Margaery Tyrell: A Rosa Dourada de Highgarden 🌹 escrita por Pedroofthrones


Capítulo 33
Montanhas do Oeste




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Alleras segurava as rédeas dos cavalos, guiando a carroça, que chacoalhava pelo caminho pedregoso — evitaram usar as estradas principais para o caso de serem atacados por assaltantes ou algum exército inimigo. Estavam nas beiradas das terras do Oeste, perto da estrada do Rio, terras ricas e montanhosas, governadas pelos Lannister — que, apesar de poderosos, até o momento, pareciam querer ficar de fora de qualquer conflito atual, declarando apoio a Aegon, mas não movendo qualquer exército que fosse para guerra. No começo do caminho, o grupo havia pego a estrada do Mar, com vista para o Mar Poente, mas tanto Sam quanto Alleras concordaram em deixar as estradas de lado após passarem pelas ruínas do Salão Tarbeck.

As Terras Ocidentais haviam perdido grande parte de seu exército nas guerras que se seguiram nos últimos anos: Robb Stark derrubou vários ao longo de suas batalhas gloriosas, e a irmandade sem bandeiras e os lordes do tridente acabaram com grande parte dos leões dourados e seus vassalos no Casamento Cinzento em Correrrio. Os que estavam na Capital, ou morreram em nome da Rainha Cersei Lannister e seu filhinho, ou eram reféns do rei Aegon.

A carroça que os levava era pequena e frágil para uma viagem tão longa em um terreno de altitude como aquele; entretanto, fora o que eles conseguiram com alguns veados de prata. Os Greyjoy acabaram com praticamente tudo na Campina, e com Vilavelha não foi diferente: lojas saqueadas, Septos queimados — incluindo o belo Septo Estrelado —, e aqueles que não foram passados na espada, foram levados como escravos e esposas de sal, sendo acorrentados e levados até enormes dracares de guerra e cocas roubadas, onde atravessariam águas salgadas e geladas até as ilhas de ferro, de onde nunca mais voltariam.

Quando Euron Olho de Corvo pareceu deixar a Campina — algo que Sam nunca entendeu, visto que a frota Redwyne havia sido destruída numa estranha tempestade e o caminho estava livre —, Aegon varreu o restante dos invasores com seu imenso dragão, deixando-os serem consumidos por chamas verdes, assim como seus navios. Pelo que o pequeno grupo soube, os dracares dos homens de ferro estavam agora no tridente, de modo que resolveram seguir caminho ao longo das terras saqueadas da Campina, até o Oeste, e, depois disso, iriam até o Tridente e subiriam mais, seguindo até o Norte.

Na parte de trás da pequena carroça, estava Gilly, coberta de pele, junto do bebê da falecida esposa de Mace. 

— As árvores estão todas mortas ou cortadas — observou Alleras, passando os pequenos olhos escuros e inclinados pela vegetação devastada, tanto pelo clima severo, quanto pelas mãos humanas, tão cruéis quanto. Usava uma bragantina verde com tarjas de ferro, que estava desgastada pelo tempo. O tecido estava desbotado e as mangas brancas da camisa estavam puídas em contraste com a lã preta de Sam.

— Devem ter cortado — deduziu Sam, sentado ao lado do dornês, batendo os rechonchudos pés no ar. — Precisam de toda a lenha possível para sobreviver neste inverno.

— Estamos muito longe do nosso objetivo? — indagou Gilly, abraçada do Aemon, de quase sete dias de seu nome, que estava dormindo em seus braços. Ela estava bem magra, assim como Alleras, pois estavam com pouca comida. Ao lado dela, estavam dois sacos de grão, algumas flechas de Alleras, que estavam juntas num alforje, e algumas adagas de obsidiana. O berrante pequeno e rachado também que Jon dera a Sam também estava lá, chacoalhando junto da carroça.

— Creio que logo chegaremos até o Tridente, Gilly — Disse Sam, mesmo que a moça não entendesse nada da geografia. — Em menos de um dia, devemos estar fora das montanhas e chegaremos em terras mais planas.

— É lá onde estão os invasores que atacaram Vilavelha, pelo que entendi — disse ela, não parecendo gostar de ouvir a resposta de Sam. — Por qual motivo devemos ir para lá?

Sam torceu a boca.

— Confie em mim, está bem? — pediu Sam. — Vai dar tudo certo, só temos de passar por estas terras, e depois devemos ir para o Gargalo. Vamos voltar ao Norte, acredite.

Gilly pareceu um pouco duvidosa, dando-lhe um olhar incerto, mas ela assentiu de qualquer forma.

Quando a noite chegou, o céu cinzento começou a ficar azulado, e, tão rápido quanto, ficou negro, coberto por nuvens de azeviche, que cobriam um céu que era tão escuro quanto. A neve caiu durante o dia inteiro, sem trégua, e só veio a piorar conforme a pouca luz no céu coberto se esvaiu, e o frio começou a piorar. Sam cobrou a cabeça com o capuz e virou-se para encarar Gilly:

— Como está o Aemon? — indagou-lhe.

— Está a dormir — respondeu ela. O garoto dormia, e Sam quase não o conseguia ver, pois estava quase que totalmente coberto pelo manto negro, velho e puído, que Gilly usava para proteger ambos do frio.

Sam assentiu.

— Cubra-se mais também — aconselhou Sam. — A noite será ainda pior, você sabe.

Ela assentiu e cobriu a cabeça com o manto negro. Era um manto que Sam guardou, sendo um manto da patrulha da noite. Estava velho, com pouco de mofo, mas era o manto mais quente que tinham, sendo forrado de pelo de urso negro. Também dera a Gilly um par de luvas da patrulha, que eram forradas de lã de cabra negra.

Conforme o caminho ficava ainda mais difícil de ver, e os cavalos claramente quase não podiam mais arrastar a carroça, Alleras puxou as rédeas e fez os animais pararem de se mover, aquietando os cascos sujos e fedidos.

— Devemos parar — declarou Alleras, de forma altiva.

Sam ficou nervoso ao ouvir aquilo.

— Tem certeza? — questionou. — O caminho é ruim, isto eu sei, mas as terras estão perigosas e…

— O caminho é irregular — interrompeu Alleras. — A neve deixa-nos lentos, e, para piorar, nos impede de ver melhor a irregularidade do solo. — Balançou a cabeça de cabelos negros. — Não, não dá para continuar, Samwell; pode ser que um dos animais caia e se machuque, a carroça pode perder uma roda, e não sabemos se vamos conseguir botar de volta, ou, pior ainda, a carroça pode cair de um barranco.

— E o que faremos, Alleras? — perguntou o patrulheiro. — Não podemos ficar por aqui!

O rapaz assentiu, de forma um tanto vagarosa, com a cabeça, percorrendo o escuro ambiente com os olhos escuros como ônix, de forma minuciosa, parecendo procurar algo.

— Queria ter minha vela aqui — disse, analisando o local. — Uma pena que aquele sacerdote a explodiu. — Virou-se e pegou uma lâmpada a óleo. O lume fulgente do óleo por dentro do vidro jogava alguma luz dourada naquele local. Alleras ergueu o lume e saltou da carroça.

— A onde vai? — indagou Sam, pertubado com o fato do colega estar saindo sem falar nada.

Alleras não virou, continuando a andar na escuridão, quando disse:

— Vou ver se há alguma caverna por este local — Alleras erguia bem a lâmpada, e o brilho fulgente e dourado diminuía conforme o rapaz se afastava. Alleras não tinha qualquer espada, nem sequer levando o arco consigo.

Sam não gostava de ficar parado ali, no escuro, com apenas uma espada curta que eles roubaram da guarda da cidade de Vilavelha. A neve caía, e a camada branca entumecia-se no chão, e nas costas dos cavalos, que se balançavam para tirar o acúmulo no corpo deles. Sam se abraçava, tremendo, tanto por frio, quanto pelo medo que percorria toda sua espinha. 

Por sorte, Alleras não tardou a voltar.

— Tem uma caverna por aqui — anunciou ele, com a chama pintando seu escuro corpo de dourado. Foi até a carroça e saltou nela de forma rápida, e rapidamente tomou as rédeas e fez os dois cavalos continuarem. — Ao chegarmos lá, vou alimentar os cavalos e acender uma fogueira.

Quando chegaram perto da entrada da caverna, Samwell logo veio a perceber que a boca da entrada não era larga o bastante para passar a carroça, como já imaginava, mas preocupou-se ao perceber que a caverna não parecia muito grande, e que talvez os cavalos tivessem que ficar do lado de fora, na neve, onde estariam no frio, e a mercê de predadores.

— Acho que podemos fazer os animais entrarem — disse Alleras, como se pudesse ler a mente de Sam. — Não é grande, mas tem espaço o bastante. E não se preocupe, o animal que habitava o local já está bem morto.

Sam virou-se para encará-lo, um pouco surpreso por ouvir aquilo.

— Animal? Um gato-das-sombras, você diz?

Alleras negou com um meneio da cabeça.

— Não, Sam, não era um gato-das-sombras — respondeu, enquanto a carroça parava de chacoalhar e diminuía a velocidade. — Era um leão. — Puxou as rédeas e parou a carroça. — Um leão das cavernas, para ser mais exato. 

Sam arregalou os olhos azuis. Era dito que o último leão morreu no zoológico que existia dentro das entranhas de Rochedo Casterly, ainda na época em que o pai do falecido Tywin Lannister, o fracassado Lorde Tytos, ainda respirava e envergonhava a própria casa.

— Não, sério? — questionou-o, incrédulo, enquanto observava-o descer da carroça. — Tem certeza? Alleras fez que sim com a cabeça.

— Você verá, não diria que é idêntico às ilustrações dos livros da Cidadela, pois as artes são bizonhas, mas é um leão das cavernas, acredite.

Sam ajudou Gilly a descer da carroça, enquanto ela segurava a mão do Aemon. Este, por sua vez, saltou da carroça, com uma coragem que só um moleque poderia ter, e fez os flocos de neve no chão voarem levemente no ar.

— Tome cuidado — pediu Sam —, e não se distancie da sua mãe!

O garoto assentiu, ainda segurando a mão da mãe, e disse “sim, senhor!”.

Samwell entrou com os três, enquanto, logo atrás deles, Alleras levava as mulas para dentro da caverna. Sam erguia a lâmpada, dando alguma luz ao ambiente. Conforme adentravam, ele logo viu o corpo magro e congelado de um animal peludo e marrom-claro, que ele imaginou ser o leão do qual Alleras havia lhe falado sobre.

Estava morto. Pela pouca pouca gordura no corpo, Sam deduziu que a fome matara a bela fera antes do frio.

Alleras deixou as mulas perto da entrada, puxando-as com as rédeas de couro, e os animais se remexeram para retirar o acúmulo de neve branca sobre o dorso, e batendo as caudas, como se fosse chicotes peludos, para retirar a outra cama nos quartos traseiros. Uma delas relinchou, fazendo fumaça sair das narinas.

Alleras saiu da caverna e logo voltou com um saco de grãos e alguns gravetos. Antes de alimentar as mulas, ele levou a madeira para o centro da caverna, onde Sam e os outros estavam, juntos da carcaça do predador. Ele deixou os galhos perto corpo gelado, e pegou a lâmpada do Sam, e verteu um pouco de óleo da candeia por cima da madeira, fazendo um clarão logo surgir, e iluminando ainda mais o local escuro.

O Aemon foi de encontro até o predador, mas Sam o barrou, colocando a mão no ombro.

— É perigoso — avisou.

— Eu não tenho medo.

— Pois devia — disse Sam.

— Vejam isto — Alleras disse, indo até uma das paredes da caverna. Ele tocou numa vinha prateada, que brilhava, graças à luz do fogo. — É prata!

— Aquele metal que vocês cultuam? — indagou Gilly.

Sam riu:

— Não cultuamos, Gilly — ele a corrigiu, sabendo que o povo selvagem só conhecia cobre como metal de valor. — É valioso. Estamos no Oeste, é normal que achemos algumas minas de ouro e prata, mas em outros lugares, seria mais complicado.

— Bem, isso eu não conheço — Gilly apontou para mais fundo da caverna —, mas conheço aquelas marcas. — Quando todos se viraram para encarar a direção indicada, Sam sentiu um arrepio, quando viu os rosto esculpidos na pedra. — São dos Filhos da Floresta.

Os rostos eram expressões tristes, sem nenhum sorriso. Todos eram depressivos. Lúgubres.

— Eu nunca havia visto… — disse Alleras, indo até os rostos e os inspecionando. — É tudo tão triste…

— Tem um monte além da muralha — disse Gilly. — Devemos estar numa caverna conectada.

Aemon tentou ir até as caras na parede, mas Sam o segurou pelos ombros.

— Acho que vi alguém… — o garoto disse querendo ser solto. — Acho que é um filho do gato grande…

— São só rostos esculpidos — disse Sam, não querendo olhar os rostos de pedra, que lhe faziam ter arrepios. — Não é nada.

Deixando a curiosidade de lado, Alleras pegou o saco de grão e deu de comer as mulas que puxavam a carruagem.

— Podemos caçar antes de ir dormir — disse o dornês, enquanto o animal comia os grãos na palma de sua mão. Afagou o focinho longo e marrom do animal. — Isso, coma bastante, você trabalhou bastante…

— Eu estou de acordo — disse Gilly, que era hábil em caçar coelhos. O Aemon olhou para ela.

— Posso caçar? — indagou o filho que também era irmão dela.

— Pode — permitiu Gilly.

— Não! — proibiu Sam, apavorado com a ideia. — Tem animais selvagens! E, além disso, está muito frio!

— Posso alimentar as mulas? — o garoto perguntou.

— Claro…

— … que não — disse Sam. Aquele pivete ia acabar se matando se continuasse assim.

Alleras começou a alimentar a outra mula, enchendo a mão de grãos e dando de comer para o belo animal, como fez com o outro.

— Se a carne do predador descongelar bastante — disse Allleras — posso tentar tirar a pele e podemos esquentar um pedaço para comer.

O Aemon virou-se para o grande Sam, com os olhos brilhantes:

— Eu posso…

— NÃO! — desta vez, o grito ecoou pela caverna: “não, não, não…”.

O garoto fez uma careta emburrada e sentou-se perto da fogueira, de braços cruzados. Samwell suspirou, sabendo que ele estava irritado. Gilly sorriu e foi até o companheiro, e tocou em seu ombro, para acalmar seus ânimos.

— Quieto, Sam — Ralhou Alleras, antes que Gilly falasse algo. — Nós temos de ficar quietos, ou então, podemos ter problemas.

Conforme a noite seguia, o grupo se juntou em volta da fogueira. Gilly convenceu Alleras a adentrar a caverna — e quase levaram Aemon, mas Sam convenceu-os a deixá-lo com ele —, para ver se havia alguma água corrente por ali, pois, caso houvesse — e não estivesse congelada —, poderiam achar peixes.

Sam ficou para trás, tendo como companhia o pequeno Aemon e a carcaça gelada do leão da Caverna. Apesar do medo de adentrar na caverna escura, ele tinha mais medo de ficar ali sozinho, pois não tinha como defender o Aemon caso precisassem.

— Quer que eu leia um pouco para você? — perguntou Samwell, gentilmente, ao lado do filho de Mance, sorrindo.

— Queria que você calasse a boca — o rapaz respondeu, ainda emburrado.

Triste com a resposta, Sam assentiu, abaixando os olhos. Bem, era melhor assim, pois os livros estavam na carroça.

— Por que estamos indo ver esse rei? — indagou o rapaz. — Você o conhece?

Sam fez que sim com a cabeça. Nunca falou de Jon para o rapaz; era melhor assim, pois achou que o garoto nunca veria o antigo chefe de Sam… E nem o saberia a verdade sobre a sua origem.

Aemon não era filho de Gilly, muito menos de Sam, mas nunca falaram que ele era filho de um rei rebelde. Na verdade, nem sabiam se Mance sequer estava vivo, muito menos o filho de Gilly. Apenas quando o caminho parecia livre, e Alleras lhes disse para irem até Jon, é que eles mudaram de ideia.

— Jon é um amigo — disse Sam, mas já nem sabia dizer se era verdade: Jon fora seu irmão, seu chefe, provavelmente a única pessoa que confiou em Sam… e também fora a pessoa que o mandou embora da muralha, que separara Gilly do bebê, e fora indiretamente culpado pela morte do meistre Aemon.

Não sabia como Jon iria reagir ao vê-los, mas ele era tudo que restara para eles; não podia cuidar de Gilly, muito menos do pequeno Aemon. Jon devia isso a eles.

Infelizmente, Sam não poderia dizer que poderia ajudar muito; havia praticamente nada sobre os Outros que estivesse salvo na Cidadela, apenas que tudo se resolvera, não após uma batalha, mas após um pacto de sangue, que custou a inocência de muitos — Sam não soube qual era, mas soube mais sobre aço de dragão: era um metal branco, que era usado pelo império caído. Sam não sabia o que isto teria a haver com a Longa Noite, mas, pelo que ele vira, o Império de Valíria não era nada além de um sonho quando tudo isso ainda existia.

Tem algo faltando, pensou, mas não sei o que é, pois os documentos nem sequer devem ter registrado tudo.

— Não podemos ir ver sua família? — indagou Aemon. — Uma vez, o Leo Tyrell me disse que você tinha um nome importante, mas seu pai te odeia, e que ele era um traidor.

Ao ouvir aquilo, Sam ficou feliz que Leo havia sido morto pelos Homens de Ferro. Falta ele nunca faria. Na verdade, queria que o Randyll tivesse ido com ele; ambos podiam arder no sétimo inferno.

— Meu pai… É um homem difícil — respondeu. — Ele não pode nos ajudar agora, acredite. Ele não o faria, nem se pudesse, na verdade.

O garoto o olhou, como se não entendesse o que o rapaz havia lhe dito.

Enquanto o fogo crepitava, fazendo uma madeira se lascar e soltar brasas para o alto, as mulas pareceram ficar agitadas. Sam e o rapaz se viraram, distraídos, percebendo uma luz surgir do lado de fora…

… E foi quando Sam percebeu que alguém estava entrando na caverna, segurando um archote.

Sam se levantou, em alerta, e pegou Aemon pelos braços, puxando-o para perto de si. Deu passos para trás, fez o garoto ficar atrás dele.

Sam ouviu o barulho de aço raspando, o que fez as mulas ficarem mais agitadas e baterem os cascos, e logo uma espada era empunhada. No outro braço, o invasor erguia um archote, que fazia a caverna ficar mais iluminada.

— Eles estão aqui! — gritou o homem, enquanto as mulas galopavam para frente, adentrando mais na caverna, só parando ao se aproximarem do corpo do leão morto. — Vamos, temos que pegar tudo!

Sam pegou o cabo da espada e a puxou, desembainhando-a. Era muito menor que a do invasor, e Samwell não era um guerreiro.

— Onde está o berrante? — indagou o invasor, andando lentamente para frente, enquanto um companheiro entrava no local, local atrás. — Diga, ou matarei o garoto!

Sam sentiu que a espada iria cair de sua mão, que estava suando.

— O quê? — indagou, sem ver sentido naquilo que o homem dizia.

— O berrante! — ele repetiu. — Precisamos do berrante de gelo, para unir ao de fogo! — o grito dele ecoava. — Não brinque comigo, idiota! Meu rei e sua rainha louca disseram que o berrante estaria aqui; não posso voltar sem ele!

Sam franziu o cenho.

— Quem é o seu…?

“Rei”, era essa a palavra que Sam usaria, mas nem teve tempo, pois uma flecha passou pela sua bochecha, o assustando — embora não o tivesse ferido —, e acertou o olho direito de seu algoz, que deu leve grunhido de dor ao ser atingido, e o rosto logo ficou com uma expressão de indiferença. Sangue logo escorreu do local e o homem caiu, largando a espada, e se estatelando no chão de pedra, coberto de neve. Quando bateu o rosto no chão, a flecha entrou mais em seu crânio. O archote rolou na neve, e a chama quase se apagou, ficando fraca.

Quando o outro comparsa — que mal havia entrado na caverna — viu o colega caído no chão, olhou rapidamente para Samwell, que estava ainda mais grudado na parede, agarrando Aemon com o braço, enquanto o garoto lutava para se soltar.

Quando o outro invasor pareceu que iria falar algo, uma outra flecha voou e cortou o ar frio do ambiente, e o atingiu em sua garganta, furando, sem dificuldade, a pele e os músculos, e fazendo sangue escorrer pelo cabo de madeira, pingando no chão. O homem logo caiu de joelhos, e pareceu tentar falar algo, mas tossiu, como se estivesse engasgado. Ergueu o braço e agarrou a flecha, parecendo tentar puxá-la, enquanto escancarava a boca e esbugalhava os olhos, desesperado. Não demorou para cair no chão e ter leves espasmos na neve.

Sam virou-se, para observar a direção de onde surgiram as flechas, e, no mesmo instante, outra flecha passou por ele, cortando o ar, e saindo da caverna, atravessando a cortina de neve. Um grito de homem foi ouvido.

— A-Alleras? — chamou Sam, gaguejando, e suando frio. Aemon soltou-se de seu braço e correu para a escuridão. — Espere! Volte aqui! — Apesar de nervoso, Sam o seguiu.

— Sam! — ouviu a voz de Alleras, mas estava muito distante, sendo um eco reverberando.

— Está tudo bem — uma terceira voz disse, não sendo a de Gilly, nem de mais ninguém do grupo. — Estamos aqui para ajudar. — A voz era de um homem, alta. Na verdade, mais parecia uma canção, a canção mais triste do mundo.

Sam viu olhos de gato brilhando entre verde e dourado na escuridão. Inicialmente achou serem leões, mas logo descartou a ideia. Ele respirou fundo e disse:

— Quem está aí? — indagou, apontando com a espada. — Onde está Aemon.

Um lume fulgente surgiu do meio da caverna, e Sam viu o pequeno Aemon, segurando a mão de uma pessoa pequena, que tinha os olhos de gato que Sam viu na escuridão. A pele era castanha e salpicada, como a de um cervo. Ao seu lado, estava a pequena pessoa que segurava o archote, com um arco ao lado, junto de flechas com ponta de obsidiana.

— Viu? — disse Aemon, ainda segurando a mão de quatro dedos do pequeno ser. — Eu disse ter visto alguém!

Sam os olhou, surpreso, e abaixou a espada.

— Vocês… Vocês são os filhos da floresta.

A pequena criatura que segurava a mãe de Aemon sorriu.

— Bem, sou mais velho que o seu avô — rebateu a criaturinha, que mais parecia um esquilo humano. — Na verdade, quando aquele que você e os seus chamam de Velho Rei ainda nem existia, eu já andava pelas florestas.

Passos foram ouvidos, e foram aumentando. Logo, Gilly e Alleras surgiram. Este segurava o lume e o erguia à sua frente.

— Sam, o que…? — Alleras para de falar, assim como parou de andar, e arregalou os olhos escuros e oblíquos, hipnotizado com as belas criaturas. Aemon soltou a mão do pequeno ser da floresta e foi até a mãe, agarrado às saias de Gilly.

Sam e Alleras se aproximaram das pequenas criaturas. Uma delas, a que segurava o archote, parecia arisca, mas a que falava a língua comum parecia calma. Esta ouviu o companheiro falar algo — Sam não sabia o que poderia ser, pois parecia ser a água de um rio correndo e folhas farfalhando ao vento — e respondeu na mesma língua, parecendo o vento de uma floresta, e isto fez ele lhe passar o archote e ir se afastar, passando por Samwell, sem lhe encarar, e indo até as mulas, acalmando-as.

— Um dos homens fugiu — avisou o Filho da floresta. Seu cabelo era castanho avermelhado, como folhas no outono. — Mas creio que não represente ameaça alguma, embora talvez tenha pegado algo da carroça.

Alleras, ignorando o que a pequena criatura lhe avisou, indagou:

— Quem são vocês?

— Somos aqueles que vocês chamam de “Filhos da Floresta” — respondeu aquele que parecia ser o único que parecia falar a língua comum. — Eu e meu companheiro estávamos indo para o Tridente. Deixamos as montanhas mais a oeste, mas nossa montaria morreu hoje, há algumas horas antes de vocês chegarem.

— E vocês estavam aqui o tempo todo? — indagou Alleras. A pequena criatura assentiu. — E por que vão para o Tridente?

— Para a batalha que está por vir — explicou. — a primeira, contra o messias do apocalipse.

Sam e Alleras trocaram olhares, sem entender nada.

— Quem é este?

— O mesmo que eu vejo em meus sonhos, desde que tive minha primeira visão — respondeu, sem parecer explicar nada. — Eu o vi ser coroado por corvos, e mandar ondas negras e tempestades que afundaram exércitos; vi-o com uma mulher maligna, enquanto virava um kraken, e montava um dragão. — Continuou: — Não importa como era o sonho, no fim, ele sempre chamava os vagantes, causando mais caos. Ele está no Tridente, e eu e os meus temos que derrubá-lo.

Sam inicialmente não via sentido em nada daquilo… Até lembrar-se da tempestade que destruiu os Redwyne e dos boatos de Malora Hightower.

E lembrava-se bem do estandarte do Rei das Ilhas de Ferro: Um olho Vermelho, coroado por corvos.

— Euron? — ele perguntou, num sussurro. — Euron, olho de Corvo?

A pequena criatura o olhou.

— Talvez — respondeu. — Não sei o nome dele, mas sei que ele está em Harrenhal, e que tenho de unir-me com meu povo e o novo Corvo de três Olhos.

— Olha, nada disto nos faz qualquer sentido — interrompeu Alleras. — Mas, até onde eu sei, vocês estão indo para o tridente, podem nos ajudar a chegar até lá?

A pequena criatura sorriu.

— Eu sabia que vocês viriam — revelou. — Sonhei com vocês, por isso não partimos após a morte de meu leão. — Olhou para o animal morto, a poucos passos de onde estavam. — Nosso destino está nas terras que vocês chamam de Tridente, onde veremos o rei que irá nos salvar.

— Jon? — Sam indagou, surpreso ao ouvir a menção do colega. — Jon está no Tridente?

— Bem, aqueles ao Norte logo irão descer para o Sul — explicou. — Logo mais, irão chegar, então devemos ir para as terras e ajudá-los. Estão num castelo ilhado.

— Correrrio — Alleras disse. — Os irmãos de Jon são parte Tully, e Riverrun fica entre rios. — seu olhar escuro encontro o olhar brilhante e cortado da pequena criatura. — Daenerys estará com ele, não é? Vi-a na vela de Marwyn; ela é nossa salvação, temos de ajudá-la.

— Ela, assim como Jon, serão importantes — respondeu a Criança da Floresta, de forma calma. — Temos de partir.

Alleras assentiu e olhou para a entrada da caverna. O Filho da Floresta que matou os invasores estava acalmando as mulas.

— Vou retirar os corpos — disse, indo em direção a eles. — O sangue assusta os animais.

 Sam foi até Gilly e Aemon, deixando a pequena criatura de lado — até tinha mais indagações para lhe fazer, mas estava mais preocupado com a companheira e a criança.

— Vocês estão bem? — perguntou Sam.

Gilly fez que sim com a cabeça e deu um beijo em sua bochecha.

— Sim, fiquei preocupada com vocês — ela disse.

— Viu, mamãe? — disse Aemon, agarrado às pernas da mãe. — Eu disse que vi alguém aqui! Viu?

Gilly sorriu e afagou os cabelos da criança.

— Sim, eu vi — respondeu. — Você estava certo.

— Sam! — Alleras chamou, do lado de fora da caverna. — Venha aqui, por favor!

Sam virou-se e disse que já estava indo. Beijou Gilly nos lábios e foi até Alleras, que estava voltando a entrar na caverna.

— Que foi? — Perguntou Sam. — Roubaram nossa comida?

Alleras negou com um meneio da cabeça.

— Não, nem tocaram nela — olhou para um dos cadáveres na caverna. Agachou-se ao lado dele, e virou o corpo. O rosto estava empapado de sangue, e havia uma flecha quebrada na garganta. Sam virou o rosto, enojado.

— O que foi então? — indagou, com medo de que o rapaz quisesse que ele o ajudasse a retirar o cadáver.

— Estes homens não são meros assaltantes — Alleras disse, aproximando a luz a óleo para o peito do homem, iluminando a área do corpo. — Vê?

Sam tomou coragem e visualizou o local iluminado. No peito do homem, feito de couro cozido, havia um berrante preto com faixas douradas. Era um brasão.

— É o símbolo da casa Goodbrother de…

— De Cornartelo — finalizou Alleras, se levantando e encarando Sam. — É uma casa das Ilhas de Ferro. — Voltou a olhar para o cadáver. — Que raios fazem aqui, tão longe?

Sam não sabia responder. Também não via sentido…

Ao ver novamente o símbolo do homem, ele se lembrou do que eles queriam.

— O berrante — exclamou.

Alleras o olhou confuso.

— O quê?

— O berrante! — repetiu. — Eles vieram pelo berrante!

— Aquele velho que você trouxe? — indagou o dornês. — Por qual…?

— Eles o pegaram? — quis saber, preocupado.

— O outro companheiro está mor…

Sem paciência, Sam empurrou Alleras e saiu da caverna, sentindo o frio bater contra o seu rosto. A neve queimava a sua pele, mas ele nem sentiu. Não importava, tinha que ir até a carroça.

Dando poucos passos para fora, Sam tropeçou e caiu no chão. Sentiu seu lábio rachar e a cara ardeu ao sentir a neve cobrir seu rosto. Os flocos que estavam acumulados no chão voaram quando o enorme corpo de Sam caiu por cima deles, dançando de forma vagarosa no ar. Sam fez força nos braços e se ergueu. Ao olhar para a direção onde tinha caído, percebeu que havia esbarrado em algo. Era o cadáver que um dos Filhos da Floresta havia matado.

Balançando a cabeça, dizendo a si mesmo que nada daquilo importava, Sam ergueu-se do chão, e seguiu em frente.

Ao ficar de frente a carroça, deu a volta, e foi para a parte de trás dela. A neve caiu pesadamente sobre ela, e tudo que estava nela estava coberto por neve. Sam retirou a camada de neve com movimentos desengonçados, que derrubou alguns livros e bagunçou as facas de obsidiana.

Como temia, os inimigos pegaram seu berrante. O berrante que Jon lhe dera, quando ainda eram jovens e amigos.

— Sam? — Alleras chamou, saindo da caverna, e indo vê-lo. — O que foi?

Sam não respondeu, apenas olhando a carroça, cheia de objetos bagunçados e acumulada de neve. Sentia a adrenalina baixar, e seu coração ainda batia forte em seu peito. Sua respiração estava pesada e arrítmica, fazendo uma névoa branca surgir ser expelida de sua boca, sumindo tão rápido quanto vinha.

Sentia frio percorrer seu corpo, não pelo vento frio e a neve, mas pelo medo irracional que subia pela sua espinha.




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