O Beijo que Mudou Tudo escrita por By Thay gc


Capítulo 3
Nicole




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NICOLE

Eu já tinha quinze anos, ela um a mais que eu. Ficava combinado há tempos que eu levava comida e bebida, e ela os lençóis ou cobertas, caso o clima estivesse friorento. Normalmente levávamos salgados e refrigerante, porém, decidi mudar o cardápio e levar algo mais forte, talvez para me dar coragem. Coloquei na bolsa vodka de morango e vinho suave, que eu sabia serem as bebidas preferidas de Dakota. Morávamos próximas ao centro olímpico, umas quatro quadras de distância, o horário marcado às oito da noite, onde os seguranças não se importavam em ficar fazendo ronda, até porque se alguém tivesse ideias de furto, roubariam flores ou gansos.

Dakota me conhecia há anos, então sabia que algo estava errado comigo. O nervosismo me comia viva, e minhas expressões eram óbvias demais, difícil esconder alguma, era uma habilidade insistente para mim. Um buraco havia sido feito pelo tempo enquanto corroía a cerca do lado direito. Como Dakota era um pouco mais contra as leis do que eu, ela fez questão de abrir mais com um alicate que roubou do pai. Atravessamos os campos e demos a volta no lago para ficar o mais longe possível das luzes dos postes da entrada do centro olímpico.

Durante aquela noite, tudo ocorreu super bem, mesmo que Dakota tenha duvidado que eu conseguiria beber numa boa. Seguimos com as conversas aleatórias e até fofocas do colégio, ao qual já estávamos no último ano. Porém, em certo momento, minhas pernas bambearam e o coração acelerou descompassado. Para falar ficava difícil, e sentia o gosto forte do álcool no fundo da garganta. O mundo girou algumas vezes até que meu olhar fixou firmemente nos lábios carnudos de minha amiga. Então, me recordei exatamente do que vinha planejando fazer há muito tempo.

—Tudo bem aí? - me questionou, e só nesse instante notei que a encarava tempo demais em silêncio. — Iiii, já ficou bêbada.

Sorri em resposta, por mais que soubesse que ela estava certa, não daria o braço a torcer. Debrucei o corpo para poder pegar a vodka de morango, mas ela a levou para longe em um ritmo muito mais rápido que o meu.

—Ei. Me dá. — disse soluçando em seguida, para minha sorte, Dakota não demonstrou notar.

— Coisa nenhuma, Nics. O negócio está na metade e você já está mudando de planeta. Pode ficar paradinha aí, sabe que prometi pra sua mãe que cuidaria de você.

—Que besteira, sou um ano mais nova, não tem que cuidar de coisa nenhuma. — relutei em sorrir de volta, estava segurando com certeza, e amanhã eu iria ouvir um monte de piadas sobre ser péssima para beber. —Agora me dá.

—Não, Nics.

Novamente ela afastou a garrafa para trás de seu corpo, estávamos dando risada, já que, mesmo eu sendo mais ágil, o álcool me tirou toda a habilidade. Estava ridículo tentar agarrar um objeto ao qual sempre via minha amiga bebendo tranquilamente feito água.

—Me beija ou me dá a droga da garrafa, Dakota. — Ao invés de pensar, praticamente gritei, provocativa.

Em meio às nossas risadas, sua mão livre segurava minha cintura para me manter fora do alcance da bebida, e quando minha frase saltou de dentro de mim, o ar ficou estático. Hesitamos instantaneamente, meu desejo escapou de mim sem que eu pudesse controlar. Por um momento, meu grau de álcool havia me deixado. Dakota se recompôs fechando a garrafa sem expressar reação alguma.

—Nossa, essa sua cara me irrita às vezes, cara. — comentei revirando os olhos, sentindo meu corpo gelado após o toque.

—Que cara? Você que tá alterada e desconta em mim, fica falando essas coisas. Acho melhor te levar pra casa, Nics.

Me senti indignada com ela, e sem que ela notasse, alcancei a garrafa e pensei que aquilo podia ser bom. Totalmente dominada por uma coragem que não me pertencia, engatinhei para trás com a vodka contra o peito, enquanto ameaçava abrir novamente.

—Nic, para com isso. Você vai passar mal.

—Chega. Se não quer que eu beba então me beija. — outra hesitação. Dakota estava neutra, e mesmo que seus olhos me encarassem comumente, havia um brilho selvagem que nunca vi, pensei que poderia ser alucinação devido ao álcool, porém, um instinto me confortava de que o brilho era real.

—Nicole, me devolve a vodka. — uma sensação ruim se agitou, nunca gostei quando ela me chamava pelo nome inteiro. —Não sabe do que você está falando, você está bêbada, vai se arrepender amanhã.

A sentia reflexiva, e eu sei que deveria parar, que Dakota é minha melhor amiga há anos e tudo isso poderia estragar nosso relacionamento, mas, não suportava vê-la beijar outras mulheres e nunca poder experimentar o gosto dos seus lábios. Estava no meu limite.

Girei a tampa ousando arrancar e beber tudo numa golada só. Ambas sabíamos que com minha fraqueza, eu entraria em coma alcoólico, contudo, quando eu queria ganhar um desafio, ignorava a alto sobrevivência.

Dakota fechou os olhos e ouvi sua respiração profunda. Quando estava prestes a jogar a tampa fora, meu corpo foi arrebatado por suas mãos ágeis, fui agarrada contra seu corpo, nossos batimentos cardíacos regulados, igualmente descompassados. Hálitos impregnados de álcool e o odor específico que escapava da pele lisa de minha amiga. Meu rosto próximo ao dela, sentindo a respiração. Os olhos fechados, e quando ela os abriu brevemente antes de fechar novamente, estávamos nos beijando. A garrafa escapou do meu aperto, e apostava que ela estaria rolando até cair no lago à nossa frente. As mãos abraçando minha cintura, Dakota segurava sua nuca para me aproximar ainda mais, como se tivesse medo de que eu me afastasse. Dakota me deitou carinhosamente sob o lençol que esticamos para o piquenique. Minhas costas pressionadas graças ao corpo esguio de Dakota sobre o meu. Ouvíamos os estalos dos beijos molhados. Meu sonho estava se concretizando, tornando-se ainda melhor do que eu imaginava.

Era impossível dizer quanto tempo ficamos nos beijando; entretanto, no instante em que ela afastou seu rosto do meu, senti sua falta. Ergui a cabeça para me aproximar novamente e tê-la para mim, mas fui afastada. Dakota levantou, jurava que vi seus olhos marejados.

— Que porcaria foi essa? — grunhiu minha amiga. Cocei a cabeça, tentando compreender do que ela estava falando. — Vou te levar pra casa.

Coloquei a mão em seu ombro, já que ela estava de costas, e meu toque foi repelido instantaneamente. Ofendida por sua atitude, levantei do chão. Com dificuldade, alcancei a mochila que estava ao lado da dela.

— Esquece, eu mesma vou pra casa. Não preciso de você.

— É perigoso a essa hora, para de graça. Vou junto.

Levantei a mão quando ela se virou para mim. Lágrimas intrusas caíam sem permissão, não queria que ela me visse chorar, mas estava muito machucada para pensar de outra forma. Não conseguia ficar perto de Dakota agora, e não pensava em ficar no dia seguinte também.

Ela se aproximou, e em uma das poucas vezes que tive vislumbres de emoções escaparem da minha amiga, foi aquela. Tristeza profunda, sobrancelhas caídas, boca em fina linha, como se estivesse forçando a não dizer algo que poderia se arrepender, ou qualquer coisa do gênero. Estava sem paciência para tentar entender o lado de alguém.

Recuei quando Dakota se levantou do chão para me ajudar a ficar de pé, esquivei.

— Me deixa quieta, Dakota. Não vem atrás de mim. Quero ficar sozinha. — estava dando as costas, mas concluí por cima dos ombros enquanto colocava a mochila nas costas — Relaxa que não vai ter problemas com a minha mãe, só fica longe.

Sem falar nada, enquanto me afastava, chorava sem parar. Em determinados momentos, pensei que deixar Dakota sozinha era irresponsável, ir embora sozinha também. No entanto, não tinha forças para andar ao lado dela. Sentia-me humilhada, tendo meus sentimentos invalidados e completamente ofendida pela reação da minha melhor amiga.

Talvez eu não devesse ter ultrapassado o limite. Talvez estivesse errada em ter feito o que fiz, em ter provocado e causado um desafio que claramente ela não queria. O fiz porque tinha conhecimento do quanto ela não dispensava um desafio, e me aproveitei do momento. Misturado a uma coragem resultante de desejos antigos que tinha por ela, aconteceu o que aconteceu. Eu não deveria ter feito. Estava com vergonha. Não poderia olhá-la novamente.

Quando cheguei em casa naquela noite, minha mãe percebeu o inchaço nos olhos devido ao choro, no entanto, ignorei, e ela não perguntou. Obviamente, não enfrentei perigo físico, apenas um desgaste emocional. Fiquei tão chateada após aquela cena que insisti com minha mãe durante o final de semana seguinte que queria mudar de escola. Não desejava mais permanecer lá. Mesmo estando próxima de terminar o ano letivo, preferia mil vezes concluir em outro lugar, começar de novo com pessoas novas, sem olhares estranhos, sem nenhuma Dakota por perto. Demorou um pouco, após uma longa conversa com dona Mônica sobre o assunto. No entanto, estava tão chateada e quebrada que contei até mesmo sobre minha sexualidade e o que havia acontecido com Dakota. Pedi que não se zangasse com ela, e, como eu esperava, minha mãe não ficou contra Dakota, mas também atendeu meu pedido e mudei minha matrícula para outro colégio.

Nunca fui tratada de maneira diferente dentro de casa depois de me assumir, e fiquei mal por ter passado tanto tempo sem ter falado sobre isso. Eu poderia ter evitado algumas situações. De fato, eu tinha sorte com minha mãe. E pensar nisso me causou outra dor. Sabia que sem ela presente na vida de Dakota, ela não teria outro refúgio além de sua casa, e me senti péssima por isso, por minha mãe e por ela.

Após a mudança de ares, Dakota não foi atrás de mim, e fui grata por isso. Ela também deve ter ficado envergonhada por ter feito o que fez. Beijar-me apenas por um capricho de desafio. Ela nunca demonstrou que gostava de mim da mesma forma que eu gostava dela. Obviamente, ultrapassei os limites dela também. Contudo, nada foi tão difícil como nos dias seguintes. Não havia perdido apenas a mulher de quem estava apaixonada; havia perdido minha melhor amiga. Duas pessoas importantes, afastadas de uma só vez.


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