Eu Sei Quando Você Mente escrita por Mitchece


Capítulo 9
Nada, nem ninguém




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O Clube Recreativo ficava em uma das últimas ruas da cidade. Na parte dos fundos, além dos muros que agora sofriam para se manterem de pé, havia uma mata que separava a área urbana de uma extensa plantação de soja. Um pequeno portão de ferro sem tranca dava entrada fácil para a região onde ficavam os campos de futebol e de vôlei.

Ainda na parede, no lado de fora, uma desbotada pintura de quatro anos atrás anunciava: Vote certo, vote Olavo Roberto para prefeito. Vote 45. Uma rachadura irrompia sua superfície horizontalmente e dividia as palavras "Roberto" e "prefeito". Era a única pintura do longo limite do terreno. De frente para o nada.

Na parte de dentro, o gramado já estava sofrendo com a falta de cuidados e os arbustos cresciam até a altura dos tornozelos. Até na areia da quadra de vôlei já se via um gramado crescendo e dominando o espaço. A rede estava arrebentada pelo lado direito e caía sobre o meio da quadra.

Mas era pela frente que preferia entrar. Havia inspecionado a região há dias. Sempre olhava tudo. Entre caminhadas despretensiosas e ainda sem máscara, o Anônimo percorria todos os arredores de onde achava que poderia fazer seus encontros e emboscadas.

Tinha identificado o portão frágil dos fundos. Era bom. Dava para uma rua deserta e mal tratada, ainda de terra, mas era muito barulhento. Não podia deixá-lo aberto pois preferia evitar olhares curiosos que estranhassem a vista. Umas pessoas passavam naquela ruazinha durante o fim da tarde para caminhar ou andar de bicicleta porque, mais pra frente, dava acesso fácil a uma estradinho bem plana. Então preferiu delegá-lo como rota de fuga.

A rota de fuga. Era onde sempre deixava escondida, mas, de fácil acesso, uma pistola carregada. Até então nunca havia precisado dela e o protocolo final seguia: sair da cena do crime, tirar a roupa, pegar a arma de volta e desaparecer.

Importante também era observar a rotina. Sendo uma cidade pequena, era mais fácil de entender. Tudo era um ciclo de duas fases: dias úteis e finais de semana. Fora isso, havia poucos eventos extraordinários. Mas observava as duas ocasiões igualmente e sempre planejava o calendário. Sabia as datas, mas poderia precisar de algum improviso que incluísse a data e horário diferentes.

O clube era o lugar perfeito para aquela ocasião. Longe, abandonado, sem nenhuma atenção da população ao redor e com poucas casas por perto. Mas antes era um lugar bem vigiado.

Câmeras eram raras na cidade toda, independente do local. Mesmo assim era bom evitar a região central e as bandas dos prédios públicos. Casas de moradores ricos, também.

Guardas perambulavam pelo clube durante os primeiros meses após o fechamento. Depois, um homem simples e mais barato ficou responsável pela ronda. Até que não houvesse mais nada de interessante para se guardar ali.

No planejamento, a rota de entrada também exigia alguns pontos importantes. Ser silenciosa, principalmente. Mas também ter coberturas de vigia escondidas e esmas, lugares onde podia enfiar-se e ficar de olho na movimentação e na vítima. Mais de um. O primeiro precisava ter uma vista ampla do local: das ruas que davam acesso, das calçadas e fachadas das casas, se tiverem por perto. Depois, um ponto seguinte com foco na entrada do local, caso fosse o mesmo que a vítima usaria. O terceiro deveria ser um misto dos dois. A atenção final para conseguir se infiltrar em segurança e sem ser notado.

Não havia nada, nem ninguém, na rua da frente do clube. Não viu a vítima da noite entrar, mas sabia que ela poderia usar o portão dos fundos. Esperou dez minutos após a hora marcada para avançar e se infiltrar. Esgueirou-se pelo baixo portão de concreto ornamentado que separava a calçada de um jardim com arbustos também crescidos fora do controle. Se naquele momento já tivesse alguém na rua, não conseguiria ver uma pessoa buscar o canto da fachada do salão de festas.

Espiou dentro dele pela alta janela de vidro quebrada. Todas as janelas estavam tapadas por tapumes na parte interna, mas aquele estava solto e, empurrando para o lado, dava uma boa visão. Aquela janela também tinha uma parte do vidro rompida, criando uma abertura grande o suficiente para saltar.

O salão era amplo e tinha entrada separada da do clube porque recebia festas e eventos externos da associação. O próprio Anônimo já tinha frequentado diversas vezes. Aniversários de debutantes, casamentos, coroação da princesa do rodeio e outros. Era deslumbrante, quando o clube ainda funcionava. O centro era circular e tinha um pé direito bem alto. Outras cinco ante salas circundavam o espaço e eram interligadas por largos arcos rebuscados, onde ficavam as mesas, normalmente. Mas os dias de glória passaram e era apenas uma amplitude vazia com tacos estufados, paredes estouradas e teto quase cedendo.

Buscou o lado direito do salão e entrou na área de serviço. Tentava forçar a visão ao máximo que podia para enxergar bem o caminho e principalmente evitar esbarrar em qualquer coisa que fosse, além de dar passos silenciosos. Não usava lanternas nem nada do tipo para não ser foco de luz. Contava com noites de céu limpo e lua cheia para ajudar a ter um pouco de esperança na escuridão da noite.

Um corredor de ladrilhos brancos dava acesso a uma cozinha grande que ainda recebia balcões, fogões, exaustores e panelas enferrujadas, num clima de que havia sido tudo abandonado às pressas e nunca mais tocado. Subiu sobre um dos balcões de inox para espiar a janela fina que dava uma noção boa de parte interna do clube. Dedicou um minuto todo para escanear cada canto que via em busca de qualquer movimentação estranha e não esperada.

Desceu e foi em direção a um forno industrial velho e alcançou dentro dele um pacote escuro. Ao desvencilhá-lo do nó da fita cinza, um tecido longo e esvoaçante escorreu de suas mãos até o chão. No meio dele havia duas facas de caça idênticas, um dispositivo de metal e uma máscara de samurai coberta com recortes de jornal e manchada com umas quatro gotas de sangue abaixo da entrada do olho direito.

Vestiu primeiro a capa sobre a sua roupa e cobriu todo o corpo. Embaixo da luva de pano ajeitou outra de plástico que carregava no bolso do jeans. Acoplou na abertura da boca da máscara o dispositivo e encaixou-a no rosto enquanto olhava seu reflexo no vidro trincado do forno.

Foi uma transformação. Sua postura ficou mais alta por causa da coluna ereta. Os ombros mais largos e projetados. As pernas e joelhos mais firmes ao chão e com passos decididos, mas ainda leves e sorrateiros. A respiração também mudava. Era potente e quente como a de um touro.

Admirou a faca na mão direita. Os dedos a seguravam firmes, como se fizesse parte de seu corpo. O pulso era decidido e maleável na medida certa. Não vacilava como nas primeiras vezes em que a empunhou para matar. Depois, deixou a lâmina escondida na manga do tecido largo. A segunda faca ia na sua cintura.

O terreno do clube era praticamente todo plano, assim como a maioria da cidade. Se não fossem os matos, arbustos e árvores sem podas e crescendo livremente, daria para ter uma visão panorâmica de quase todas as partes. Na medida do possível, o Anônimo ficou atento aos cantos que podia. A saída de serviço do salão de festas dava para a parte de trás da área com piscinas, que estavam vazias e com o acabamento rasgado e seco.

Pulou a grade baixa e caminhou sobre as pedras São Tomé manchadas beirando um arbusto alto. Do outro lado ficava o bar. No fundo, o balcão amplo que separava a cozinha das mesas ainda tinha garrafas de vidro nas prateleiras e ratos roendo algo dentro da estufa. As mesas de madeira e plásticos remexidas, quebradas e espalhadas pelo alpendre reforçavam nele a sensação de local abandonado. Nitidamente algum grupo de baderneiros se divertiu bastante quebrando as coisas por ali, principalmente os vidros. O chão estava forrado de cacos, então deu meia volta no bar para chegar num caminho de pedras brita, que também não eram tão silenciosas. Mas aproveitou para alcançar um meio tijolo quebrado. Precisaria dele logo em seguida.

Até que, enfim, chegou no local marcado. Observou, um pouco de longe, a antiga academia. Alguns aparelhos resistiam lá dentro, mas a maioria era ausente. E estava lá. Seu encontro. Conseguiu ver no canto do local, com o rosto iluminado pelo brilho tímido de um celular.

Do bolso esquerdo do jeans tirou um bilhete de papel sulfite e um elástico de escritório que usou para prendê-lo no tijolo. Sem pestanejar, arremessou na direção da única janela de vidro da academia.

Riu em silêncio imaginando o susto que seu encontro teria. Um lugar abandonado, vazio, cheio de sujeira, com aspecto pós-apocalíptico, no aguardo de um assassino que já tinha feito duas vítimas e ainda a ameaçava de ser o próximo. Quando, de repente, um objeto irrompe o material mais barulhento possível, estoura sua visão assustada e cai com força e estrondo perto de seus pés. Seria de fazer o coração travar e ficar descompassada por minutos inteiros.

Mas toda esta cena teve que ficar na sua imaginação. A partir do momento que lançou o tijolo, já se esgueirou para se esconder na próxima tocaia e aguardar seu encontro ler o bilhete. O Anônimo entrou em um dos chalés de churrasqueira e observou de longe, alguns minutos depois, a vítima sair da academia. Deu para perceber que estava assustada. Olhava para todos os lados e caminhava com passos vacilantes, como se estivesse andando sobre um campo minado que pudesse lhe explodir a qualquer momento.

Não demorou tanto para ir ao segundo ponto de encontro que o bilhete pedia. A vítima passou pela porta quebrada do vestiário masculino, ao lado dos campos de futebol e vôlei, e ficou esperando no local escuro.

O Anônimo ainda fez mais uma ronda com o olhar pelo clube para se certificar de que não havia nada, nem ninguém, por perto. E, por fim, caminhou até o banheiro. Sua respiração já pesava e umedecia a máscara. Podia incomodar, mas aquelas sensações ajudavam-lhe a encarnar o seu papel, o ser que precisava.

Ele tinha o próprio cheiro abafado embaixo da máscara. O próprio sabor do suor repleto de adrenalina que escorria até os lábios. O corpo quente coberto pela capa, a voz metálica que saía do modificador. Era até essa mesma voz forte, quebradiça e potente que soava nos seus pensamentos quando planejava seus atos, que embalava suas memórias de tudo que fazia como o alter ego. Memórias que resgatavam também a própria visão, que lhe entregavam rostos amedrontados, sangue e vísceras. Quando olhava para si, vestido, via sombras e escuridão. Via-se como a morte.

Na hora de entrar no banheiro, não precisou mover-se como uma sombra. Invadiu o local sem se preocupar com o barulho dos passos, nem com a primeira visão que se colocaria. Encontrou sua vítima parada ao lado da pia, no fundo do banheiro comprido. Ela o encarou estática, grudada à parede de lajotas brancas que revestiam o ambiente do chão ao teto. Nitidamente amedrontada, soltou um riso frouxo, quase de alívio, ao vê-lo entrar. Empolgada com aquele encontro.

Já o Anônimo aproveitou o tempo para admirá-la. Nunca havia ficado mais que segundos encarando uma de suas vítimas face a máscara. Estudou seu rosto, analisou o compasso da sua respiração pelo movimento do colo do peito, viu os dedos nervosos se recolhendo sobre si mesmos como se tivessem tentando se livrar de uma cola, os pés vacilantes no chão e preparados para, sei lá, talvez correr, mesmo que a figura demoníaca estivesse entre ela e a única saída do local. E o sorriso abobalhado de quem via um ídolo.

Um goteira invadia o ambiente e criava um certo ritmo. A cada dois segundos ela escorria de um cano sobre um dos privativos e caía no ladrilho. Seu som ecoava fino, delicado e insistente. O silêncio absoluto tornava-o tão alto.

A figura parada na porta esperou um dos toques da água para anunciar sem rodeios:

— Algemas.

A vítima fez que sim com a cabeça, como quem já sabia o que significava. Passou as mãos sobre os cabelos cor de fogo para ajustá-los para trás e alcançou, dentro de uma das pias, uma algema fina. Em seu lugar, colocou o celular. Prendeu uma das aberturas no pulso esquerdo e a outra no cano que descia da cuba mais próxima. Depois, escorreu o corpo para baixo e ficou ajoelhada no chão e de cabeça baixa. Encarou o chão por um tempo e o Anônimo deu dois passos lentos em sua direção, até ficar próximo do mármore que servia de balcão para as quatro pias. Um espelho longo cobria a parede toda. Estava rachado no meio.

Windera não levantou a cabeça em momento algum. Ouviu ele pegar seu telefone na cuba e esperou-o vasculhar cada canto do banheiro e conferir uma última vez o lado de fora. Ele procurava algum gravador, câmera ou seja lá o que fosse. Windera sabia que, se ele encontrasse algo, ou suspeitasse de algo, a mataria sem hesitar. Não poderia vacilar daquela forma. Era ele e ela, tete a tete.

Parou de ouvir sons de passos e imaginou que ele já tinha terminado. Mas, mesmo assim, esperou que ele falasse alto para levantar a cabeça.

— Por que? - A voz metálica ecoou decidida pelo banheiro vazio.

A garota já tinha planejado aquela resposta. Repassado centenas de vezes na cabeça. Ajustando a ordem das explicações, alterando palavras, repensando os motivos. E, mesmo com uma versão final em mente, engasgou para dizer algo.

— E-eu quero ajudar - foi tudo o que conseguiu dizer. Com palavras atropeladas, sem coro.

— Por que? - ele repetiu, não satisfeito com a resposta.

Ela encarou a máscara novamente e só naquele momento notou os respingos de sangue sobre as letras do jornal. Tudo tornou-se mais real e mais perigoso. Seu coração começou a acelerar e todo o roteiro que tinha criado para aquela tão esperada situação embaralhou-se. O Anônimo existia e era algo, mas não alguém. Olhava para um fantasma e não conseguia conceber quais seriam seus próximos movimentos. Podia sumir num piscar de olhos. Ou sumir com a sua vida num piscar de olhos. Realmente havia alguém atrás da máscara?

— Por que? - ele repetiu. E não imaginava que seu silêncio pudesse ser tão incômodo. Talvez o medo aumentasse ainda mais essa angústia e tornava ele capaz de efervescer os ânimos da garota a ponto dela vomitar uma palavra atrás da outra sem qualquer ponto, vírgula ou pausa sequer:

— ... e então eu acho que você quer expor a podridão das pessoas de um jeito e mostrar a hipocrisia da sociedade...

Ela parou de vomitar o discurso lavado quando ele levantou a mão livre e colocou o dedo indicador sobre a abertura da boca da máscara de samurai, pedindo silêncio. Ele a encarou estática novamente, agora quieta. Depois de alguns segundos, decidiu voltar a falar.

— A resposta do porque está aqui eu sei - a voz metálica era a mesma desde o começo, mas pareceu mais grave e decidida. - Porque é burra. Eu perguntei outra coisa.

— Que coisa? - ela arfou baixo.

— Por que você mentiu que tinha uma carta?

— Eu te disse - ela reuniu toda a coragem que tinha para ser mais assertiva e segura nas respostas. Percebeu que as tentativas anteriores estavam irritando-o. Não podia. - Eu quero te ajudar a matar.

Não obteve resposta, apenas uma reação. Ele deu mais um passo em sua direção e deixou a lâmina da faca escorrer para fora da manga.

— E-eu achei que tinha me pedido para vir até aqui para te ajudar - continuou a resposta tentando conter ainda mais o nervosismo para fazê-lo parar a aproximação. Seu sotaque foi ficando mais marcado a cada palavra- E-eu não quero atrapalhar. Quero ajudar no que precisar. Não quero saber quem você é... Não quero, mesmo. Eu só quero sentir o que você sente. Quero ser lembrada. Quero tentar alguma coisa... Não quero mais assistir, quero agir...

— Fica quieta - ele interrompeu ainda com voz moderada.

Ficava cada vez, lentamente, mais próximo dela.

— Desculpa se fiz errado reunindo todo mundo, só queria botar medo neles e deixar mais divertido pra você. Eu também sei das coisas. Eu sei como você descobre os segredos e eu também consegui, sei quem tinha a carta... Não devia ter feito isso, né? Devia ter deixado rolar... Eu não imaginava que você podia ser um deles, eu botei tudo a arriscar...

Os pés dele estavam a menos de cinquenta centímetros da garota encolhida no chão. Ele agachou-se para ficar no mesmo nível que ela e a garota levou um susto que fez seu corpo todo pular do ladrilho.

— ...eu também tenho vários fakes na internet, liguei os pontos com algumas contas e consegui encontrar as suas vítimas e...

E então o Anônimo a interrompeu novamente:

— O que é isso na sua boca?

Windera parou de desaguar suas justificativas e inseguranças e ficou confusa com a mudança repentina de assunto e de foco da figura a sua frente. Conseguiu analisar melhor as gotas de sangue da máscara. Leu algumas palavras soltas dos recortes de jornal e demorou para entender que ele estava falando sobre o seu piercing no meio da língua. Ao invés de respondê-lo, estirou a língua para fora para que ele pudesse ver melhor o item.

O Anônimo, num movimento delicado e lento para não assustar a garota, levantou a mão direita, pincelou a ponta da faca no piercing e fez cintilar metal com metal. Não tomava o cuidado para a lâmina não raspar na língua da garota. Queria que ela sentisse sua afiação e frio. Brincou com o objeto por alguns segundos, ainda com leveza. Contornou a lâmina para a parte de baixo da língua e fez o mesmo com o outro lado do piercing, logo depois do freio lingual. Windera levantou a língua para que ele pudesse analisar melhor. Quando cansou, ele anunciou com toda a morbidade que sua voz metálica podia evocar:

— Pra aprender a não mentir mais.

A faca fez um movimento rápido como o de uma armadilha recém-ativada. Sua ponta atravessou a língua de baixo para cima com a lâmina virada para fora. O sangue brotou instantaneamente da carne para a sua superfície metálica e começou a inundar a boca da garota, que emitiu um grunhido alto, mas afogado. Seu corpo arrepiou-se todo e começou a remexer-se no chão no intuito de se desvencilhar do corte, mas sem força o suficiente para que ele piorasse. Quando notou seus movimentos, o Anônimo puxou a faca para fora de sua boca e cortou sua língua ao meio, separando-a em duas. O som foi parecido ao de um tecido grosso se rasgando.

Windera urrou de agonia e dor. Balançava a cabeça de um lado para o outro no intuito de afastar a dor para longe, mas era em vão. A boca fechada não conseguiu dar conta de conter tanto sangue, que começou a escorrer pelos seus lábios e pingar pelo queixo, pescoço e o colo do peito. Levou sua mão livre para a boca para limpar o líquido, ou talvez tentar segurar a sua dor entre os dedos e jogá-la para longe.

A figura em sua frente assistia sua reação tranquilamente. Era interessante ver como a garota queria gritar, espernear e expressar sua dor verbalmente, mas o sangue não permitia. Quando abria a boca, uma onda escarlate emergia para fora com bolhas de tentativas de gritos e palavrões.

— Abre a boca - O Anônimo pediu, mas a garota reagiu apenas quando ele segurou o seu pescoço com e fez sua cabeça bater com força contra a parede.

— Abre a boca - ele pediu novamente e Windera fez que não com o olhar assustado.

Ele pressionou mais seu pescoço para sufocá-la e começou a passar a lâmina da faca sobre seus lábios vermelhos como ameaça. Colocou seu joelho sobre a virilha da garota e pressionou todo o peso do seu corpo sobre ela, que ficou forçada entre ele e o chão. A dor irrompia até o seu quadril e aumentava a cada segundo, até não conseguir mais manter os lábios fechados.

Rapidamente a faca foi de encontro à sua boca e tentou se infiltrar nos dentes cerrados. Com violência, entrou entre as duas linhas horizontais dos dentes até chegar no limite do cabo. Imaginou que a garota estivesse sentindo sua ponta atravessando sua goela e quase encostando no fundo da garganta, talvez a perfurando-a.

Windera mordia a lâmina com o intuito de contê-la. Com sua mão livre, tentava dar tapas da costela do Anônimo, puxar o tecido da capa e alcançar a máscara, mas ele pressionava sua virilha cada vez que ela dava uma investida. Desistiu e concentrou toda a sua força na mandíbula. Dentro da boca, as duas partes da língua lutavam desordenadamente para tentar empurrar o objeto para fora, mas era difícil controlar uma parte do corpo que agora eram duas e o lado direito ainda passava pelo fio da faca, recebendo cortes finos e muito dolorosos.

A lâmina se manteve estática por um tempo e depois a garota começou a sentir sua resistência. O Anônimo tentava girá-la com seu pulso enquanto aumentava a força da mão em seu pescoço. Windera não conseguiu manter a boca cerrada por muito tempo e sentiu a lâmina raspar pelos dentes, um a um, até forçar ela a estar com uma abertura do tamanho de um dedo. A cada dente que encontrava, um arrepio ainda maior explodia como uma tsunami sobre todo o seu corpo. A pele toda eriçou e sua cabeça tinha espasmos de tremedeira pela aflição. Sentiu todo o esmalte e a camada debaixo dos dentes serem arranhados e arrancados de sua superfície.

Se continuasse resistindo, iria morder a faca e fazê-la fincar sua gengiva até o queixo, então relaxou todos os músculos de seu rosto.

Foi a deixa perfeita para a faca entrar novamente em sua boca. Desta vez, decidida e com um alvo certeiro. Sua ponta procurou a base da língua e, com um movimento rápido e cirúrgico, irrompeu-a.

O Anônimo levantou-se e afastou-se logo após o corte e assistiu Windera cuspir sua língua para fora da boca, as duas partes. Ela tomou um ar repentino antes que o sangue voltasse a brotar em grande quantidade. Queria gritar, mas, tentando, afogou-se e engoliu e inalou o líquido vermelho. Entre tosses pesadas e desesperadas, acabou vomitando o sangue de volta para fora. O ácido que viera de suas entranhas queimavam o corte amplo de dentro da boca e seu corpo todo remexia porque era tudo o que ele podia fazer.

Antes mesmo de parar de vomitar, o Anônimo aproximou-se novamente e tampou sua boca com um pano para que ela parasse de emitir sons. A visão da garota ficou coberta com sangue, mas não conseguiu limpá-la porque notou seu braço livre ser imobilizado com uma segunda algema, que uniu seus dois pulsos. Depois, a figura certificou-se de que o cano que a primeira algema estava presa era firme o suficiente para ela não rompê-lo.

Olhou uma última vez para a garota rodeada de sangue, trancou a porta do banheiro e retornou para a escuridão do mundo lá fora.

Contravenção resolvida, ele pensou. Hora do último ato.

 


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