Apenas quando Violeta completa três meses, tendo dado um descanso com as cólicas, eu me sinto confortável em sair de casa com ela pela primeira vez. Peeta retornou há duas semanas para a padaria, apenas de manhã, porque eu o obriguei com gritos literais e ameaças. Estava ficando difícil que nós dois não estávamos tendo trégua na rotina, mas vê-lo relaxado fazendo arte para outras pessoas através da comida me relaxava. Isso trouxe um clima muito melhor, estar na padaria o alegra, relaxa, ainda que o deixe fisicamente cansado, ele consegue cumprir um bom tempo sozinho com Violeta e eu uso o tempo para descansar, pois Hazelle tem vindo ajudar com a limpeza da casa.

Suspiro o ar fresco, estamos entrando agora no verão. Não conseguimos celebrar os aniversários mensais dela até hoje, então resolvemos deixar para lá por enquanto. Delly pareceu surpresa, já que qualquer pequena coisa para ela é razão para enfeitar a casa, mas tem nos dado muito suporte para todo o resto. Inclusive estará dando mais tarde.

Hoje é aniversário de Peeta. 28 de junho. Tentei acordá-lo com cheiro de bolo fresco, mas o que consegui dar foi um omelete queimado e uma fralda suja de cocô de Violeta, que se divertiu com isso. Chorei muito, Butter acabou derrubando metade da massa de bolo que eu estava fazendo. Foi uma manhã caótica e triste pra mim, mesmo com meus esforços. Sei que ele não falaria isso para mim, mas foi. Pelo menos eu consegui limpar a cozinha enquanto ele ficava com Vilu, é o que ele mais gosta de fazer além de ficar comigo.

Mês passado, no início de maio, foi meu aniversário. Minha mãe veio com Annie e Finneas, fizeram uma faxina na casa, mesmo que não tenha muita bagunça, é difícil manter todos os banheiros lavados, quartos sem poeiras. Trouxeram materiais para Peeta pintar, sem que ele pedisse e uma jaqueta de couro para eu usar quando voltar a caçar, além de uma garrafa térmica grande. Fiquei surpresa e alegre pelo o que fizeram por mim. Por nós. Isso deu tempo para Peeta preparar meu bolo favorito, os melhores pães de queijo de todos, doces que eu não comia há meses por causa da dieta restritiva. Ele encheu bolas e decorou toda nossa sala de surpresa para mim, para celebrarmos com Delly e a família, Haymitch, Hazelle, minha mãe e Annie. Foi um dia tão especial. Quero que ele tenha o mesmo.

Verificando pela quarta vez de que a bebê está presa e segura no sling, que o meu macacão jeans está sem manchas e a bicicleta não vai me deixar na mão, eu saio pedalando pelo distrito. Minhas pedaladas são leves, Violeta me olha com seus olhos azuis profundos, e eu sorrio, aliviada que ela não está estranhando. O clima está abafado, mas não desagradável.

Chego na padaria durante o almoço, sem muito suor. Peeta está montando legos com Thomas e Angelo, enquanto segura um sanduíche com apenas uma mordida. Pelo avanço na brincadeira, estou certa que ele não vai terminar isso tão cedo.

— Tia Kat! — as crianças gritam e vem correndo ao me ver. — Eu achei que você ia morrer dentro de casa.

Thomas é sincero, mas isso me faz rir. O que é algo que tem sido muito difícil. Meu psicológico ficou um caos após o parto, ainda está. Peeta tem sido a pessoa mais gentil de todas, mas as pessoas ao meu redor também. Uma vez na semana Delly e John aparecem para ficar com Violeta na sala junto com seus filhos enquanto eu e Peeta podemos dormir por duas horas sem interrupções.

— Está tudo bem? — Peeta pergunta, se levantando, até um pouco assustado. — Está passando mal? Precisa ir na emergência? 

— Só vim andar um pouco de bicicleta e buscar você para andarmos juntos. É o que posso dar de presente de aniversário — respondo, um pouco envergonhada. Não tem sido fácil para mim aceitar a mudança na nossa dinâmica, mas tento me lembrar que é passageiro.

Peeta sorri, como se eu tivesse lhe dito que teríamos um cachorro agora e uma escola de filhos. Vem correndo para me abraçar, tendo cuidado para não apertar Violeta, que suspira, em um sono pesado. Ao menos ela dorme muito bem de manhã.

— Vou trocar de roupa.

(…)

É divertido. Andamos em passos lentos, já que Violeta estava dormindo, mas conversamos sobre coisas que tem acontecido na padaria. Quando ela acorda, já estamos voltando, entrando na Vila dos Vitoriosos. É adorável ver ela bocejando, com uma boca minúscula, em seu corpo pequeno, parecendo ainda mais indefeso no colo de Peeta.

— Eu amo tanto você, Katniss — ele diz, baixo, caminhando devagar, com a menina em seu peito no sling. Ele desliza a ponta do indicador no nariz dela, muito parecido com o meu, e ela sorri banguela, olhando para cima.

Dou de ombros, entrelaçando meu braço no dele, beijando seu ombro. Ele ri. Consigo andar com um braço dado e o outro empurrar minha bicicleta. Sinto meu cabelo voar com o vento abafado, mas sorrio. Estou tempo demais sem sair de casa, ainda bem que eu saí hoje.

Avisto Delly de longe, que faz um sinal. Sorrio ainda mais, ficando animada. Solto o braço de Peeta, subo na bicicleta.

— Vejo você nos fundos — é tudo o que digo, então saio pedalando rindo até nossa casa. Escuto ele rir, então Violeta também ri. Ela ri bastante para um bebêzinho que chora tanto.

Largo a bicicleta num canto, pego Butter no colo e corro para onde Delly está com todas as pessoas que somos próximas e amamos. Não consegui fazer o bolo, mas John, que é o melhor depois de Peeta, fez um de três andares, de nozes, como ele mais gosta. Sou surpreendida quando vejo Johanna, Gale e Alexander, ao lado de Annie, em risos baixinhos. Mal dá tempo de acenar, pois logo Peeta aparece, então jogamos confete para cima.

— Surpresa! — gritamos juntos. Violeta começa a chorar, então eu a pego nos braços. Felizmente ela para logo, se distraindo com a gola da minha camiseta.

— Eu não sabia que vocês estavam armando nada, eu nem desconfiei, onde você fez esse bolo?! — Peeta parece genuinamente surpreso, abraçando todo mundo como o ótimo comunicador que ele é. Se ele se candidatasse para qualquer coisa, ganharia sem precisar de esforço. Rio com meu próprio pensamento, abaixando a cabeça para rir mais um pouco, antes de começar a cumprimentar as pessoas também.

— Não é todos os dias que se faz 35 anos — eu digo, baixinho, para apenas ele ouvir. Peeta me olha com um sorriso que ilumina o mundo. 

— Obrigado. De todo meu coração, Katniss. Você é o meu amor.

Sei que ele está sendo sincero, porém meus hormônios ainda estão desregulados e eu me emociono. Tenho chorado tanto, que eu nem me envergonho mais. O abraço, sabendo que Violeta está com minha mãe, que sujou a fralda. Ele passa os braços por mim, me tirando do chão e me balançando, o que faz com que as lágrimas sumam, e eu ria.

— Eu não planejei. Delly só falou para eu enrolar você enquanto eles cuidavam do resto. Ficaram com pena que não pudemos celebrar nosso 16º aniversário de casamento em abril, e sabem que eu não gosto de festas como você — ele continua sorrindo, beijando o alto da minha cabeça. — Gosto de você feliz. Me faz feliz.

— Espera ver o que eu vou planejar para retribuir — ele sussurra, bem no meu ouvido, enquanto tira uma mecha de cabelo e coloca atrás da minha orelha, deixando um beijo no meu pescoço, tão discreto que ninguém nota.

Sinto minhas bochechas ficarem vermelhas, então tenho que disfarçar, me afastando, enquanto ele ri. Aproveito para ir abraçar Johanna, que está com Violeta nas suas pernas, ao lado de Gale e Hazelle. Não me incomodo que ela não esteja com minha mãe, como eu tinha deixado instantes atrás, porque confio neles também. Não os vejo pessoalmente há quase três anos, então meu abraço nos três é sincero. Hazelle evita falar deles quando estamos juntas, assim como Peeta, mas hoje eu realmente estou tranquila e não penso em qualquer coisa além de estar bem. Hoje é um dia para celebrar, saí de casa depois de meses e é aniversário da pessoa que mais amo no mundo.

— Como você pode ter tido um bebê igual você, desperdiçando toda a genética do padeiro, Katniss? — esse é o comentário mais Johanna possível. Gale balança a cabeça, cobrindo o rosto, me fazendo rir sinceramente, me deixando leve como muito tempo eu não me sentia. — Não que você seja feia, mas que desperdício.

— Ela tem os olhos dele, pelo menos — Gale acaba acrescentando, tomando o lado da esposa, que dá um sorriso para ele. A sintonia dos dois é muito boa.

— Alexander parece demais com você, Gale — Hazelle comenta, encostando carinhosamente a ponta do indicador na bochecha corada de Violet que ri banguela, familiarizada com ela, que me ajuda muito nas manhãs em que Peeta tem ido para a padaria. — Até os olhos. Mas tem a energia de Posy com você, Anna.

— Podemos fazer mais um, o que você acha, Gale? Eu estou disposta agora, lembra como Alex foi adorável nessa idade? — seu marido ri, assentindo.

— Johanna, você é completamente incorrigível — eu interfiro, cortando o olhar quente e sorridente de um para o outro. Eles riem, enquanto ela balança as pernas e minha filha em cima delas, se divertindo, segurando os dedos da minha amiga com suas mãos minúsculas de bebê. — Ela está amando vocês. Nem sempre ela é assim. Tenho a sensação que prefere Peeta do que eu.

— É verdade, eu também acho que ela prefere ele do que você — Annie comenta, se achegando. Acabo me sentando no chão, de frente para Johanna, e a ruiva se senta ao meu lado, com um vestido curto e delicado, perfeito para o verão. — Tem como culpar?

Rio mais uma vez, balançando a cabeça em negativa. Alexander chega, comendo um pedaço enorme de bolo, enquanto discute com Finneas sobre qual esporte é melhor — surfe ou futebol. Gale revira os olhos, se afastando para resolver, acabando por jogar o filho de quase oito anos nas costas como se não fosse mais do que um cobertor. 

Isso faz com que Alexander deixe seu bolo cair em cima de Haymitch, que estava bebericando uma garrafa de vinho. Estava, porque se suja, então ele simplesmente passa a mão no rosto e volta a beber como se nada tivesse acontecido.

— Ele é tão forte, que treinamento é esse? — Annie pergunta, rindo, observando a cena como nós. Ela pega um dos doces no meu prato, então alisa o cabelo de Violet. 

— Ele passa cinco dias da semana no Distrito 2. Algum cargo importante. Os outros dois é em casa, mas uma vez no mês é o contrário. Isso é bom, a gente briga menos, porque ficamos preocupados fazendo sexo para compensar a saudade e Alex não tem vontade de seguir carreira como pacificador.

Johanna fala com tanta tranquilidade, Hazelle está acostumada, apenas ri, assim como eu, enquanto Annie fica vermelha como seu cabelo. Violeta se estica para mim, então eu a amamento depois de cobrir meu peito com um pano.

— Você deveria falar menos sobre essas coisas, Johanna — Annie ralha, dando um pequeno tapa na morena, que sorri. Johanna está com um corte chanel perfeito para seu formato de rosto, de um lado maior que o outro, dando um caimento delicado e poderoso ao mesmo tempo. De algum modo, ela e Gale devem ter sido predestinados desde o momento que se conheceram, porque realmente combinam muito. — Você é muito safada.

— Você quem quer ser a santa, Annie. Você sabe o que faz da sua vida? Vale a pena ter alguém elogiando e dando tapa na sua bunda de vez em quando enquanto geme o seu nome.

Estou bebendo suco quando Johanna fala isso, então sai toda a bebida pelo meu nariz em uma risada com a expressão escandalizada de Annie. Tudo isso faz com que todas nós comecemos a rir, ainda que Violeta reclame em uma encenação de choro quando molho ela, mas passa logo.

— Tem uma pessoa. No 4. Mas é tudo novo para mim — Annie confessa, baixo. Hazelle é discreta, pisca para mim e se afasta, indo ficar com minha mãe. Delly acaba se aproximando, com Angelo adormecido nos braços, mas antes de se sentar beija a bochecha das duas, pedindo licença para participar da conversa.

— Annie está querendo dormir com alguém depois de anos. Deve até ter teia de aranha lá embaixo — Johanna comenta, agarrando Annie, trazendo a ruiva para seu colo, fazendo todas nós rirmos. É um momento leve e divertido, com ela contando que é uma pessoa da mesma idade que a gente. Um professor de Finneas.

— Como você se sente com isso? — Delly pergunta, delicada e afetuosa, como ela sempre é. 

Peeta chega nos trazendo bolo, e pega Violet um pouco para que eu possa comer. Beijo a mão dele, então passo a bebê, que vai tão feliz que eu fico quase triste. Quase. Passamos todos os dias juntas, já que ela depende do meu leite. Então tudo bem ela amar ele, pois assim consigo fazer alguma coisa.

Quando ele se afasta, Annie dá mais detalhes, mostrando uma foto dele. Uma foto deles juntos, especificamente, que estava dentro do livro que ela está lendo.

— Parece que não é tão inicial assim. Depois você me chama de safada, ele deve é estar pegando na sua bunda faz tempos — Johanna comenta, pelo menos mantendo o tom de voz baixo, enquanto Peeta, seus amigos e Gale jogam sinuca. John, marido de Delly, tem uma mesa portátil e sempre ficamos mudando de lugar, às vezes trazem para cá, às vezes fica lá, é divertido.

— Duas vezes quase que aconteceu, mas eu fiquei nervosa — a ruiva comenta, ficando vermelha. — É como se eu estivesse traindo Finnick. Eu me casei virgem, sabe. Então quero um relacionamento estável.

Assentimos. Fica um clima um pouco menos leve ao mencionar Finnick dessa forma, é possível ver no rosto de Johanna a mudança claramente. Ela e Annie são próximas, por isso as brincadeiras e a intimidade.

— Só se você se sentir confortável, Annie. Não é errado se sentir assim. Mas você sabe que ele gostaria que fosse feliz — eu mesma me surpreendo que eu esteja dizendo isso. 

Ela assente, então sorri.

— Obrigada, gente.

(…)

Tiramos muitas fotos. Fotos que somam uma pilha maior do que de pratos para descartar, porque a câmera foi subtraída por Alexander e Finneas em um momento e eles tiraram inúmeras fotos para cada um dos convidados e mais fotos para nós guardarmos de recordação. 

— Acabei de falar com Effie, pedi mais folhas para um novo livro de memórias. O nosso primeiro não tem mais nem como colocar novas páginas — Peeta avisa, num suspiro cansado mas sorrindo. Ele beija minha testa, enquanto nino Violet, em passos no mesmo lugar na cozinha. — Vou ver se Gale e Johanna conseguiram se acomodar no quarto de hóspedes.

Com o nascimento de Violeta, os conflitos se tornaram ainda mais superficiais do que já eram depois do perdão. Gale e Johanna vão passar a noite aqui com o filho antes de retornarem para o Distrito 7, não me incomodei ou me senti mal em nenhum momento quando Hazelle disse que não tinha espaço, porque sei que é verdade. A casa dela é nova, porém conta apenas com seu quarto e uma pequena sala, além da cozinha e banheiro.

Peeta e eu não conversamos sobre isso, porém não vai ser um motivo desagradável entre nós, eu sei disso. Com todas as dificuldades enfrentadas no puerpério, eu posso nos sentir mais alinhados um com o outro, é forte e inexplicável. Logo sinto seus passos se aproximando, me beijando no alto da cabeça.

— John disse que o bolo que você comeu era sem leite de vaca e sem nozes. Também tinha farinha de arroz ao invés de trigo — Peeta comenta, observando nossa filha mamar serenamente em meu peito. Ele sorri, me olhando. — Ela se parece tanto com você.

— Eu sou chorona? — brinco, batendo meu quadril no seu. 

— Agora está. Por isso é sua xerox.

Acho graça, porque é verdade. 

— Ela está calma hoje, desde que saí mais cedo. Quero que seja assim para sempre. Sei que não vai ser, mas estou jogando para o universo.

Ele ri outra vez, me abraçando de novo. Sei que está feliz com a surpresa, e isso me deixa realmente feliz.

— Enquanto você a coloca para dormir, vou guardar as fotos. Vou separar as coisas para você tirar leite antes de deitar. Seu pijama azul?

Beijo seu ombro, assentindo, depois de me inclinar um pouco. Fecho meus olhos, apoiando minha testa em seu peito por uns segundos, antes de me afastar. Tem sido dias realmente muito difíceis. Choros, fraldas sujas, cólicas. Mas temos aguentado. Juntos. 

E vamos continuar fazendo isso, até o fim dos nossos dias.