The One That Got Away escrita por Polaris


Capítulo 5
Sorte


Notas iniciais do capítulo

Quarto capítulo, finalmente.

Boa leitura!



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14 de julho de 1943

 ... e não me lembro ao certo de como nos conhecemos. Provavelmente foi no primeiro verão depois que terminei o ensino médio. Ela costumava passar as tardes conversando com Becca em nossa casa e gostava de usar vestidos amarelos que não combinavam nem um pouco com sua pele—nas palavras de minha irmã, pelo menos.

Confesso que naquela época eu não prestava muita atenção nela — em partes, por ser a melhor amiga de Becca — um terreno proibido para alguém como eu— assim como ela se mantinha a uma distância segura de mim — por algum outro motivo, suponho.

Que bom que isso mudou. Digo, nossa relação, não os vestidos — embora seu corpo ficasse muito mais interessante com aquelas calças de aviadora.   

✧♡✧

BUCKY BARNES NÃO SE CONSIDERAVA COMO UM HOMEM DE SORTE. Francamente, quando pensava em sorte, acreditava que ganhar as apostas nos jogos de baseball que fazia escondido de sua mãe no clube, quando ainda era um adolescente idiota no Brooklyn, seriam o ápice. Cinco dólares naquela época valiam muito, afinal.

De qualquer forma, sabia que esse pensamento vinha de sua certeza interna de que não viveria muito, levando em consideração todas aquelas merdas do exército em que havia se enfiado. Depois de tudo aquilo, sabia que seria um verdadeiro milagre se chegasse aos trinta.

Só que agora, setenta anos depois, não achava que isso fosse uma coisa boa, porque ele não queria aquilo. Claro que naquela época, quando ainda era jovem e esperançoso, desejava uma vida longa e tranquila no bairro onde crescera. Esse homem, no entanto, já não existia mais. Aquele Bucky morreu em 1945. O que ele via refletido no espelho todas as manhãs era...  Bem, não saberia dizer o que era.

Mas odiava

Odiava porque sabia que tinha sido um maldito fantoche da Hydra por tanto tempo. Odiava porque sabia que a maior parte da sua vida fora tomada daquele jeito e odiava saber que havia tanto sangue manchado em suas mãos. Deus, ele tentou matar Steve. Seu melhor amigo, seu irmão.

A pior parte era que ainda não se lembrava de tudo.

Desde a fuga em Washington, suas memórias voltavam. Lentamente, claro — algumas com mais clareza do que outras. Pelo menos Bucky sabia seu nome agora. Sua idade. Sabia que havia nascido no Brooklyn, assim como a mãe e a irmã mais nova, Rebecca, e que seu pai tinha partido quando tinha apenas dezesseis anos.

Também se lembrava com clareza de várias pessoas, inclusive da amizade de longa data com Steve Rogers — os anos que lutaram juntos, principalmente— até o dia em que caiu daquele maldito trem, e algumas das atrocidades que aconteceram depois disso.  Ainda assim, a maior parte dos detalhes de sua vida eram turvos e confusos, como se fossem peças desconexas de um quebra-cabeças antigo.

Talvez fosse por isso, Bucky concluiu, que sempre estava guardando suas memórias arraigadas em alguns cadernos que escondia em cima da geladeira tão velha quanto ele. Porque o fundo ele tinha medo de se não anotasse poderia acabar esquecendo e voltar a ser aquela coisa. Era patético, mas não havia muito que pudesse fazer a respeito. 

     E ele estava escondido em Bucareste há poucas semanas. Parecia o lugar perfeito para alguém como ele. Longe dos Estados Unidos, onde poderia ser facilmente encontrado por Steve e a S.H.I.E.L.D, e mais longe ainda do radar da Hydra. Também não era como se tivesse sobrado muito da Hydra — ou da própria S.H.I.E.L.D, pelo que ficou sabendo— para ir atrás dele. Ainda assim, não poderia se dar ao luxo de arriscar. Sabia mais do que ninguém que precaução nunca era demais, afinal, Bucky Barnes sempre seria um homem procurado e estaria sendo tolo se pensasse que ninguém viria atrás dele mais cedo ou mais tarde.

Olhou ao redor, discretamente. Haviam algumas poucas pessoas circulando pela rua, o que o fez relaxar um pouco. Só um pouco. Ele dificilmente conseguia abaixar a guarda totalmente. Infelizmente aquilo havia se tornado um hábito involuntário, uma habilidade que seu corpo ganhou por conta própria, após décadas de espionagem e que vinha a calhar quando estava fugindo — mesmo que considerasse irritante e cansativa a constante sensação de estar sendo observado.

Bucky estava na parte central da cidade, acreditava. Detestava sair do apartamento, mas precisava de mais comida para a semana e não conseguiria postergar mais a tarefa. Felizmente aquela era uma viela tranquila, com um antiquário, alguns prédios desativados e o mercado que frequentava —um comércio pequeno e pouco movimentado, perfeito para o que precisava. Quanto menos pessoas o vissem, menores seriam as chances de ser reconhecido, ainda mais depois daquela manhã estranha.

         Bucky suspirou.

Teve muita sorte naquele dia. Por um instante, ele teve a certeza de que seria descoberto, principalmente porque a expressão daquela mulher na feira beirava o terror. Se sentiu como se fosse o próprio diabo, e obviamente, pensou em fugir antes que ela gritasse e chamasse demais a atenção, mas se deteve quando notou algo em seu rosto. Algo perturbador.

Quando ela o olhou no fundo de seus olhos, ele se sentiu completamente nu, como se ela pudesse enxergar através de seus pecados e visse o fundo de sua alma manchada. Ele então teve um vislumbre do passado, uma memória fortuita de quando ainda poderia ser considerado um ser humano respeitável. Aquela mulher, Bucky, a conhecia. Era loucura, ele sabia.

  Porque a mulher que o encarava era outra pessoa de seu passado, embora ele tentasse ignorar. Aquela era... era...

         — Barbara? Barbara. Deus, é você mesmo? — ele sussurrou, como uma prece.

         Bucky não fazia ideia de como ou porque, apenas sabia. 

Quando se aproximou e encarou seus olhos. Quando tocou seu rosto, como havia feito muitas vezes antes. Era ela. Não tinha como aquela mulher não ser Barbara Harris. Só que ele não fazia ideia de como agir, porque ela não parecia reconhecê-lo. E estava assustada. Transtornada, melhor dizendo.

 Será que ela já sabia o que tinha feito? Será que estava com medo dele?

 Então ela sussurrou algo que não conseguiu entender e desmaiou bem na sua frente. Por puro reflexo, Bucky a segurou nos braços, como se a própria vida dependesse daquilo. Seu rosto estava pálido, mas era como se lembrava. Vagamente, mas ainda estava ali. Os mesmos lábios avermelhados. O mesmo nariz arrebitado — que ela franzia de uma maneira adorável quando se zangava — e as mesmas sardas salpicadas nas bochechas, em geral, coradas.

  A questão era: Como — e porque— ela estava ali?

   Até então Bucky nunca havia parado para refletir sobre como estariam seus velhos conhecidos. Alguns ele tinha certeza de que já haviam partido. Como sua mãe e a maioria de seus companheiros de guerra. Outros ainda estavam por aí. Steve, por exemplo — que assim como ele, não tinha envelhecido nada — ou sua irmã — que Bucky conseguiu descobrir que estava bem,  tendo uma boa vida, ainda no Brooklyn.

         Mas Barbara... 

Bucky sequer pensou em descobrir o que havia acontecido com ela depois da guerra. No museu em Washington não havia nada além de um parágrafo vago sobre sua vida, uma foto antiga, como se sua história fosse apenas uma nota de rodapé e, ele achava que fosse melhor assim. Não se considerava egoísta o suficiente para torcer que tivesse passado o resto da sua vida infeliz, mas também não era masoquista ao ponto de investigar e descobrir algo que não queria. Como a única mulher que amou de verdade casada e feliz com outra pessoa. Havia coisas que ele simplesmente preferia não saber.

         Ao menos até aquele momento.

— Jane? Jane, o que aconteceu? — Um homem com algumas sacolas nas mãos gritou e vinha rapidamente na direção deles.  

Bucky contraiu o rosto. Foi como se um balde de água fria tivesse sido jogado sobre sua cabeça. Jane. Porque aquele homem estava chamando-a de Jane. O que aquilo significava? Seria uma armadilha ou algo do tipo? Será que tinha se confundido? Será que estava completamente maluco? Não importava, pelo menos não naquele momento, enquanto várias pessoas começavam a se aglomerar ao redor. 

 Quando o homem enfim chegou até eles, olhou primeiro para a mulher, como se procurasse algum ferimento e depois para Bucky, com uma expressão estranha. Será que estava pensando que tinha sido o responsável pelo desmaio?

— Conhece ela? — Bucky murmurou. Estava tudo tão confuso.   

— Sim — respondeu o homem, desconfiado — e você?

Aquilo o pegou desprevenido. Bucky se virou para a mulher desacordada em seus braços. Talvez ele estivesse apenas ficando louco mesmo. Sabia que não era impossível que sua Barbara, de alguma forma, estivesse por aí quase como sua mente se lembrava — merda, ele e Steve ainda estavam vivos, não estavam? —, embora fosse (muito) improvável.

Barbara. 

Nunca soube qual era exatamente a relação que tinham. Definitivamente não a considerava simplesmente como uma amiga, mas não chegaram a conversar sobre o assunto em momento algum. Que ironia, pensou, porque ainda que naquele instante soubesse que a amava e sonhasse com ela à noite às vezes —mesmo depois de tudo que aconteceu com ele— Bucky jamais pensou que um dia se sentiria dessa maneira. Se o visse naquela situação, provavelmente riria dele. De qualquer forma, quando sentiu o coração batendo mais forte no peito feito um adolescente idiota, Bucky percebeu que era ele quem queria que aquela mulher fosse Barbara Harris. Muito. Seria tão perfeito, tão conveniente. Se fosse mesmo ela, ele poderia...

E antes que se desse conta, seu cérebro começou a criar teorias conspiratórias — e completamente absurdas— que justificassem a presença dela ali.

Mas a verdade era que...

— Não, não conheço — ele respondeu, se dando por vencido. Estava se iludindo, era impossível que fosse Barbara afinal — só quis ajudar — Bucky justificou, segurando o pulso dela — os sinais vitais estão normais. Talvez tenha sido uma queda de pressão.

O homem não parecia convencido, mas assentiu.

— Moramos perto. Posso cuidar dela.

Bucky logo percebeu que ele não o queria perto da mulher. O homem o olhava de cima a baixo, como se quisesse intimidá-lo, o que obviamente não funcionou. Até poderia achar graça da situação, mas percebeu que cada vez mais pessoas se reuniam em volta dos três, e Bucky já estava se sentindo sufocado pela atenção indesejada.

— Muito bem — ele murmurou, empertigando-se com a mulher nos braços — me mostre o caminho.

O homem arqueou a sobrancelha.

— Isso não é necessário.

— Discordo — Bucky rebateu, olhando para ele, que parecia ter mais de setenta anos e claramente andava mancando— sem ofensa.

— São três quadras.

— Ela não é pesada.

— Não foi o que eu quis...

— Por favor —Bucky praticamente sibilou. Não aguentava mais ficar naquele lugar — me deixe ajudar.

O homem finalmente cedeu com um aceno contrariado e começou a descer a rua — e Bucky quase o abraçou por isso.

Depois que deixou a moça em um dos colchonetes de um lugar que parecia com uma pequena academia — e praticamente ser chutado pelo homem em seguida — Bucky prometeu a si mesmo que se manteria o mais distante possível daquela parte da cidade. A última coisa de que precisava era de mais problemas em sua vida miserável.   

E mesmo assim, dias depois tinha se esgueirado pela região para vê-la outra vez. Apenas para ter certeza de que aquela mulher não era Barbara, ele pensava.  O que sem dúvida, foi uma péssima decisão.

Quando a encontrou por acaso dentro de uma cafeteria, Bucky não conseguiu tirar os olhos dela. De seu sorriso. Seus olhos. E se deu conta de que estava completamente arruinado. Não é ela, a voz da razão dizia. É apenas uma coincidência. Uma coincidência bizarra, sua mente gritava. Mas ele simplesmente não conseguia parar de olhar. E para seu espanto, de algum modo, ela percebeu que estava do outro lado da rua — o que, em geral, não acontecia — e vinha em sua direção de uma maneira que o fez despertar do transe. Merda, e o que diria a ela?

  Você se parece com uma pessoa que conheci há mais de setenta anos — que é quase a minha idade à propósito, embora não pareça — por isso estou encarando você feito um lunático. Ele definitivamente acabaria preso. Então fez a única coisa que parecia prudente naquele momento. Fugiu

E naquele momento, Bucky só poderia torcer para que não se encontrasse com ela outra vez, e guardasse suas fantasias malucas de volta para sua cabeça. Bem no fundo. 

      — Mulțumiri — ele agradeceu a caixa do mercado e saiu com as sacolas em mãos.

         Bucky foi andando pela viela, de volta até o pequeno apartamento que estava escondido — se é que poderia chamar aquilo de apartamento. O lugar ficava em um dos andares mais altos de um prédio decadente nos subúrbios, onde era praticamente o único morador. Não tinha muitos móveis além da geladeira, do fogão enferrujado e um colchão mofado, mas considerando o fato de que era aquilo ou a rua — e que o último lugar que viveu havia sido uma maldita câmara frigorífica —, não era de todo ruim.

         Respirou fundo enquanto andava pela avenida, repentinamente se sentindo décadas mais velho —o não estava errado, de certa forma—. Ele deveria estar satisfeito por conseguir abrigo naquele lugar suspeito, alugado por aquela maldita mulher — e que, infelizmente, era a única que podia ajudá-lo no momento — mas ele apenas se sentia cansado e impotente. Queria viver em paz, sem machucar ninguém. 

Seria pedir demais? 

  Mas ao pensar nisso, quis rir da ironia. Estava se enganando. Alguém como ele, não conseguiria, ao menos não deveria, ter paz e sabia disso. Restava descobrir por quanto tempo a calmaria iria durar.   

Então, olhou para cima. Pelo sol alto no céu, não deveria passar das nove horas da manhã. Ele não tinha comido nada antes de sair do apartamento e o dia estava insuportavelmente quente — o fato de usar uma maldita jaqueta de couro e roupas pesadas para esconder o braço metálico não ajudava, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito — e começou a pensar que uma bebida gelada poderia ajudar, ou pelo menos diminuir aquela sensação infernal.

Muito cedo para uma cerveja? Refletiu, tentando se lembrar se havia algum bar ao redor. Sentia como se pudesse facilmente beber umas cinco garrafas de uma vez, não era como se conseguisse ficar bêbado, de qualquer maneira, embora soubesse que era arriscado e poderia levantar suspeitas desnecessárias. Talvez fosse mais prudente voltar até o mercado, comprar um pequeno fardo e tomar no apartamento mais tarde. Quem sabe uma bela garrafa de uísque ou duas e então...

— Aí.

Bucky piscou algumas vezes. Tinha acabado de trombar com alguém. 

Não, não era verdade. Alguém tinha acabado de trombar com ele. Uma  figura esguia tinha virado a esquina feito um furacão e aparentemente não o vira — como, ele não saberia dizer—. Estava caída no chão, bem na sua frente, praguejando feito um marinheiro. A cena até que seria engraçada se aquela não fosse...

Merda. 

Bucky definitivamente não era um homem de sorte. 




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