Akai Ito escrita por NicoleLouise


Capítulo 1
O talvez




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A atmosfera era aquela que se faz presente quando faltam poucas semanas para as festas de fim de ano: amigos fazendo confraternizações, moradores decorando suas casas para o natal, pessoas apressadas para deixar qualquer pendência resolvida antes de iniciar um novo ano. Não se pode esquecer dos inúmeros bares e restaurantes que já estão na temática natalina e exibem menus especiais para essa data. E claro, têm os cafés. Mais específico, tem o café. Meu lugar preferido. É lá que eu entro.

Chego quase 20 minutos mais cedo que o habitual e me permito observar a vista e analisar cada nuance do agito que se passa fora do café. Relaxo os ombros após um dia cheio de demandas e me preparo para fazer o pedido quando o vejo: sentado na mesa de madeira antiga à frente, adornando o espaço com sua presença; o sol do fim de um dia ameno iluminando seu rosto. Ele está observando o mesmo caos que eu observava há pouco. Aproveito seu momento de distração e tomo a liberdade de observá-lo mais um pouco, roubando cada detalhe que consigo: o sol ainda beija seus cabelos castanhos graciosamente bagunçados, fazendo-os parecer mais claros; suas sobrancelhas arqueiam levemente enquanto parece analisar o mundo fora do café e carrega um livro consigo, deixado aberto em cima da mesinha. Faço uma nota mental de arquivar cada traço para poder descrever este completo desconhecido sentado à frente à minha amiga e, nesse instante, ele se vira e me vê. O par de olhos cor de amêndoa mais amigáveis que já pousaram sobre mim.

Desobedecendo todas minhas vontades, desvio o olhar e torno a fitar as pessoas lá fora, na esperança de atenuar as batidas do meu coração. Olho e olho, conto os carros, as faixas da rua e as linhas das calçadas, até que um dos atenciosos atendentes esteja livre para anotar meu pedido. Vejo que o dono dos amigáveis olhos também faz seu pedido e só aí realizo que estava consciente de seus movimentos durante todo o tempo, como se meus sentidos o procurassem.

Na esperança de ocupar os pensamentos, retiro um livro da bolsa e começo a ler de onde parei. Alguns longos minutos se passam até que avisto alguém trazendo meu pedido. É só quando tomo o primeiro gole do café que me permito mais um olhar para a mesa da frente: lendo o primeiro volume da série que estou terminando o penúltimo livro, ele espera seu pedido chegar. Meu ímpeto quase instantâneo é de pular da cadeira e ir até sua mesa perguntar qual sua opinião sobre os acontecimentos do enredo. Quase tão forte quanto meu desejo é minha sensatez de me manter sentada somente devorando cada detalhe da cena que tumultua minhas ideias. Mais uma vez, o par de olhos se volta para mim e então passa para o exemplar que está em uma de minhas mãos. Voltam para mim e ele sorri em uma linha fina enquanto segura seu próprio exemplar para que eu veja. Retribuo o tímido sorriso, incapaz de olhar para qualquer coisa a não ser seu rosto e, dessa vez, não desvio o olhar. Vejo seu sorriso aumentar lenta e magneticamente, até que o vejo erguer sua xícara para mim em uma encenação de brinde. Retribuo o gesto, atordoada, e volto a me concentrar em minha comida. Os momentos seguintes seguem tipicamente até meus olhos captarem uma camiseta branca e um jeans vindo em direção à mim.

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Foi preciso reunir cada gota de coragem existente em mim para forçar meu corpo lânguido a se levantar da pequena mesa da cafeteria e caminhar o que parecia um trajeto eterno até a mesa da mulher que estava sentada à minha frente e que obteve meu completo fascínio na última meia hora. 

Sua pele -antes iluminada pelo pôr do sol- agora era beijada pela luz da lua. Seus olhos, de um castanho tão intenso quanto o céu noturno, pareciam refletir a luz das estrelas enquanto retribuía timidamente meu sorriso. E, sim, seu sorriso. Nem o melhor dos viajantes, ou o mais renomado escritor poderiam comparar seu sorriso às maravilhas mundanas ou às palavras já existentes. Completamente absorto pelos detalhes, demoro o que parecem anos até encontrar as palavras escondidas dentro de mim. Quando saem, atrapalhadas, é para comentar que estamos lendo o mesmo autor. E então, de atrapalhadas passam para aturdidas, assim que ouço sua voz em resposta. 

E é assim que entramos na mais simples e envolvente conversa acerca de gostos compartilhados, vivências e tudo o mais que possa surgir de uma falação sem freios. Como se estivéssemos guardando assuntos ao longo de muito tempo só para poder falar neste dia. Como se fôssemos grandes confidentes um do outro. Como se o universo estivesse poeticamente alinhado para que nos encontrássemos e os astros tivessem nos dado sua bênção silenciosa naquela noite. Enquanto fala, absorvo cada detalhe seu: como gesticula com as mãos ao falar de seus projetos de estudo e trabalho; a forma como sua cabeça inclina e suas sobrancelhas arqueiam ao me ouvir falar; o som esplendoroso de sua risada que, vez ou outra, surge para abençoar meus ouvidos.

Conversamos por horas, até ficarmos roucos. Quando nos damos conta, os atendentes já estão arrumando as coisas para fechar. Deixando várias xícaras de café para trás e ansiando por mais tempo, sentamos na praça. Depois, caminhamos pela cidade. E depois, cansados, sentamos no meio fio. Escutamos música. Deitamos na grama sem nos importar com casualidades. Conteplamos o céu e nomeamos as estrelas que conhecemos. Ela divide um poema que está escrevendo. Mostro várias das fotos instantâneas que tirei amadoramente. Iluminados por uma ideia, tiramos uma foto daquele momento na esperança de eternizar nosso encontro. Pacientemente, ela espera revelar e então pede para escrever um poema atrás. Pede ainda que eu somente o leia quando já estiver em casa.

Um pouco antes do sol raiar, me confidencia que nunca havia se sentido tão conectada a alguém a ponto de compartilhar seus anseios mais viscerais e expor seus sonhos mais ínfimos. Assinto para ela, meneando a cabeça na falta de encontrar palavras que expressem como concordo com ela. Explico, aliás, como concordei com ela em muitas coisas; a sinceridade que demonstrei foi aquela que jamais havia rendido à alguém. A conexão que experimentei foi tamanha a ponto de devanear se não havia um fio nos conectando e nos aproximando.

Agarrando-se aos últimos minutos que restaram antes de a cidade começar a acordar, terminamos (ou como ela bem definiu, apenas pausamos) nossa conversa, com frases carregadas de expectativa e juras de possibilidades. Olho bem para seu rosto na tentativa de memorizar cada centímetro de seu ser, bem ciente de que jamais deixarão meus pensamentos. Suas mãos impacientes seguram as minhas até o momento de, enfim, partirmos cada um para sua jornada.

Ao chegar em casa, retiro do bolso a foto -nossa foto- e a olho mais uma vez ainda em descrença dos momentos que vivenciamos em uma única noite. Passo os olhos por sua bela caligrafia e, enfim, leio as palavras, emprestadas de José de Alencar e dedicadas a mim por ela: 

"As almas como as nossas quando se encontram, se reconhecem e se compreendem".

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