em casa. Era tão bom poder encontrar pessoas com vivências similares às suas. Será que existiam outros dos seus por perto? Seria tão bom ter um amigo que também pertencia ao a-spect.

[...]

Quando Barbie entrou na cozinha na manhã seguinte, o ambiente estava silencioso. O marido de Gloria havia saído mais cedo, por conta de uma urgência, ele era bombeiro. Gloria, no entanto, estava preparando o café da manhã e Sasha estava no seu canto, no celular.

— Oi, Gloria! Oi, Sasha! Bom dia!

— Oi, Barb! — Sasha sorriu.

— Bom dia, querida. Estou fazendo o café da manhã, sente-se, por favor.

— É muita gentileza sua. — Sentou-se ao lado de Sasha. De relance, viu ele conversando com uma tal de Samantha e sorrindo bobo para a tela. O segredo dele estava salvo consigo.

Barbie levantou-se e pegou os pratos para Gloria e os distribuiu na mesa.

— Nada de celulares à mesa. — Gloria advertiu. Sasha guardou o aparelho, bufando.

Os ovos cozidos, temperados com pimenta e sal, apresentavam uma textura macia e cremosa. Ao lado dos ovos, haviam tiras douradas de bacon crocante. O prato era finalizado com uma fatia de pão torrado.

Uma vez na mesa, o vapor subia dos ovos ainda quentes quando Barbie cortou-os com uma faca.

Gloria voltou à cozinha e retornou com uma jarra de suco de laranja fresco, enchendo os copos até a borda.

— Nada melhor que um café da manhã bem reforçado para começar bem o dia. — Gloria disse, fechando os olhos e degustando delicadamente da comida.

Sasha e Barbie se entreolharam, rindo.

— Hoje você está de folga, não é, Barbie? — Gloria perguntou.

— Estou sim.

— Então, você poderia fazer um favor para mim querida, se não for pedir muito.

— Claro, do que você precisa?

— Acabou algumas verduras aqui de casa e não terei tempo para ir no mercado hoje, o trabalho está uma correria e a Sasha tem um exame importante hoje, não pode faltar. Então você poderia ir ao mercado fazer compras, se não for incômodo?

— Certo, eu posso fazer isso.

— É claro que pode, querida. — Tocou a mão dela, por cima da mesa. — Você é incrível!

— Influência da melhor.

Trocaram sorrisos uma para a outra.

Sasha as olhou com o cenho franzido e bebeu seu suco, sem falar nada.

[...]

O mercado a que Gloria se referiu ficava apenas há sete quadras de sua casa. Ele era grande e tinha um estacionamento igualmente enorme. O que para Barbie era uma alegria, afinal era novata de carta.

Puxou o freio de mão, e na pontinha do pé caminhou para fora do veículo, onde suspirou fundo ao ver que estava há dois palmos de distância do Jeep do seu lado.

Para sua sorte, o mercado não estava tão lotado, o problema é que havia ido poucas vezes sozinha para aquele mercado, mas não quis dizer nada para não desapontar as expectativas de Gloria.

Não demorou para seu carrinho vagar por bandas que ela nunca havia visto antes. Sessões de bebidas alcoólicas, de frios, padaria, sucos e refrigerante, mas nada de varejo.

Pelo menos a música que tocava era animada. “Barbie Girl” da Nicki Minaj e Ice Spice, a letra poderia ser polêmica e pornográfica, mas refletia um empoderamento e uma batida que fazia querer balançar a cintura ali mesmo.

A Mattel mandou bem em contratá-las como trilha sonora de seu novo filme.

Todas as Barbies são bonitas, todas as Barbies são sexys… — Cantarolou baixo e parou o carinho, estudando o local que estava.

Iria pedir ajuda quando se viu na sessão infantil e seu coração se apertou com a prateleira de Barbies. Os olhos curiosos passeando pelas prateleiras repletas de bonecas de várias nacionalidades e de acessórios coloridos. Unicórnio, piscina, casinha, jipe. Rostos familiares sorridentes. Em meio à variedade, destacou-se um boneco masculino, vestido de “Mojo Dojo Casa House”, pronto para impor seu iniciante patriarcado.

Riu e pegou a caixa do boneco. O sorriso, os cabelos loiros, a camisa de praia ridícula… suas características tão únicas. 

— Passamos bons momentos juntos, não é, Ken?

Não era qualquer Ken, era o seu Ken.

Seu coração deu um salto. Desencadeando uma avalanche de memórias. Ela se viu de volta a Barbielândia, onde ela e as Barbies derrotaram os Ken, e onde ela e Ken passaram bons momentos juntos. Ken sempre estaria disposto a fazê-la sorrir, independente da situação e a amava não por sua aparência e sim pelo seu interior. Não era um troglodita que nem o David… 

Abriu a caixa com cuidado, sentindo a textura familiar do plástico entre seus dedos. Um sorriso nostálgico se formou em seu rosto, mas em seus olhos algumas lágrimas. Por um momento.

Aproximou o boneco do peito e fechou os olhos. Numa tentativa de buscar uma conexão perdida. A sensação era estranha, quase surreal.

Então, num suspiro suave, Barbie guardou novamente o boneco na caixa e deixou-o no carrinho. Tinha conseguido sua liberdade, mesmo assim não era capaz de deixar seus resquícios de memória descansarem. E o velho companheiro merecia uma vista melhor do que uma prateleira de supermercado, juntando poeira, por mais que ele fosse apenas um boneco e não seu Ken em si.

Com a orientação de um funcionário, ela retomou suas compras.

Ele era o mais próximo que teve de um amor. Por mais que fosse difícil reconhecer esse sentimento a princípio.  Era um sentimento novo e que as distância e a saudades deixava-no evidentes. A saudade era tanta, que até cogitou ir até a Mattel, para fazer uma proposta ao CEO.

— Ele não deve estar mais interessado em mim. — Pensou consigo mesmo.

— Disse alguma coisa, moça? — A senhora de idade, atrás de si, perguntou. Sorriu ao reconhecê-la, era a mulher que encontrara na praça, enquanto estava experimentando suas primeiras doses de vida real.

— Quanto tempo, como  senhora está?

— Bem, na medida do possível. — A idosa sorriu e deu de ombros. Ela usava um cardigã azul, de tecido leve. — Mas algo está te preocupando, não é?

— Nada, desculpa, só pensei alto.

— Entendi. Espero que não ache ruim, mas está com problemas no coração?

— Mais ou menos isso. Um antigo amigo se revelou um platônico amor para mim, sabe? Tipo, ele gostava de mim, só que eu não sabia que gostava dele, mesmo que de uma intensidade diferente, até hoje.

— E o que te impede de falar para ele, querida?

— Ele nem deve estar querendo olhar para a minha cara.

— Não seja boba. Nossa vida é tão pequena para nos prendermos ao medo e nos impedirmos de sermos felizes, por causa dele. Vai lá e diga o que sente.

— Não é tão fácil assim.

— Se ele não retribuir, pelo menos terá certeza de que não era pra ser. Olha, em meus 75 anos de vida, vivi e presenciei muita coisa. Então, por favor, não chegue na minha idade com o peso na consciência, assombrada pelo “e se” de nunca ter tentado.

— A senhora tem razão. — Suas compras haviam acabado de serem passadas pelo caixa e pegou dinheiro para pagar. — Vou fazer isso. Muito obrigada pelo conselho!

— De nada e boa sorte! — desejou, vendo-a pegar suas compras e sair. — Essa juventude de hoje…

Barbie sentou-se no carro e suspirou, apertando o volante, já sabendo aonde deveria ir.


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Notas finais do capítulo

Será que o Ken sente a mesma coisa em relação à ela?



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