AS INDOMÁVEIS ROSAS DE AÇO - Livro II - Série CD escrita por Georgeane Braga


Capítulo 3
CAPÍTULO UM - Rosas de Aço


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura a todos!



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Celeste tentava sem sucesso escrever mais uma de suas edições para a Voz Maior. Já era o terceiro papel amassado e lançado ao chão com frases interrompidas. Estava divagante esta tarde, depois que soube que sua prima Belinda ainda estava de castigo desde o ocorrido no baile.

Seu tio, Raul, não aceitara bem o pedido para visitar a filha, junto com um buquê de rosas, de Tomaz Alencastro, o mais novo alvo das mães casamenteiras e jovens impulsivas sem nenhum pudor diante da “carne fresca”, recém chegada à Évora.

Tomaz era o filho de um juiz renomado que se estabelecera na capital portuguesa há cerca de três meses, mas também alugara uma residência em Évora para tratar assuntos pessoais. Desde então, o rapaz  visitava o O Semanário e Belinda e ele começaram a se interagir, revelando grande afinidade desde a temporada na Casa Fernandes da Costa, em Lisboa.

Belinda ajudava Celeste esporadicamente no jornal, bem menos do que gostaria, pois aprendera a observar e analisar questões sociais com a prima, porém, morava em Lisboa e seu pai não era muito adepto aos “excessos” da maioria das mulheres da Casa D’albartine.

Entretanto, não era apenas isso que estava lhe tirando a concentração, aliás, algo raro de se acontecer, mas também o regimento francês que se acampara no distrito de Santarém. O chefe do exército estava em acordo com o Conselho imperial há duas semanas, mas Celeste não conseguira tantas informações úteis. Curiosa como era, sabia que havia         bem mais do que escutava nas reuniões dos homens da família. Algo muito secreto e sério pairava no ar e ela precisava descobrir a qualquer custo. Um exército não ficaria de prontidão nos arredores se não tivesse a intenção de invadir as cidades caso o tal acordo não desse certo.

Todavia, ninguém estava disposto a aprofundar o assunto no desjejum ou durante o jantar. Toda vez que o assunto ameaçava a ganhar espaço nas conversas, os homens se calavam e o mudavam imediatamente, para sua grande frustração.

Celeste tinha conhecimento dos seus limites e não podia abusar. Desde que seu pai, Pedro Lamartine, e seu tio Henrique, deram-lhe a benção para trabalhar como colunista de um jornal e abordar temas sociais, contradizendo os costumes aristocratas e atraindo inimigos em seus círculos sociais, ela não podia ser ingrata por tal liberdade quando estes colocavam a mão no fogo pelo ideal dela.

Apesar de ser uma D’albartine, a família mais respeitada com uma história memorável, a moça era vista por muitos como uma presunçosa de língua e pena afiadas. Isso já havia lhe custado três temporadas e nenhum marido, pois, que homem gostaria de ter ao seu lado uma esposa indócil e que expressava seus pensamentos aos quatro ventos?

Não que ela se preocupasse com isso, mas a família sim. Liana, sua mãe sempre conversando, tentando entendê-la e conciliar seu temperamento com as possibilidades matrimoniais da filha. Nem tudo estava perdido, afinal de contas, até sua tia Joana contraíra um grande partido se tornando uma marquesa.

As mulheres da família tinham seu estigma, e isso era indiscutível, mesmo que inaceitável para a burguesia. As D’albartine’s eram consideradas implacavelmente rebeldes. 

─ Eu preciso descobrir o que está acontecendo... ─ falava consigo enquanto balançava a pena e olhava pela janela as pessoas passeando pela Praça do Giraldo.

─ Falando sozinha de novo? ─ disse Túlio entrando na sala com um pacote de jornais nas mãos.

─ Túlio, você soube de mais alguma coisa a respeito daquele regimento em Santarém? Não consigo tirar aquilo da cabeça...

─ Sei tanto quanto você. Mas vou tentar arrancar alguma coisa de Rodolfo. Provavelmente ele deve ter ouvido alguma conversa na mansão. Mas tome cuidado, Celeste... não fique mais exposta do que já está.

─ Falou o defensor das Rosas Indomáveis! ─ e riu abertamente. Ele apenas deu um risinho tímido.

Era assim que ele sorria toda vez que se sentia constrangido. Túlio era tímido, com um coração enorme, mas virava um leão se algum homem desrespeitasse suas primas. Foi assim que Suzana o descreveu alguns anos atrás enquanto brincavam de QUEM SOU EU?

─ Túliooooo!!! ─ responderam todos na ocasião e ele ficou vermelho enquanto riam da sua falta de jeito.

Mas não era uma zombaria de seus primos e irmãos não. Eles realmente gostavam daquela brincadeira de adivinhação e muitos segredos eram descobertos ali. Ainda bem que eles se trancavam no salão maior bem longe de seus pais que conversavam despreocupadamente na outra sala. 

─ Não é isso, você sabe. Só me preocupo com você. ─ respondeu Túlio à prima. ─ Eu não suporto quando ouço algum absurdo por aí sobre vocês. 

─ Eu sei. ─ olhou pra ele com carinho ─ Mas nem tudo são absurdos.

E voltaram a rir.

─ Você já devia estar acostumado, primo. O que eles dizem já não me aborrece mais. 

─ Mas a mim, sim! 

As meninas da nova geração D’albartine eram “sem limites, excessivas, incontroláveis, indomáveis”; assim afirmavam as vozes que ecoavam pela cidade. Suas atitudes eram recriminadas pela maioria, e enquanto andavam pelas ruas, sozinhas ou em grupos, as pessoas que cruzavam seus caminhos maneavam a cabeça em reprovação. Mas não era todo mundo que se espantava com as moças da Casa D’albartine, elas também já tinham seus seguidores e esse grupo aumentava toda vez que Celeste mencionava suas opiniões sociais em suas colunas. Bem verdade que esses seguidores eram, na maior parte, pessoas das classes mais baixas; por outro lado, mesmo que elas nunca confessassem, as damas aristocratas bem que gostavam das sugestões de mudança para as mulheres em geral. Isso deixava os homens rangendo os dentes, principalmente por saberem que o visconde Henrique Lamartine e os outros patriarcas da família, não aplicavam nenhuma forma de castigo a essas meninas indomáveis. 

Certa vez, em um sarau promovido pela família, Celeste e suas primas subiram no palco após a apresentação de violinos e a líder delas disse:

─ Este aqui é um broche dado por nossa avó Eleonor quando ainda éramos bebês ─ e mostraram o pequeno objeto a todos. ─ Uma rosa símbolo de delicadeza e amabilidade, e feita de aço, que representa também a força e a resistência dessa família.  E a partir de hoje usaremos em nossos vestidos aonde quer que formos e todos saberão quem somos: As Rosas de Aço. Muitos acham que somos indomáveis, não é? Mas a verdade é que sabemos ser delicadas quando necessário, mas resistentes em todo o tempo. Viva as Indomáveis Rosas de Aço!

E levantaram seus broches como se brindassem e prenderam-os em suas roupas. A viscondessa viúva, Eleonor, chorava de emoção. Mas o salão inteiro ficou em silêncio após o surpreso pronunciamento. Os convidados chocados e a família D’albartine observando a reação de todos. Foi constrangedor. Augusto escondia o riso entre as mãos em punho enquanto os olhos de Túlio brilhavam de orgulho. Rodolfo fazia cara de poucos amigos como se dissesse: se alguém falar alguma coisa errada, não respondo por mim! 

Mas o despertar do choque aconteceu quando o pequeno Antônio com toda sua peraltice gritou: 

É isso aí! Viva! Elas são as melhores!

Agora foi a vez de Frederico querer enforcar o filho, mas para a coisa não piorar, começou a aplaudir junto com os outros homens da família. Os convidados não tiveram opção a não ser acompanhar. As meninas fizeram uma reverência e desceram do palco. No outro dia, a cidade estava em alvoroço devido ao episódio. 

─ Mudando de assunto, você ficou sabendo de Belinda? ─ perguntou Celeste.

Túlio apenas confirmou com a cabeça e falou:

─ Acredito que Tomaz não voltará aqui tão cedo... uma pena, porque aprendi a gostar dele.

─ É, ele parece ser uma boa pessoa. Coitada da Belinda... estava tão apaixonada...

─ Esta história ainda não acabou. E pra piorar, Anelisa está no páreo. 

─ Como assim?

─ Também está interessada no rapaz e acusa Belinda de traí-la.

─ Meu Deus! Anelisa está louca? De onde ela o conhece?
Eu nunca soube nada da boca dela sobre Tomaz.

─ Eu não sei a história toda. Mas Rodolfo soube por Amélia que soube por Suzana. Enfim, ele está com raiva. Desabafou comigo ontem.

─ Rodolfo é um tolo! Sabe que Anelisa não liga para ele, além de saber que isso ainda vai causar confusão na família. Achei que ele tinha superado depois de tantos anos. Um rapaz tão bonito e com tantas moças a seu dispor.

─ Ah, você sabe como ele é ─ disse Túlio. ─ Apegado demais.

─ De toda forma vou conversar com Anelisa mais tarde. E você, não se esqueça da nossa missão.

─ Sim senhora. Mas devo lembrá-la que hoje tem Jogo do Desafio na Fazenda.

─ Ai não... não acredito...

─ Você prometeu. E Salete e Antônio não vão te perdoar de novo.

─ Eu sei... eu vou sim, até porque eu preciso me distrair um pouco. Mas me promete que vai me salvar?

─ Vou pensar no seu caso. Agora vamos trabalhar. Os jornais venderam menos essa semana. Precisamos de notícias, e de suas colunas. Vamos por essa pena pra funcionar moça!

─ Bem que eu queria... 

─ E não discuta comigo. Eu sou seu chefe!

~~CD~~

 

─ Eu não tenho pena dela! Ela me apunhalou pelas costas! Merece o castigo que recebeu de tio Raul.

─ Como podes falar isso, Anelisa? ─ indignou-se Amélia ─ Belinda não sabia que você estava interessada em Tomaz, aliás, ninguém sabia, você nunca disse. Isso não se faz!

─ Agora eu sou a errada!? Eu falei para ela no baile que eu esperava um rapaz, e só podia ser Tomaz, não havia nenhuma outra novidade no momento. E de repente, ela estava lá o beijando. É mesmo uma traidora!

─ Eu não vou discutir com você sobre isso. Você está impossível! E te digo mais, seja sincera com Rodolfo, ele também não merece ficar à sua disposição sabendo que não há esperanças para isso.

─ Rodolfo é um idiota!

─ Não fale assim do meu irmão, Anelisa! Ele é o único que te defende quando sai por aí fazendo burradas. Ele é um bobo apaixonado, sim, mas merece ser feliz com alguém que o ame de verdade.

─ Ele me ama e é fiel a esse amor.

─ Que amor, Anelisa? Isso é burrice! Ele não merece o que faz com ele.

─ Ah, para com todo esse drama. Ele já tem idade suficiente para decidir o que quer. Eu não o prendo.

─ Você o manipula. É pior! Como eu queria que ele ouvisse os conselhos de Celeste ou até mesmo de seu irmão...

─ Augusto não tem moral para falar alguma coisa sobre amor, não consegue se conter diante de uma rabo de saia. ─ rebateu Anelisa.

─ Olha Anelisa... você ficou diferente. Sabe, você era gentil, meiga, e gostava do meu irmão... mas depois que começou a freqüentar as temporadas de D. Maria Botelho... meu Deus! Minha mãe não suporta ouvir o nome dela.

─ Vocês ficaram com inveja de ser apenas eu, a convidada. Ela viu em mim potencial, entendeu? Ela mesma me disse.

─ Potencial para quê? Para ser uma cocote?

─ Respeite-me, Amélia! Ora veja!

─ Me desculpe... me excedi ─ eu só quero que perceba que estás afastando todo mundo. Eu gosto muito de você e não quero que sofra. Somos as rosas, lembra? Unidas até o fim, cuidado uma das outras e não ferindo. Eu sou sua prima e sua amiga, mas preciso ser sincera com você, e estás se tornando uma pessoa insuportável, mas sua vaidade cega-te. 

Levantou-se e passou pela porta, avisando:

─ Não se atrase para o jogo hoje.

Anelisa piscou rápido para secar os olhos úmidos e sentou-se no toucador como se não se importasse. Ela já tinha dezoito anos e Amélia, apenas dezesseis. Não tinha que ouvi-la. Aliás, aprendera com D. Maria Botelho que uma mulher de classe nunca ficava por baixo. 

~~CD~~

 

─ Filha, trouxe seu leite. ─ disse Beatrice entrando no quarto de Belinda.

─ Não quero nada, mamãe. 

Beatrice depositou a bandeja na mesinha ao lado e sentou-se na cama. Belinda estava inconsolável com a atitude do pai. Arrancara-a no meio da dança na frente de todos a envergonhando. Na frente de Tomaz, e ainda o maltratou. De volta para casa, não falou com nenhuma delas e quando chegaram, gritou raivosamente mandando-a para o quarto.

A mãe alisou as costas da moça, tentando encontrar as palavras que amenizasse aquela situação, mas não estava as encontrando. Se ela soubesse que era mais complicado do que imaginava; ela mesma não sabia que era, até Demétria e seu filho voltarem para Évora. O passado que conseguira enterrar, estava agora, com a terra revolvida querendo ressuscitar.

─ Eu não entendo... porque papai ficou daquela forma. Ele nunca...

─ Eu também... ─ Beatrice suspirou ─ eu também me assustei com a atitude dele.

─ A senhora podia falar com ele, mamãe ─ pediu a menina.

─ Estou tentando, Belinda, mas precisamos esperar, filha. Ele ainda está muito nervoso e nada adianta falar agora. Mas prometo que falarei com ele assim que se acalmar.

─ Preciso escrever para Celeste. A senhora pede para entregar? Por favor, mãe... ─ pediu virando-se para ela.

─ Está bem. Escreva e quando eu vier te trazer o jantar, eu pego com você.

A menina balançou a cabeça; os olhos inchados de chorar. Estava decepcionada com o pai. Ele sempre fora tão gentil e amável com elas. Via como ele era com sua mãe, sempre a elogiando e lhe trazendo flores. Um pai e marido presente. Tinha suas opiniões divergentes com as da família, é claro, mas nunca fez disso um problema. 

E de repente, estava agindo daquela forma. Louco. Descontrolado de raiva e ciúmes. Era sim, muito ciumento com elas, porém, nunca deixou chegar a esse ponto. Era firme quando precisava, mas as respeitava sempre. E agora... era como se fosse outra pessoa.

Beatrice desceu e encontrou Raul na sala. Não falou nada. Ele não dormia com ela havia uma semana. Não sabia dizer se dormia fora de casa ou em algum cômodo qualquer. Mal falava com ela e agora estava ali, em pé, com um copo de conhaque na mão.

─ Como ela está? ─ perguntou seco sem olhar para a esposa.

Beatrice o observou por um momento e disse:

─ Como você acha? Assustada e querendo saber onde está aquele pai amável que sempre conheceu. E eu também quero saber... o que acontece com você, Raul?

─ Ora, não venha me dizer que não sabe... ─ e deu um sorrisinho irônico. ─ Se você acha que vou deixar minha filha nas mãos daquele bastardo... ─ deu o último gole e virou-se para encher o copo novamente.

─ Raul, você não conhece o rapaz. Não deu chance. E não venha me falar do passado; o menino não tem culpa de nada do que aconteceu.

─ Pra você é fácil falar! ─ gritou ─ Ele carrega o sangue daquele... Eu o mato se for preciso, entendeu? Acabo com ele!

─ Você está louco! Não vou falar com você agora ─ e saiu andando. Raul atravessou a sala e parou na frente dela. Os olhos queimando de ódio.

─ Você soube no momento em que olhou para o garoto, não soube? Você se lembrou dele...

─ Pelo amor de Deus...

─ Responda!

─ Não tenho que te responder nada. Você está revivendo um passado desnecessário. Por que está fazendo isso, Raul? Por quê? Somos felizes, temos uma família e você está estragando tudo! Isso é obsessão e vai nos destruir, não faça isso!

Ele continuava olhando-a, frio e olhos vidrados. Beatrice sentiu medo dele. E medo do que viria pela frente se ele não parasse de agir assim. Se deixasse o passado assombrar o presente.

─ Você o amava, não é verdade? 

─ Para com isso, Raul! ─ gritou.

─ Você quis fugir com ele... se não tivéssemos chegado a tempo, você teria escolhido ir com ele...

─ Eu disse pra você parar! Não vê o que estás dizendo?

─ Eu sempre soube, Beatrice, que tinha algo entre nós dois... um impedimento, uma barreira...

─ Não, Raul, eu o amo, amo nossa família ─ chorava.

─ Não! Você o amava, eu sempre soube disso.

─ Pare! Diogo está morto! Ele está morto! ─ gritou desesperada.

A fúria de Raul o cegou. Aproximou-se dela e levantou a mão para acertá-la:

─ Não diga o nome dele sua...

─ Não, pai!!!

Era a voz de Suzana. Os dois olharam para ela, assustados. Suzana correu para a mãe que só agora havia se dado conta do que o marido estava prestes a fazer. Perdeu as forças das pernas e a filha a ajudou a se sentar. Raul olhava a cena, desnorteado. O que fizera? Iria bater em sua esposa a quem tanto amava? Suzana o olhou, amedrontada. Raul pôs o copo sobre a passadeira e tentou falar:

─ Trice... me perdoe...

Ela nada disse. Apenas chorava cabisbaixa. Suzana sentou ao seu lado e pegou em sua mão. Não olhou mais para o pai.

Raul, perdido, pegou seu chapéu e saiu porta afora.

Mais tarde, quando ela foi enviar a carta de Belinda para Celeste, enviou outra para Adelaide:

“Minha irmã,

Preciso de você, Liana, Emília e Elise neste momento. Quando posso visitá-la? Preciso muito falar com vocês.

Beatrice.”

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem!

Georgeane Braga



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