O que sobrou de nós escrita por GreeneMoon


Capítulo 1
prólogo


Notas iniciais do capítulo

Eu voltei e agora pra ficar :)



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Dicionário
Inferno. 
1RELIGIÃO
para os cristãos, lugar em que as almas pecadoras se encontram após a morte, submetidas a penas eternas.
2. MITOLOGIA
local subterrâneo habitado pelos mortos.
3. FIGURADO 
extremo sofrimento infligido por certas circunstâncias, sentimentos ou pessoa(s); martírio, tormento.
"sua casa tornou-se um inferno"

 Antônio estava suando frio na aula de biologia, mas seu corpo inteiro parecia pegar fogo.

Seus ossos doíam tanto que qualquer movimento que fazia era um sacrifício, seus pensamentos embaralhavam e sua vista escurecia toda vez que tentava olhar na direção do quadro branco em que a professora escrevia.

Sabia que precisava ir embora, que não aguentaria mais um segundo daquela tortura, mas tinha medo de perder a matéria que precisava muito estudar para tirar a nota necessária para assegurar mais três meses da sua bolsa de 80% na escola. Estudar no Ruy Barbosa era um privilégio que poucos - como ele - conseguiam. Ser um dos cinco alunos que passaram na seleção acirrada no começo do ano era um orgulho que tinha e que deu a sua família que almeja para ele um futuro melhor do que tiveram.

Antônio se esforçava muito, mas dessa vez tinha que jogar a toalha.

Tudo isso porque o cachorro doente de sua vizinha tinha lhe mordido ontem à tarde. Ele não queria se arrepender de ter prestado socorro ao animal que se contorcia de agonia, certamente envenenado por alguém, mas quando o pestinha abriu os olhos atordoados e lhe sentou os dentes, Antônio queria jogá-lo longe para acabar com seu sofrimento de uma vez.

Agora estava com febre, todo seu corpo doía e estava com uma tremedeira sem fim.

Tentou respirar fundo, mas seus pulmões não cooperavam. Tentou erguer as mãos para enxugar o suor que lhe escorria pela testa, mas qualquer movimento fazia seus dentes rangerem tamanha agonia. Sentia que seu braço podia cair a qualquer momento, a ferida pulsando e irradiando dor por todas as partes.

Precisava ir embora urgentemente. Queria o colo da sua mãe. Queria um hospital. Queria uma sopa quentinha e dormir por dias a fio até que estivesse bem novamente.

— Antônio, você tá' bem? — Letícia, sua colega de turma e mais chegada, perguntou.

O garoto se limitou a balançar a cabeça negativamente. Não tinha forças pra nada, parecia que seu quadro piorava a cada segundo que se passava.

— Professora, o Antônio não parece bem. — Ouviu a garota sinalizar. — Sério, ele não parece bem mesmo.

— Me ajude com ele, Letícia. Vamos levá-lo a enfermaria. - Foi a professora quem disse. Darla, esse era o nome dela. Uma mulher gentil e que quando sorria apareciam covinhas em suas bochechas. Era considerada uma das professoras mais bonitas da escola, mas era casada – e muito bem casada – com o professor de educação física.

Antônio desistiu de ser responsável pelas suas ações depois que a professora Darla o alcançou, ajudando-o a se levantar. Sentiu que caminhava em direção a enfermaria da escola, mas era como se estivesse em uma experiência extracorpórea. Estava praticamente sendo arrastado, pois não tinha mais controle de seus movimentos. Tudo doía, tudo ardia, era como se tivessem jogado gasolina em todo o seu corpo e ateado fogo.

Tudo que queria era que ligassem pra sua mãe o mais rápido possível para que fosse embora e ficasse sob os melhores cuidados do mundo.

Seus olhos fecharam se imaginando em sua casa, no seu espaço assistindo Netflix completamente dopado de medicamentos que o fariam melhorar daquela dor e sendo mimado pela sua família.

Antônio não sentiu os espasmos violentos que seu corpo deu. Também não sentiu quando seu corpo caiu atingindo com força o chão. Ele adormeceu muito antes de sentir que espumava pela boca a ponto de suas vias áreas obstruírem e impedirem que o ar chegasse aos seus pulmões doloridos. Adormeceu muito antes de seu coração parar completamente.

O garoto não chegou à enfermaria, nem a sua casa, nem ao colo de sua mãe.

A professora Darla também não chegou em sua casa, nem ao abraço de seu marido.

Letícia, sua colega de classe, também não foi pra casa. Ela perdeu a maratona de filmes românticos que tinha planejado com sua irmã caçula pra hoje.

Levou apenas um minuto inteiro para que o vírus trouxesse Antônio de volta. Seus olhos eram vermelhos carmim e sua voz não era mais de um menino doce, era um rosnado alto e cheio de fome.

O mundo mudou ali. E tudo por causa de um cachorro.

Porra de cachorro idiota.

 


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