O Beijo que Mudou Tudo escrita por By Thay gc


Capítulo 1
Nicole


Notas iniciais do capítulo

Vamos começar.

E se lembre, se fosse sua história, também gostaria que ela fosse comentada ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/811588/chapter/1

Um beijo mudou tudo na primeira vez,

 e na segunda mudo de novo.

—___________________________________

 

NICOLE

Alguém jogou macarrão por cima de cinco mesas até cair nos cabelos castanhos de uma menina que almoçava sozinha. Como estava de costas, não foi possível ver o mandante do crime, mesmo assim, isso não a impediu de bater o garfo contra o prato, subir na mesa pisando em mais macarrão que ainda não havia comido, e com o pé todo sujo de molho, berrou um bonito palavrão. O que fez capturar a atenção do restante dos alunos que não tinham notado a brincadeira de mau gosto.

E essa foi a primeira vez que vi Dakota Ferrero. Mesmo que tal atitude fosse reprovada em qualquer escola, o colégio religioso São Miguel aceitou menos ainda. A diretora - de cabelos escorridos num tingido louro que já mudava para um tom desidratado e amarelo ovo - veio marchando na direção da garota dos cabelos sujos de massa e a arrancou da mesa pelo pulso. A carranca envaideceu o rosto marcado pela idade, mesmo que todos soubessem que ela não fosse tão velha; cuidar de um colégio religioso devia ser estressante. A diretora levou Dakota para longe sem nem ao menos querer saber seu lado da história. Dakota, por outro lado, passou por mim dando uma piscadela enquanto o sorriso de molho de tomate pintava o rosto oval de contornos delicados e definidos. Pisquei sentindo as bochechas corarem. O menino, Juan, a quem eu pouco conhecia, com cabelos ruivos e sardas salpicadas nas maçãs protuberantes, ria da situação; os caninos tortos davam um ar ainda mais levado ao responsável pelo arremesso da comida.

Após alguns dias, praticamente toda a escola só falou naquela cena. Mesmo que Juan houvesse causado o desperdício em uma colega na sagrada hora da refeição, apenas Dakota pagou por isso com uma boa suspensão e uma carta aos pais. Todo mundo imaginou que eles iriam aparecer feito loucos ferozes para castigar a filha, ou algo parecido; contudo, nenhum responsável surgiu. Boatos se infiltraram sobre a novata, e foi como descobri seu nome, enquanto uma fofoca passava pela boca de outro pré-adolescente pelos corredores apertados. E quanto a Juan, após Dakota voltar da suspensão, o menino apareceu com um círculo roxo ao redor do olho direito. Ninguém confirmou que havia sido obra de vingança, o que foi suficiente para Dakota não sofrer bullying de outros moleques. Mais tarde descobri o que realmente havia causado aquele olho machucado.

Após o incidente, as coisas ficaram normais, ou o mais próximo disso, já que, parando para pensar, desde sua chegada ao colégio São Miguel, nada nunca mais foi normal. Eu andava no mundo da lua. Com frequência me pegava tendo pensamentos incomuns com outras colegas de escola. Ideias que ninguém falava sobre no meio das conversas do intervalo. Porém, um dia atrasada corria para uma das salas de aula temendo pela bronca que tomaria, mas como a distração sempre me acompanhava, acabei abrindo a porta errada e dando de cara com Dakota e outra menina no canto da sala no meio de beijos, com direito a passadas de mão. Mesmo que seus corpos estivessem escondidos entre a penumbra das cortinas fechadas, ainda era possível ver a silhueta de ambas. Fiquei atônita com a cena; não sei quem havia sido mais flagrada, elas ou eu. Já que as três ficamos nos entreolhando em silêncio total. Dei as costas sem proferir sequer desculpas e corri para o final do corredor, esquecendo completamente da aula de filosofia.

Meu corpo reagiu à visão dos beijos. Fiquei quente por dentro e senti o famoso frio na barriga ao mesmo tempo que me deixou sorridente e vermelha. Sensação essa nunca sentida ao ver um casal de menina e menino. Não que o colégio fosse um encontro de jovens cheios de hormônios feito especialmente para se esfregarem por aí; entretanto, todos tomavam cuidado entre uma escapada e outra. A diretora, obviamente, fazia vista grossa.

Eu havia ficado interessada na cena, mesmo que uma parte de mim quisesse estar no lugar da outra menina, sendo aquela beijada por Dakota. O pensamento me perseguiu por dias e noites, mesmo distraída ainda tentando entender meus sentimentos amorosos por garotas; a novata conseguia arrancar timidez de mim toda vez que passava em meu campo de visão.

Em dado momento, durante uma aula em que o professor colocou um filme sobre Moisés para assistirmos, tive minha primeira interação com Dakota. Ela me cutucou enquanto minha cabeça projetava uma cena aleatória sobre como seria um encontro de verdade com outra menina; só então percebi que a novata havia sentado ao meu lado.

— Você tá entendendo alguma coisa desse filme? Porque eu não. — perguntou. Por ser um filme tão velho, nem as cores tinham sido implementadas em tela; era óbvio o tédio em praticamente noventa e oito por cento dos alunos.

— Não tô nem prestando atenção. — confessei, olhando para a televisão de tubo. — Que parte que tá?

— Acabei de falar que não tô entendendo nada e você quer saber que parte tá?

Ela sorriu, dando tapinhas em meu braço, me obrigando a encará-la. Murmurávamos nos fundos, longe de outros e do professor que mantinha a atenção em um livro sem capa, enquanto suas pernas longas e magrelas se aconchegavam acima da mesa de madeira. O mesmo também já não devia aguentar mais repassar o mesmo filme tantas vezes.

— Se parasse de perguntar, talvez entendesse. — respondi ríspida. Não queria ser grosseira, mas aquela menina causava sensações de formigamento em meu corpo. Sua arrogância me causava incômodos no estômago.

Ela colocou a mão no peito, enquanto atuava uma expressão de quem havia tomado um tiro, e aproximou a boca do ouvido; arrepiei.

— Só quis puxar assunto, aii.

Ri do drama, causando sorrisos nela também.

— Me chamo Dakota. — disse estendendo a mão para mim; apertei reciproca, respondendo com meu nome. — Prazer, Nics.

— Nics? — sussurrei erguendo uma sobrancelha.

— Se as moças não estão afim de ver o filme, me avisem que já dou nota baixa pra vocês e assim podem sair da sala. — trovejou o professor olhando por cima do livro; alguns alunos olharam para nós, me sentindo incrivelmente envergonhada.

— Não, professor, foi mal. Estávamos apenas discutindo sobre o tema super importante. Sempre adorei  esse cara ai.

O professor fingiu acreditar em Dakota, continuando sua leitura mais interessante que a televisão. Devia estar muito exausto das palhaçadas dos alunos para causar uma discussão em sala. Encaramos uma a outra, tapando a boca para nenhuma risada escapar.

Depois daquele dia, começamos a conversar com frequência. Tínhamos apenas um ano de diferença em idade, eu com quatorze e ela quinze. Dakota adorava falar o tempo todo, procurando um assunto diferente. E não apenas isso, como procurar coisas novas para fazer. A novidade a movimentava, claramente.

Em um desses momentos aleatórios de Dakota, a convidei para ficar em casa após a aula; no início, ficou sem jeito com o chamado, mas foi mesmo assim. A mochila quadriculada nas costas e cabeça erguida, ela passou por mim quando abri a porta de casa. Fomos recebidas por minha mãe, embrenhada em fios de lã pelos ombros e amarrados à cintura. O sorriso brilhante e os olhos gentis de sempre atrás de grandes armações grossas verdes fluorescentes. Havia fibras de algodão até por seus cabelos loiros quase grisalhos.

— Tudo bem por aqui, mãe?

Mônica Capelo era uma mulher linda de personalidade forte e sempre disposta a fazer amizades; era impossível não notar sua presença no lugar que fosse.

— Perfeito, filha. Só estava com problemas com as linhas de crochê. Fiquei bonita com elas, não acha? — perguntou, fazendo poses de fotos deixando à mostra as linhas coloridas por sua roupa preta.

— A senhora está incrivelmente estilosa, como numa discoteca, eu diria.

Minha mãe sorriu em agradecimento exagerado como se terminasse uma peça de teatro, com a mão na barriga e referência curvando o tronco para frente.

Apresentei minha amiga e minha mãe. Em poucos minutos, dona Mônica já tivera atenção, começando uma amizade como sempre fazia. O que era bom, significava que ela havia gostado de Dakota. Após algum tempo da minha mãe mostrando seus bichinhos de crochê para Dakota, subimos ao meu quarto para vermos filmes de terror batidos que ela falava todo santo dia.

— E seu pai? — questionou Dakota, deixando a bolsa em cima da cama de solteiro.

— Ele morreu há alguns anos, mas tudo bem. Morreu dormindo, aneurisma. — Dakota ficou atônita, a apaziguei segurando em seu braço. — Ei, relaxa, eu e minha mãe estamos bem. Aposto que meu velho tá bem melhor onde está.

Charles era um homem brincalhão e paciente, contrastando com sua profissão de policial que exigia seriedade robótica nas ruas. Por isso, em casa, era tão diferente; sentia-se tranquilo, sabendo que não precisaria ter o mesmo cuidado que tinha ao sair nas ruas. Em contraponto, Charles estava sempre com um cachimbo nas mãos; nunca o vi acender, ele só o tinha. Segurando e fingindo fumar, muitas vezes para fazer graça para mim.

Um dia, minha mãe comentou que era um hábito que meu velho tinha quando parou de fumar os três maços de cigarro por dia. Ficar com aquele cachimbo - que nunca soube de onde saiu - se transformou em mania devido aos tempos como fumante. Após dar uma breve explicação sobre como era meu pai quando Dakota pediu, deixamos o assunto de lado e passamos a procurar o tal filme idiota que ela tanto queria ver. Ao final daquela porcaria cinematográfica, resolvi mostrar um pouco de cultura. Do meu guarda-roupa, resgatei um DVD velho embaixo das roupas e coloquei no aparelho.

— Que filme é esse?

Dei de ombros à sua curiosidade com um sorriso jocoso. Na tela, o menu surgiu obscuro, personagens em destaque com olheiras profundas e vibe de época.

— Senta aí, vou te mostrar o que é um bom filme de terror.

Assim que terminamos "A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça", Dakota não sabia o que fazer. Encantada com as cenas do começo ao fim. Descobri depois que se tornara seu filme preferido de todos os tempos. Não deixei de inflar o ego por saber que fui capaz de causar tamanho impacto em alguém. Mesmo assim, nunca abandonamos as sessões de filmes após a aula; nem sempre as fazíamos, na verdade, com o tempo, a atividade foi sendo substituída por outras coisas.

Era comum que Dakota sumisse para ficar com alguém. No início, não me importava, porém, algo mudou de verdade dentro de mim. Lembro que estava indo encontrá-la embaixo de uma grande copa de árvore, longe do prédio velho do colégio São Miguel, era mais uma tarde que voltaríamos para casa juntas. No entanto, meu coração pareceu se partir em pedaços quando percebi que Dakota beijava uma das colegas dela. Revivi o mesmo momento do flagra quando éramos mais novas. Naquela época, gostei do que vi, mas embaixo daquela árvore alguns meses depois, fiquei triste e desamparada.

Dakota não tinha lá uma fama muito boa; normalmente, gostava de ter seus romances e tudo mais, porém, sempre bem escondida. Portanto, eu nunca a via beijar ninguém. O que eu sabia é que eu era a única amiga dela que não foi fisgada pelo sorriso charmoso e o olhar quarenta e três. Uma coisa dentro de mim sentia inveja das outras por causa disso.

Após ver Dakota praticamente em cima daquela outra, devo ter feito algum ruído, pois o beijo cessou e minha amiga se virou para mim, arregalada e rosto avermelhado. Nunca sabia distinguir suas emoções; ela era boa em esconder em quase todo o tempo. Respirei forte e saí batendo a perna.

— Ei, espera, Nics. Que foi? — disse vindo atrás de mim; continuei andando pelo campo na direção da saída. — Devagar, me fala o que foi? Aconteceu alguma coisa?

— Não. Só estou indo pra minha casa, pode voltar a transar com a outra. — eu não entendia o motivo de estar agindo como estava; queria chorar sem saber por que. Estava confusa e com os pensamentos agitados.

— Ahhh, que isso? Ciúmes de amiga agora, Nics?

Parei de andar abruptamente, respirando alto, enquanto Dakota ofegava devido à corrida para me alcançar. Levantei o dedo pronta para xingá-la, mas notei que não havia outra palavra para aquele momento. Não podia dizer que meu ciúmes não era por amizade. E em toda aquela história, não tínhamos nada romântico, não havia razão para agir daquele jeito. Por isso, abaixei o dedo e forcei a olhar para um ponto qualquer; se encarasse o fundo das íris chocolates de Dakota, não conseguiria mentir.

— É, ciúmes de amiga. Achei que íamos pra casa juntas como sempre, temos piquenique noturno hoje, esqueceu?

O piquenique noturno foi algo que criamos todas as sextas-feiras. Invadiamos o centro olímpico da cidade a partir das onze horas, quando o véu da noite cobria os céus, atravessamos a pista de corrida e o campo de futebol, até encontrar o lago de patos. Estendíamos uma toalha sobre a grama recém-cortada e comíamos salgadinhos e refrigerantes, falando amenidades e fofocando por horas. Porém, o piquenique era o menor dos meus problemas, e aquilo me consumia quando parava para pensar. O que estava se tornando nossa amizade? Ela seria a primeira garota a gostar? Justo minha melhor amiga que nunca me viu de outra forma? Aquilo era cruel.

— Desculpa. — pediu, o sarcasmo sumindo. A encarei novamente. — Claro que não esqueci da nossa programação, acho que só tô estressada com as coisas em casa, então, me deixei ir pela primeira distração que apareceu.

Desde nosso primeiro ano de amizades, Dakota não era de se abrir sobre sua vida, reservada tanto quanto era engraçada, o assunto família sempre deixado de lado. Até que um dia entendi seus motivos. Os pais estavam para se divorciar há meses, e mesmo assim nunca se largavam. Ambos traíam um ao outro e descontavam seus infortúnios nos filhos. Dakota era a caçula de três outros irmãos. Todos de maiores, tinham suas vidas longe dos pais, exceto Dakota que, por ser menor, precisava morar com os progenitores. Ela apanhava do pai quando o mesmo voltava com cheiro de colônia barata, e ouvia os gritos da mãe ao também sentir o odor de cigarro e álcool noite após noite. Portanto, devia ter sido uma manhã difícil para ela.

Diferente da minha mãe que a amou no primeiro dia que a levei em casa. Sendo filha única, dona Mônica sempre quis ter duas garotinhas. O aparecimento de Dakota em nossas vidas a qual foi adotada automaticamente. Era linda a relação das duas. Para ela, Dakota era sua filha também.

Afrouxei os ombros ao perceber tencionados e me aproximei lhe abraçando.

— Quer voltar lá? Tudo bem por mim, podemos sair amanhã.

Jamais iria querer deixá-la triste, afinal, era minha melhor amiga, e vê-la feliz estava no topo da minha lista, antes de qualquer paixonite que pudesse ter.

Dakota me abraçou de volta, embalando minha cintura enquanto roçava o nariz no meio das minhas madeixas castanhas.

— Vamos ao piquenique. — falou ela por fim. Tinha que admitir, fiquei satisfeita em ter sido escolhida.

Infelizmente, foi exatamente em um desses piqueniques noturnos que as coisas desandaram de vez.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comentem se gostarem ou não. Estou aberta para críticas.
Obrigada por terem lido até agora. E se lembre, se fosse sua história, também gostaria que ela fosse comentada ;)